30.6.11

Subida generalizada de impostos. Fui só eu que percebi mal a estratégia do PSD?

Eu julgava que o PSD tinha passado os últimos anos a pregar contra as subidas da carga fiscal e a defender que a consolidação orçamental deveria ser feita do lado da contracção da despesa. Se bem percebo as sempre temidas "medidas adicionais", o que aí vem é um aumento diversificado de impostos. Fui só eu que percebi mal a estratégia do PSD?

18.6.11

O emprego temporário faz mal à saúde mental

Um estudo recentemente publicado no Journal of Occupational & Environmental Medicine conclui que o trabalho temporário faz mal à saúde psicológica: "Psychological distress is particularly sensitive to exposure to nonpermanent employment." (síntese disponível aqui).
Não supreende, mas também não emociona muitos dos economistas, que consideram esta variável uma externalidade aos modelos de eficiência do mercado de trabalho. O homo sapiens sapiens carece do conforto da segurança. Mas essa necessidade de conforto é mal-vista pelo homo economicus.

16.6.11

O governo preferido dos leitores do Banco Corrido

Hoje que já temos solução de Governo para o país, vale a pena fazer o balanço da consulta que aqui fiz aos que passam prlo Banco: "Se nenhum partido tiver maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, qual será o melhor governo para Portugal?". Agradeço aos 413 leitores que aqui deixaram a sua opinião.

Os resultados globais não surpreenderão ninguém, reflectem que a audiência do Banco está à esquerda do país. Aliás, o Governo globalmente preferido seria a "maioria de esquerda", seguida do PS minoritário e só em terceiro lugar foi apontado o Governo que efectivamente teremos.
Mas para a reflexão necessária nos próximos anos acho que as opiniões aqui recolhidas sobre o Governo preferido deixam algumas pistas interessantes:

1. Os leitores que queriam o PSD no Governo tiveram o governo que pediram. Quem queria o PSD no governo apostou na coligação de direita (44%), ou no governo tripartido (27%), em terceiro lugar no bloco central (23%) e só em último lugar num governo minoritário do PSD (7%).
2. Os que queriam o PS no Governo estavam divididos quanto ao Governo que queriam. Apostaram numa maioria de esquerda (25%), mais do que no PS minoritário (23%) ou no PS coligado com o CDS (15%). Rejeitaram claramente o bloco central (defendido por 11%). Mas, se simplificarmos a leitura para uma agregação PS e esquerda, PS sózinho e PS e direita, o resultado é mais expressivo da fractura: PS e direita, 39%; PS e esquerda, 38%; PS sózinho, 23%.

À direita, o espaço natural PSD-CDS parece sólido para quem aqui veio dar opinião.A grande coligação - o bloco central - não mereceu simpatia dos que aqui deixaram o seu testemunho. À esquerda a fractura é notória, apesar da aproximação de análise da situação do país entre os partidos do "arco da governabilidade" e a diferença abissal de discurso político entre o PS e os partidos à sua esquerda.
A quantidade dos que aqui veio, contra todo o discurso produzido pelo PS, pelo PCP e pelo BE, defender um entendimento do PS com a esquerda não deixa de motivar reflexão sobre a descoincidência entre o posicionamento institucional dos partidos e a percepção dos (e)leitores.
Serão apenas os leitores do Banco a "puxarem" por uma opção de esquerda que não tem, de momento, qualquer adesão à realidade, ou reflectirão um sentimento eleitoral relevante que ñenhuma das forças de esquerda absorveu no seu posicionamento estratégico? Quem quiser continuar o debate é bem-vindo, agora à caixa de comentários.

15.6.11

PS. O aparelhismo nunca existiu

Há aparelhismo no PS?
Se entendemos por aparelhismo a existência de um corpo de funcionários políticos comandados pela direcção que separa as folhas secas dos que mantêm o partido no coração, como nos partidos leninistas, não há e nunca houve.
Já uma vez disse e repito agora, o único aparelho que há no PS é uma rede de telemóveis. E isso leva, na minha opinião, à necessidade de discutir o problema a partir de outra definição do conceito.
Se entendermos por aparelhismo a existência de uma rede de contactos que cria uma estrutura de poder que, por qualquer meio, provoca o fechamento político e asfixia a divergência de posições,  que reduz à impotência e no limite exclui os que não se revêem na posição dessa rede de poder, já a minha resposta pode mudar de natureza. Eu também chamo aparelhismo a essa forma de controlo político sobre os militantes. Por isso não concordo com as opiniões que ouvi de pessoas que respeito, dizendo que um dos candidatos a Secretário-Geral falar em aparelhismo é "estigmatizar" o adversário ou que quem no PS tem o apoio dos Presidentes das distritais de Lisboa e Porto não tem legitimidade para denunciar o aparelhismo de um contendor.
A  definição de aparelhismo não leninista que proponho é passível de um teste empírico. Podemos conceber um "aparelhómetro" e ver o resultado. Por exemplo, se uma certa estrutura tem candidaturas únicas  há mais de 4 mandatos (mais ou menos 8 anos)  ou, havendo candidaturas várias, há sempre mais de 80% dos votos num dos candidatos, não será indicador suficiente de perda de pluralismo, de condicionamento político e de aversão à divergência para considerar essa estrutura dominada pelo aparelhismo? Mas podemos tornar o critério mais exigente. Por exemplo, considerar só os casos em que haja 5 mandatos consecutivos (uma década) com candidatos únicos ou mais de 85% dos votos no candidato ganhador.
No meu "aparelhómetro" nem os Presidentes das Federações de Lisboa e Porto, que apoiam Francisco Assis, nem, por exemplo, os de Coimbra, Setúbal e Aveiro, que apoiam António José Seguro, poderiam ser confundidos com lógicas aparelhistas. Nos cinco casos, houve frequentemente mais que um candidato, houve eleições plurais e resultados divididos. No caso do Porto, Assis apoiou o adversário de Renato Sampaio que por sua vez apoia Seguro: mudança mais livre não há. Pode ter-se maior ou menor simpatia pessoal por cada um desses Presidentes, mas é inequívoco que qualquer deles ganhou o seu lugar numa disputa plural e qualquer deles se arrisca a perdê-lo na próxima contenda.
Todos terão sido, eventualmente, vulneráveis a sindicatos de voto. Todos terão, eventualmente, recebidos apoios baseados em jogos tácticos ou interesses pessoais ou locais. Mas esse fenómeno é inerente ao comportamento político. Nem o PS nem Portugal nem o mundo é uma colecção de anjos que se movem exclusivamente por ideias e interesses nobres. É, na minha opinião, um erro de análise confundir sindicatos de voto com condicionamento político do pluralismo típico do aparelhismo, dado que este último se aproxima de formas semidemocráticas de poder.
Voltando ao aparelhómetro, quais serão as distritais do PS que não passam no teste? Haverá alguma? Quem é que os seus presidentes apoiam, dos candidatos em presença? Repartem-se pelos dois candidatos ou concentram-se num e qual?
Podemos reproduzir o aparelhómetro para o nível concelhio. Para evitarmos erros de medida, podemos restringir o teste a grandes concelhias, porque nas pequenas o quase-unanimismo pode não resultar de nenhum condicionamento, mas de fenómenos de amizade, vizinhança, até de parentesco, como em todos os pequenos grupos. Restrinjamos, pois, o teste do aparelhómetro a concelhias com mais de 200 ou, se quiserem de 300 militantes. Repito as perguntas. Quantas haverá que há mais de 8 anos candidaturas únicas ou, havendo candidaturas várias, tiveram sempre mais de 80% dos votos num dos candidatos? Quantas terão mais de uma década com candidatos únicos ou mais de 85% dos votos no candidato ganhador?  Haverá alguma? Quem é que os seus presidentes apoiam, dos candidatos em presença? Repartem-se pelos dois candidatos ou concentram-se num e qual?
Não disponho dos dados necessários para responder às minhas perguntas, o que aumenta a minha liberdade para as fazer. Não sei o resultado. Mas lanço o desafio a quem os tenha ou tenha condições para os recolher de que os analise e divulgue. Se casos destes existirem, há aparelhismo no PS. Se os casos se distribuírem desproporcionalmente entre as candidaturas a Secretário-Geral, a que lhes estiver mais exposta será a mais vulnerável ao aparelhismo, tal qual se apresenta hoje.
Mas se o confronto Assis-Seguro for uma vitória de ambos sobre o aparelhismo, várias dessas estruturas sairão agora do critério e terão resultados repartidos. Se o aparelhismo vencer sobre os candidatos, o monolitismo distrital ou concelhio manter-se-á.
Tenho os meus palpites sobre o que dará o teste do aparelhómetro, mas convido os que se indignam com a referência à existência de aparelhismo a investigarem eles pelos seus meios e trazerem a evidência à discussão. Se os meus palpites estiverem errados, então um candidato estigmatizou injustamente (a estigmatização é sempre injusta)  outro e quem se referir ao aparelhismo estará a atirar pedras aos seus próprios telhados de vidro.
Já agora, oonvém relembrar que o PS tem o mérito de ser o único partido em que estas coisas se discutem abertamente. Se houver politólogos interessados no desafio, então sugiro que apliquem o mesmo aparelhómetro a todos os partidos portugueses. Descobriremos provavelmente que, se só o PCP tem o aparelhismo leninista, todos têm vulnerabilidades aparelhísticas. O que eu gostava de ver estes dados estudados para todos os partidos com representação parlamentar.

PS. Devo, no entanto, dizer que este não é, para mim, o maior risco actual de perversidade política de quem efectivamente manda no PS. Muito pior é a cultura que se gerou desde a solução do confronto Sampaio-Guterres, a que chamaria Gattopardismo, em que os que apostam em que mude sempre o necessário para que tudo fique na mesma se declaram neutros nos confrontos ou os "secam" para, pela "mão do príncipe", garantirem a perpetuação da sua cooptação. Mas o Gattopardómetro seria um instrumento diferente.

Sobre Cohn-Bendit: reformadores e desbloqueadores da esquerda portuguesa precisam-se.

"Penso que não existe consenso na sociedade portuguesa quanto aos passos que devem ser tomados, nem uma visão concreta sobre que tipo de medidas para além de uma política de austeridade e de reforma. Uma política que, no fundo, defina apenas as medidas de austeridade como o objetivo não tem qualquer perspetiva de futuro" (Daniel Cohn-Bendit, eurodeputado dos Verdes).


Gosto de ver uma esquerda que fala assim. Ignoro se Cohn-Bendit faria propostas para esse consenso que nos ajudassem a encontrar as convergências necessárias. Mas concordo com o ponto de partida: a austeridade é um paliativo de curto prazo; permitirá um ajustamento doloroso mas, no fim, manterá as vulnerabilidades estruturais. Mas como se consegue consenso sobre políticas de reforma? Esse é o dilema da esquerda portuguesa. Até hoje o PS não teve à esquerda nenhum partido com quem construir convergências sobre propostas de reforma. Quem sobraria?
O bloqueio da esquerda empurra o PS para a convergência PS-PSD (já que o bloco central fere os ouvidos sensíveis) ou para a oposição a Governos de direita. Se houver protagonistas com quem se possa falar de uma agenda reformadora, o nó começa a desatar-se. Por isso o contributo de Cohn-Bendit é muito bem-vindo. O problema é que a sua visão não tem partido em Portugal. Talvez seja ouvido por Rui Tavares e Daniel Oliveira. É um bom começo, mas reformadores e desbloqueadores da esquerda precisam-se.
Temos quatro anos para lá chegar, agora que o país vai conhecer os frutos das terapias da direita liberal, com o memorando de entendimento com a troyka servido como base de um prato com muito molho de medidas ideologicamente motivadas a apimentar.

13.6.11

Nobre ministro, mau começo

Pedro Passos Coelho tem o dever de estar a fazer o governo de Portugal. Tem toda a legitimidade para convidar quem entender, incluindo a possibilidade que alguém fez escorrer para a imprensa de colocar Fernando Nobre na pasta da Saúde. Não faço ataques ad hominem e não veria nenhum mal nessa escolha, embora deva dizer que há muitos anos que a experiência meritória de Fernando Nobre não é na gestão de sistemas de saúde mas na intervenção em situações de crise, não é na relação com um corpo de profissionais mas na colaboração com um corpo de voluntários, coisas que exigem competências bem diferentes das requeridas para encabeçar um Ministério. Nada impede, contudo, que Fernando Nobre revele competências políticas que não resultem do seu currículo.
O que eu acho que é mau sinal é que depois de Passos Coelho se ter referido ao acordo com o CDS como "menos dois ou três lugares para o PSD" ache que pode vender Nobre à pasta da Saúde para se safar da irredutibilidade de Portas quanto ao compromisso que Passos assumira com Nobre para a Presidência da AR. Essa dança das cadeiras que faz lembrar a formação do Governo de Santana Lopes em que uma Secretária de Estado estava habilitada a ir para a Defesa porque era neta de um general é que é um mau começo.
Passos Coelho tinha prometido fazer um Governo à altura da gravidade dos problemas do país. Estes rumores ou não se confirmam ou mostram que está a tratar da pequena mercearia partidária. Por isso digo que Nobre ministro, mau começo.

As coisas que ando a fazer na Turquia

O Newsletter do Programa Operacional de Desenvolvimento dos Recursos Humanos publicou o seu primeiro número com o apoio técnico dos projectos de assistência finaciados pela União Europeia. Na página 8 encontra o meu artigo sobre o projecto que lidero. Aqui fica. Se não perceber turco há também uma versão em inglês (o Boletim é bilingue).  Como se diz no Facebook, curta o texto!

Türkiye, AB fonlarının yönetimi konusunda oldukça uzun bir yolun başında yer alıyor. Bu yolculuğu
destekliyor olmak bana hem büyük bir gurur hem de büyük bir sorumluluk veriyor. Doğrusu, tüm
iyi olan ve bir o kadar da iyi olmayan yönleriyle ünlü AB bürokrasisi, yönetim yapıları ve örgütsel kültürde önemli uyarlamalar gerektirecek. Ekim ayında gelişimden bu yana geçirdiğim kısa zaman bana ancak yapacağım işlerin uzunluğunu ve Avrupa standartlarında bir fon yönetimi için gereken her şeyi yapmaya istekli insanları tanıma fırsatı verdi. Bu kişilerin önümüzdeki yıllarda yönetecekleri fon miktarının, ülke boyutunda ve ele alınacak sorunlarla birlikte düşünüldüğünde, oldukça sınırlı olduğu söylenebilir. Fakat onlar Avrupa Birliği ve Türkiye arasında insani gelişim odaklı ve düzgün işleyen bir ortaklığın kurulması konusunda tam bir kararlılık içindeler. Bu insanlar aktif istihdam politikasının oluşturulmasını, temel eğitimin iyileştirilmesini, yoksulluğun azaltılmasını, sosyal ayrımcılık ve cinsiyet eşitsizliklerin kaldırılmasını destekleyecekler. Öte yandan, insanların yaşamlarını iyileştirmeyi hedefleyen bu fonlarının yönetilmesi her yıl biraz daha karmaşık hale geliyor. 2007-2011 yılları arasında, yıllık tahsis edilen fon miktarı neredeyse iki katına çıktı. Bu miktar AB - Türkiye ilişkilerindeki ilerlemeler ve yönetim kapasitemizin gelişmesi ile artmaya devam edecektir. (Bunu söylerken kendimi buradaki personelin bir parçası gibi hissediyorum) Türkiye’nin bu fonların
yönetimindeki başarısı, Program Otoritesi’nden eğitim alanlara, tüm ara yapılardan geçmiş olan faaliyetlerin son faydalanıcılarına kadar kapsayan geniş bir insan ağına bağlı. Farklı Avrupa geçmişlerinden gelen teknik destek takımımız, başarıya giden işbirliği okyanusunda yalnızca birer damla. Ancak bizler, Avrupa fonlarını önceden kullanmış ülkelerin tecrübelerinden çıkardıkları dersleri Türkiye’ye aktarmak için elimizden geleni yapacağız. Portekizli, İtalyan, Finlandiyalı ve Türklerden oluşan, zaman zaman İngiltere, Bulgaristan, Romanya gibi ülkelerden
gelen uzmanlarla da desteklenen takımımızla, geçmiş tecrübelerimizi Türkiye’nin yararına kullanmak için çalışacağız. Bazen geçmişte yaptığımız hataların nasıl önlenebileceğini anlatırken, bazen de
olumlu tecrübelerimizi paylaşacağız. Türkiye’nin bu çalışmalarımızdan yararlanmasına yardımcı olmak için gerçekten çok istekliyiz. Çünkü günün sonunda bizler de gururla bu başarının parçası olacağız.

12.6.11

A ilusão dos lugares na política. O Presidente do PS/Oeste tem muitas (más?) companhias

"menos dois ou três lugares para o PSD" (Passos Coelho, Presidente do PSD, explicando a mecânica da coligação com o CDS se ganhasse, como ganhou, as eleições legislativas)

"a conquista de mais lugares na Assembleia da República é o objectivo da CDU" (Francisco Lopes, cabeça de lista da CDU, explicando o objectivo da sua força polítia na campanha eleitoral para as legislativas)

"...vai ser preciso uma esquerda de enorme capacidade, competência e combatividade que ponha como objectivo chegar ao governo, disputar o governo, ter cargos governamentais..." (Francisco Louçã antes das eleições legislativas, antecipando a chegada do BE ao Governo, três anos após a derrota do PS)

"Este é o momento…de se correr atrás de lugares…"(Silva Ramos, Presidente da Distrital de Beja do CDS/PP)

"nos últimos seis anos a FRO sempre foi relegada para segundo plano, ficando enfraquecida ao deixar de escolher o governador civil de Lisboa e de indicar os nomes para candidatos a deputados pela região (...)Alertámos para a possibilidade de, nestas eleições, o Oeste não conseguir eleger o seu deputado eo PS/Oeste acabou por não ficar com lugares elegíveis " (Rui Prudêncio, Presidente da Federação Regional do Oeste do PS, explicando as razões do seu apoio a um dos candidatos à liderança do PS)

Quer acompanhar as eleições de hoje na Turquia?

A Aljazeera cobre, em inglês, as eleições legislativas na Turquia,  aqui.

Obrigado Shyznogud.

A Ana Matos Pires tem razão. Consegue tudo.  Esse conselho de José Mário Branco é sábio.

11.6.11

Ich bin ein Daniel Oliveira ou quantas divisões tem o exército do Papa?

"Não, já o disse e alguns não perceberam, o desvario do Bloco não passa pelo seu coordenador." (Daniel Oliveira)

Não sei o suficiente sobre o BE para saber exactamente a quem se deve o desvario. Mas acho que ele foi notório na recente campanha eleitoral, como escrevi aqui. Daniel Oliveira, talvez tacticamente, quer poupar Francisco Louçã, mas a verdade é que o próprio tinha teorizado o objectivo do BE como sendo não o reforço da esquerda mas a derrota do PS. Acabou o BE por ser vítima da sua cegueira táctica e do desconhecimento de uma regra do comportamento eleitoral dos portugueses. Quando a esquerda desce, não é à custa de uns partidos de esquerda em benefício de outros mas, essencialmente, desce em conjunto, claro que uns mais que outros e, quando muito, uns aguentam-se quando os outros caem a pique. Não foi o que agora aconteceu ao BE perante a derrota do PS. Mas, francamente nem é isso que é essencial.
O que é importante é que o BE tudo fez para precipitar a queda do PS, desde a sua pueril moção de censura do Carnaval, sem que tivesse estratégia sobre o que fazer com essa queda.
Há uma coisa que quem dirige o PS, o BE e o PCP não percebe. Os partidos estão distantes entre si em tudo, menos nos seus eleitorados, em que partes significativas já votaram em momentos diferentes nos três.
Nós os "políticos" podemos continuar a viver por muito tempo sem fazer a constatação do Rui Tavares. Ou sem ouvir, no BE, o realismo do Daniel Oliveira que percebeu (sem que eu concorde cm os adjectivos)  que  o papel do Bloco é ocupar um espaço amplo na esquerda, que não se revê nem na ortodoxia do PCP, nem na moleza do PS, mas que quer um Bloco disponível para soluções de poder.  Ou, no PS, cedendo à tentação centrista da equidistância como se não fosse verdade, como disse em 2009, que o que estruturalmente divide o PS do BE e do PCP é a Europa e o princípio da realidade.

Julgo que a esquerda tem tudo a ganhar em clarificar tanto as suas diferenças como as suas convergências, nisso aprendendo com a direita. Foi isso que não conseguiu no ciclo político que agora termina, como em tempo disse Soares, autopsiando previamente (com dois anos de antecedência) a morte da maioria parlamentar de esquerda que se encaminhava para a derrota que teve agora, em 2011. Manuel Alegre, honra lhe seja feita, tentou inverter essa tendência num dado momento, fossem quais fossem as suas intenções. Mas já então foi o mesmo Luis Fazenda que agora nos pergunta quem é Daniel Oliveira que se encarregou de matar a conversa na casca.

Talvez o Daniel, que sabe muito mais do BE que eu, tenha razão quando diz que o problema não passa pelo coordenador. Eu só tenho a certeza que neste momento a solução também não. Quanto a quem é Daniel Oliveira, permitam-me que responda com amizade pelo Daniel, à pergunta de Luis Fazenda. É um homem de esquerda, um espírito livre, que quer ao mesmo tempo que haja à esquerda alternativas ao PS e ao PCP e uma cultura de poder para mudar Portugal em vez de bramir contra os que o mudam contra a nossa vontade. Não será do meu partido e eu não serei do dele, mas sabe distinguir o essencial do acessório. Quantos políticos, no PS, no PCP e no BE o saberão? Cada partido tem o Fazenda que merece e a pergunta estalinista típica de Fazenda ao Daniel, já eu a ouvi a outros no PS e no PCP é cultura oficial. Afinal quantas divisões tem o exército do Papa?

Os Fazendas dos três partidos conduzem-nos ciclicamente aos governos da AD e talvez até fiquem contentes. Os que neles votam mais tarde ou mais cedo vão perceber o logro.

9.6.11

"Semprumar": homenagem a Semprun por um (ex-)comunista amigo meu

Confesso o meu fascínio pela escrita do Semprum, de quem li boa parte dos livros e as crónicas das últimas décadas, de reflexão sobre a Europa, depois reunidas em livros que andarão cá por casa. Gosto do estilo, da construção narrativa, do humor e do cinismo sempre presente.
Julgo que cheguei a ele através da Segunda morte de Ramón Mercader, mas a minha fidelização e fascínio têm um marco objectivo: Autobiografia de Federico Sánchez. É um livro que me enche as medidas e que leio com superior gozo. Assim aconteceu a noite passada. Noticiada a sua morte, no meio de uma insónia, eram para aí 3 da manhã, tirei-o da estante e foi até de manhã a saborear aquelas 300 páginas. A espaços é certo, os momentos mais "despertadores".
Trata-se de um livro em torno da sua expulsão do Partido Comunista Espanhol em 1964, juntamente com Fernando Claudin, numa reunião do Partido num castelo na então Checoslovaquia, por, entre outras razões que (porra, leiam o livro!) se prendem com as posições do PCE, em que imperavam o Santiago Carrillo e a Passionaria Dolores Ibarrubi, em relação ao estalinismo e à dependência do PCUS (aqui chegado, espero que o meu potencial leitor já saiba ou ainda não tenha apagado o significado destas siglas). A esta distância de quase 60 anos, é uma pancada forte vermos um dos paladinos do eurocomunismo ser acusado por um dos seus de subserviência em relação à URSS.
Coube à Passionaria comunicar a decisão dos orgãos do Partido. Por isso o primeiro e o último capítulo têm o mesmo título: A Passionaria pediu a palavra. Pelo meio toda uma história da vida no e com o Partido, das suas contradições que assume como o poema com assinatura "anónimo" que o Partido distribuíu e Semprum tinha escrito 10 anos antes, em Março de 1953, horas depois do anúnci oficial da morte de Estaline:
Morreu o nosso pai, o camarada,
morreu-nos o Chefe e o Mestre,
Capitão dos Povos, Arquitecto
do Comunismo em obras gigantescas.
Morreu. Morreu. Não há palavras.
Ressoam os tambores do silêncio.
Morreu-nos Estaline, camaradas.
Cerremos fileiras em silêncio.
Com profunda ironia recupera versos do seu extenso Cântico a Dolores Ibarruri, a camarada  ali à sua frente que entretanto pediu a palavra:
A ti Dolores, agora, quero falar-te,
com a minha voz profunda e entranhada.
Modesto é o lugar de militante
que ocupo nas fileiras do teu partido;
nem tão-pouco é exemplar o meu trabalho.
Digo-te sincera e simplesmente:
não sou um bolchevique, apenas tento sê-lo.
Eu não sou Dolores, de raiz
operária. Em mim não é a consciência de classe
que me norteia palavras e acções.
Bem o entendes. O meu coração é vosso,
bate ao ritmo glorioso deste tempo....
E por aqui me fico. A Autobiografia de Federico Sanchez foi o vencedor do Prémio Planeta, um dos mais prestigiados de Espanha, em 1977. A edição portuguesa surgiu em 1982 através da saudosa Moraes Editores. Não sei se voltou a ser reeditado ou se existe no mercado mas a minha biblioteca privativa está sempre pronta a emprestar.
Muito mais havia para semprumar, mas deixo à vossa curiosidade: a mal gerida relação com Espanha e o espanhol (escrevia sempre em francês), a sua faceta cinematográfica (colaboração entre outros no argumento do Z do Costas Gravas), a sua passagem pelo governo de Filipe González (de que resultou o livro Federico Sanchez se despide de ustede).
(texto recebido por mail)
PS. Eu cheguei a Semprun pela despedida de Frederico Sanchez e juntaria à galeria dos imperdíveis. entre os textos que mais conseguem construir uma ficção notável sobre um caso real numa situação extrema, que li eu próprio num contexto bem especial, o espectacular  "Le mort qu'il faut", que julgo que não tem tradução portuguesa.

PS2. Outro amigo, de outra geração, recorda a importância de "A longa viagem" na obra de Semprun. Definitivamente, há um ângulo diferente para cada um de nós, como se espera do respeito por um criador. Recorda esse amigo o receio fulcral dos resistentes perante a opressão brutal de ditaduras e totalitarismos:

Sendo as coisas o que são, a possibilidade de se ser humano está ligada à possibilidade da tortura, à  possibilidade de vacilar sob a tortura”(...) “Um homem devia poder ser homem mesmo que não fosse capaz de resistir à tortura, mas a verdade é esta, sendo as coisas o que são, um homem deixa de ser o homem que era, que poderia vir a ser, caso vergue diante da tortura...”.

Como todos sabemos ninguém regressa o mesmo da vida que Semprun conheceu.