Como é público e notório, sou irmão de João Pedroso. Como é igualmente público ele foi afastado da corrida eleitoral no PS de Aveiro. Por dever de reserva, nunca me pronunciei sobre o seu caso concreto enquanto decorreu o processo eleitoral para as Federações.
Mas, ao ler o Acordão da Comissão Nacional de Jurisdição que precisou de declarar anti-estatutário o regulamento eleitoral dos Presidentes de Federação e ao ver que ele se reporta a uma norma dos Estatutos amplamente discutida quando foi introduzida e em cuja redacção participei, sinto que o meu dever de testemunho se sobrepõe ao de reserva.
A norma estatutária tornou-se necessária e foi introduzida porque se gerou uma situação em que alguns engraçadinhos (para ser simpático) se divertiam a ganhar secções "migrando" militantes para votarem de secção em secção, ou seja viciando o universo eleitora. E a fixação de uma data anual para fechar o caderno eleitoral visava impedir que, como as eleições de secções não são simultâneas, um militante pudesse votar, no mesmo ano, em duas, três, quatro, cinco secções. Infelizmente havia quem o fizesse.
Nunca ninguém pretendeu regular a capacidade eleitoral passiva, isto é a possibilidade de ser eleito.
O que a CNJ fez foi dizer que o PS acha que um militante que muda de secção a menos de 6 meses de um acto eleitoral interno não pode submeter-se ao juízo político dos militantes do PS na sua nova secção ou na sua nova Federação, apenas não votando. Ao fazê-lo cria um absurdo: um militante passa a poder ser candidato a Secretário-Geral de todo o PS e a ser impedido de ser candidato a uma federação. Acresce que no PS se pode ser militante de uma secção da Federação A e ser residente na Federação B, o que torna toda a trapalhada da transferência que a CNJ sufragou mais artificial ainda.
Para quem não veja imediatamente a falta de senso do que foi decidido pela CNJ do PS, o que esta decidiu, se transposto para as eleições à Assembleia da República faria com que um cidadão que estivesse recenseado, por exemplo, no distrito de Coimbra , consequentemente não podendo votar em Aveiro, também não pudesse aí ser eleito para deputado ou que um candidato recenseado em Ilhavo não pudesse canditar-se a Presidente da Câmara Municipal de Aveiro. Como todos sabem, as leis eleitorais portuguesas são geridas com bom senso e não é assim.
A CNJ faz o que entender e se quiser pode torcer, manipular, o que quiser, a norma estatutária que invoca. Mas há uma coisa que quem participou na elaboração da norma estatutária pode testemunhar: está a usá-la para fim
completamente diferente daquele para que foi criada. Pretendeu-se reprimir viciações eleitorais lamentáveris. A CNJ usa-a para coarctar o direito de um militante disputar uma eleição.
Agora que Afonso Candal está reeleito e a decisão da CNJ transitada em julgado e este caso está encerrado, é dever de quem acredita na "defesa radical da democracia" que consta na Declaração de Princípios do PS não encolher os ombros. Porque é fazendo acontever pequenos passos destes que se dá razão aos que acham que os partidos são instituições mal-sãs.
Que longe vão os tempos em que António Guterres pedia a uma COC de Congresso Nacional que deixasse ir a debate uma moção apresentada por Manuel Alegre fora dos prazos!
PS. Quem tentar ver no que acima escrevi um gesto entre irmãos e não uma crítica política à manipulação dos estatutos do PS para coarctar direitos aos militantes nem nos conhece a mim nem a ele nem merece da minha parte um segundo de atenção.