24.5.11

A esquerda não pode enterrar a cabeça na areia. Uma ideia para baixar o custo unitário do trabalho.

Defendi aqui que baixar muito a TSU para subir muito o IVA não é uma boa medida, porque a TSU não é alta relativamente aos parceiros europeus e o movimento conduzirá a descapitalização da segurança social.
Mas não se conclua daí que não vejo o problema que leva a direita a entusiasmar-se com a medida. Se reduzissemos a um só indicador o problema da degradação da competitividade portuguesa bem poderiamos escolher os custos unitários do trabalho, que medem a relação entre os salários e o produto. Os portugueses ganham mal, bem sabemos, mas quando comparado o que ganham em relação ao preço a que conseguem vender o que produzem, passaram em 15 anos de ganhar por hora significativamente menos que os alemães para ganhar significativamente mais e a trajectória de subida só se interrompeu quando a crise se agravou significativamente.
O Governo terá muitas culpas no cartório, mas não foi o governo que aumentou os salários da economia. Foram os empresários e os trabalhadores. Aumentar os custos unitários do trabalho não era mau em si mesmo num país que quer libertar-se dos baixos salários. Poderia até ser saudável, se compensado pela diminuição dos custos do capital. Mas a crua verdade do gráfico abaixo é a de que nos próximos anos temos que reequlibrar a relação entre o salário e o produto, ou dito de forma desagradável, temos que diminuir o custo do trabalho. A tendência terá que inverter-se, a bem ou a mal, pela direita ou pela esquerda.


Na ausência de possibilidade de desvalorização da moeda, só há três vias para o fazer: moderação salarial, redução dos custos não salariais do trabalho (a via da TSU), aumento do produto (o preço a que vendemos o que produzimos).
Nenhuma das três coisas se pode fazer de um momento para o outro e nenhuma por si só resolve todo o problema. Daí a primeira certeza, a de que o ajustamento vai ser doloroso.
A alternativa à aposta na TSU não pode ser fechar os olhos, mas encontrar, nos objectivos, nos meios usados e nos métodos, o caminho possível.
É claro que Portugal tem que ser um país amigo dos investidores - nacionais e estrangeiros - e que os incentivos à competitividade das empresas que sejam possíveis, dentro do espartilho da política europeia de competitividade, devem ser prioritários na orientação da despesa pública.
Mas a opção da esquerda tem que assentar na mobilização dos recursos públicos para duas prioridades estratégicas simultâneas, a melhoria dos factores de competitividade e o aperfeiçoamento da protecção social, recalibrando-a para que se dirija para os grupos prioritários e seja, para eles, eficaz,quer na abertura de novas oportunidades quer no amortecimento do choque do desemprego.
Neste quadro nem o TGV nem as pensões podem ser sacrossantos. Tudo tem que passar no exame constituido pela resposta a duas perguntas: melhora a economia? Diminui a vulnerabilidade social? O que passar nos dois critérios é prioritario.

E podemos adiar a descida dos custos unitários do trabalho? Não. A esquerda não pode enterrar a cabeça na areia.
Como sempre, o futuro da esquerda democrática depende da capacidade de imaginar novas soluções para os novos problemas Neste caso, julgo que se pode pensar desde já em medidas que implicam negociação de contrapartidas não salariais e partilha de esforços.
O problema não é pôr os portugueses a trabalhar mais porque já trabalham muitas horas, mas fazem-no das mais diversas formas, para além do horário normal de trabalho. E se pegássemos neste dado de uma forma um pouco imaginativa?  E se baixassemos já os custos unitários do trabalho, aceitando os trabalhadores a subida de meia hora  por dia no seu período normal de trabalho (reduzindo o custo horário do seu trabalho), garantindo o Estado a diminuição do prazo de garantia para acesso ao subsídio de desemprego em 3 meses (melhorando a protecção social) e obrigando-se os patrões a reduzirem em 25% o número de contratados a prazo e trabalhadores a recibo verde (diminuindo a precariedade)? Não era um jogo de soma positiva?

Adenda. Um amigo fez-me chegar este paper que pôe em cauda a utilidade da "desvalorização interna" para os países da periferia do Euro. O argumento deles assenta no cabaz de exportações. Se não mudarmos o padrão de exportações nã há redução de custos do trabalho que absorva o fosso que nos separa dos nossos competidores. Concordo. Esta é a via a que chamei do aumento do produto, a desejável, a que temos que procurar como saída estrutural para a crise. A minha nota de pessimismo deriva de que não vejo como no curto prazo se pode pôr todos os ovos no cesto desse processo que, por definição, exige tempo: investimento, construção de reputação, domínio de circuitos de comercialização, etc. Por isso temos que ter também medidas paliativas imediatas que reduzam as dificuldades de curto prazo. Por isso defendo a combinação de uma visão estratégica com medidas dolorosas imediatas. Po isso mantenho a ideia de que alguma "desvalorização interna" é imediata. Porque efectivamente compacta alguns custos, porque interfere com um indicador de referência para os investidores, porque não podemos projectar toda a nossa estratégica num futuro tão incerto quanto o presente é inseguro. Como calculam, preferia acreditar numa mudança repentina do nosso padrão de especialização que não vejo com base em que se pode imaginar que esteja aí para aparecer amanhã, a não ser que haja nevoeiro.

8 comentários:

Anónimo disse...

A esquerda pode se permitir desconfiar da leitura que o senhor faz desse gráfico. Aliás, para mim que pouco sei de economia, deixo a interpretação dos seus dados a outras mãos. Vejamos o que diz João Ferreira do Amaral:
"Não há razões para dizer que foram os salários que fizeram Portugal perder competitividade", explicou o economista ao i. "Os salários reais até cresceram ligeiramente menos que a produtividade."
Esta citação é retirada do seguinte artigo:
http://www.ionline.pt/conteudo/100364-preguicosos-portugueses-nao-recebem-mais-do-que-produzem

Mas para que não pense que me restrinjo a citar um artigo de jornal, aqui vai outra bibliografia: www.levyinstitute.org/pubs/wp_651.pdf

E há mais bibliografia nesse mesmo sentido que põe em dúvida que o ''custo unitário do trabalho'' em Portugal seja o factor determinante de diminuição de competitividade de Portugal.

Helena Romão disse...

Essa de tirar gráficos a cores da cartola sem que esteja muito bem indicado o que deles consta... (o Paulo Portas tentou essa, até com muita graça, num dos debates, coitadinho... não sabe que já há internet)!

Que trabalhadores, que valores, o que é que foi comparado, que trabalho? O gráfico foi feito com base nos salários?

Constam os recibos verdes? É que fora dos gráficos, na vidinha das pessoas, que é o que conta para comer e ter casa, o custo do trabalho DESCEU!

Porque cada vez maior proporção de trabalhadores está a recibos verdes ou com bolsas de investigação, que são formas de trabalho que não implicam nenhum outro custo para o empregador. Apenas os 12 meses (para os sortudos que não sejam professores 10 meses por ano), nada de segurança social. ZERO!

E as remunerações dos administradores das grandes empresas e grupos e dos bancos, também estão reflectidas aí, todas as suas componentes de remuneração? Então talvez até isso sozinho possa justificar a subida do gráfico. Mais ninguém paga a administradores na desproporção que Portugal paga.

Se sobe o desemprego, o número de horas trabalhadas é menor, o que também faz subir o rácio.

É que há muitas coisas que estão nos gráficos, é preciso saber exactamente como foram feitos e o que representam para se poder tirar conclusões baratas.

O erro gigantesco, enorme deste PS é achar que a população é a mesma do salazarismo e não se lembrar que nós, podemos ser miseráveis, mas já não somos iletrados vai para quarenta anos. Olhar para um gráfico não é assim tão complicado — e desmascarar manipulações baratas também não. Lamento...

Não lhe vou pedir que diga alguma coisa Socialista, descanse. Nem de Esquerda. Mas se fosse alguma coisa de honesto já não era mau!

Anónimo disse...

O que importa fazer antes de jogar no tabuleiro que lhe é posto em cima da mesa é por exemplo diversificar as fontes de informação - digo isto porque eu não presumo que esteja de má fé mas apenas prefiro crer na sua ''ingenuidade'' ou então o PS e o PSD são variantes do mesmo sem sentido:

http://mobile.economico.pt/noticias/salarios-e-competitividade_83408.html

mariana mortágua disse...

Os números e os gráficos têm de facto a vantagem de poder ser utilizados para provar qualquer teoria, a que se queira, a mais vantajosa. Mas não deixa de ser desonesto tentar convencer um povo inteiro a pagar com austeridade um divida que não lhe pertence, dizendo-lhe que andou a “viver acima das suas possibilidades”.

Sobre o gráfico

1. Os custos unitários do trabalho são um indicador que procura medir a competitividade de um país dividindo os custos nominais do trabalho (salários, contribuições para a segurança social etc.) pelo produto real (PIB).

2. Em pormenor, estamos a dividir salários nominais, ou seja, salários que levam em conta a inflação, pelo produto real, onde não consta a inflação.

3. O que é que isto quer dizer? Que os países onde a inflação foi maior, curiosamente os países periféricos, aumentaram mais os seus salários NOMINAIS que os países onde não houve inflação. Isto não implica um aumento nos salários reais, apenas a manutenção do poder de compra.

4. E a verdade? Se analisarmos a compensação real do trabalho verificamos que desde 1995 que Portugal evolui a par da Alemanha
5. E a verdade II? Se analisarmos a produtividade real do trabalho verificamos que cresceu mais depressa em Portugal nos últimos 10 anos que na Alemanha

(está aqui: http://www.researchonmoneyandfinance.org/media/reports/eurocrisis/fullreport.pdf)

Mas por que é que os custos do trabalho são menores na Alemanha?

6. A Alemanha implementou nos últimos anos uma estratégia de compressão dos seus próprios salários reais que congelou o seu poder de compra interno.

7. O que é que isto quer dizer? Que a Alemanha só cresce à custa das exportações, já que a sua população não consume, e que tem uma economia que, salvo o sector exportador, está estagnada.

8. A Alemanha só enriqueceu porque os países do sul se estavam a endividar. A Alemanha produz para vender aos países periféricos que, para comprar, vão pedir dinheiro emprestado aos bancos Alemães, provocando uma enorme transferência de rendimentos para a periferia sob a forma de crédito, mantendo a própria Alemanha em posição deflacionada.
E? o que é que há de errado na estratégia neomercantilista da Alemanha?

9. Se todos os países adoptarem a mesma estratégia de compressão de salários reais internos, não haverá ninguém para importar e portanto uma saída pelas exportações não é viável. Só pode haver uma Alemanha na Europa, e é uma mentira acenarem-nos essa cenoura.

Mas a competitividade depende mesmo dos salários?

10. NÃO

11. MOEDA SOBREVALORIZADA - há estudos feitos, nomeadamente pelo professor João Ferreira do Amaral que defendem claramente este facto. A Alemanha quando adoptou o euro entrou como marco desvalorizado, enquanto Portugal entrou para a UM com o escudo sobrevalorizado, o que prejudicou as exportações e a competitividade.

12. PREÇO DA ENERGIA – uma das fontes de perda de competitividade das empresas portuguesas

13. SISTEMA DE JUSTIÇA – recentemente apontado como um dos principais factores que impedem as empresas de se fixar em Portugal (isto dizem estudos de grandes consultoras)

14. PREÇO DO FINANCIAMENTO – enquanto há 20 anos atrás os salários eram uma forte componente no orçamento das empresas, hoje é o preço a que se financiam que pesa. Os juros que pagam ao banco pelo crédito, mesmo o de tesouraria.

15. CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL EUROPEIA - Um Banco Central que protege apenas os interesses da Alemanha, por exemplo. Uma política agrícola comum que destruiu o todo o nosso sistema produtivo agrícola.

Percebo a pressa de alguns para tirar rapidamente conclusões convenientes, mas está na altura de introduzir alguma honestidade e decência na forma como utilizamos dados, indicadores e argumentos económicos para convencermos as pessoas a aceitar o que não as beneficia, nem à economia.

Anónimo disse...

http://adeuslenine.blogspot.com/2011/05/vamos-la-ver-o-grafico-mas-agora-com-um.html

Makyavel disse...

Isto deve ser comparando o custo de um trabalhador industrial alemäo com uma gestor intermédio português. Só pode.

Ou entäo, a ser isto 2ve5r68d/*ade assim que os alemäes virem isto, seremos invadidos!!!

Cantas bem...

Alexandre Abreu disse...

Comentei em: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/05/dislexia-nao-e-bem-esse-o-lado-esquerdo.html
Abraços!

Galico-Duriense disse...

Ora bem... mais meia hora por dia de trabalho... passo a trabalhar 63 horas por semana... é bem... Pagam-me 40... 23 são para o patrão...

Vê-se logo que viveis num mundo à parte...

Tenho meses de 260 horas de trabalho, sempre, mas SEMPRE pago como horas normais... Eu e todos os da empresa (+ de 300). E quase todos os do sector (+ de 50 mil). E ainda queres que trabalhe mais meia hora por dia????
Vai a um shopping ou a um hiper e vai verificar as condições dos trabalhadores...

É como as férias... 25 dias qual quê pá??? Nunca faltei e nunca, mas nunca mesmo, gozei mais de 20 dias de férias...

O Vosso pais não existe... Ou melhor existe só a tua volta... Que os outros, os que trabalham, a esses não há leis que lhes valham. É a lei do mais forte e o resto é paleio de quem está bem.