20.9.10

Coreia do Norte: mais um passo para entronizar Kim III

Ainda há alguém que chame àquilo socialismo? Em Portugal, ainda há dois anos havia: o Comité Central do PCP. Aliás, ainda pode comprar nas Edições Avante este livro anunciado como conseguindo explicar porque o socialismo sobreviveu na Coreia do Norte, "pelo menos numa certa forma".

18.9.10

Ainda não temos informações suficientes?

Antes da queda do Muro de Berlim, quando os comunistas portugueses não conseguiam condenar um gesto dos regimes com que tinham vinculações fortes mas também não conseguiam encontrar um argumento para os defender, refugiavam-se sempre, no momento de tomar decisões, na ideia de que ainda não dispunham de informações suficientes, de que ainda era preciso aguardar um apuramento definitivo do que tinha ocorrido e... votavam objectivamente em defesa de coisas incríveis, refgiados em argumentos esfarrapadissimos.
Mas os comunistas de então não têm o monopólio desse tipo de embaraços. Quando se trata de ponderar o peso na balançapolítica  dos direitos humanos de uns punhados de ciganos romenos ilegais contra o superior interesse nacional de não aborrecer o Presidente da República Francesa, o velho argumento recicla-se com grande facilidade, como se viu hoje na Assembleia da República.

15.9.10

De links bem abertos: fobias políticas

1. Uma boa maneira de olhar para uma coima estúpida, inventada em França: Em discussão está também, o recurso ao uso simultâneo de suspensórios e cinto, o que prova da insegurança do seu portador. Relativamente aos saltos altos é provável que a legislação aprove, já que Nicolas Sarkozy é um fervoroso adepto do referido acessório. No Leva de mar.
2. Uma maneira que parece chocante, mas equilibrada, de falar das raízes fundas e de manifestações recentes de um racismo que a França quer capitanear, mas não fundou, historicamente até combateu e hoje não pratica nada sózinha: há mais coisas que saber sobre ciganos do que a deportação selectiva de imigrantes ilegais. No Jugular.

Agenda social? Valha-nos Stiglitz, Krugman e... o FMI

O documento conjunto apresentado na Conferência de Oslo pelo FMI e pela OIT vai em contra-corrente com as receitas que estão a empurrar a transformação da crise económica em crise social e o risco de desemprego em desemprego prolongado. O que levou Paul Krugman a dizer que deve haver uma cláusula de sanidade na carta do FMI perante a falta dela por parte da OCDE e do BCE. Leia o post de Krugman, mas sobretudo não perca The challenges of growth, employment and social cohesion, o texto de que fala, apenas cometendo o pecado de omitir que é também da OIT. Mas que esta costuma ter este tipo de preocupações já nós sabiamos.
Para quem pensa que a Europa está sempre na vanguarda das agendas sociais, dá que pensar que quem agora puxa por uma resposta favorável ao emprego e à coesão social sejam dois economistas americanos que há uma década definiriamos como centristas e... o FMI.

14.9.10

Joseph Stiglitz, a entrada e a saída da crise mundial. Leitura obrigatória.

Ainda não cheguei ao fim das trezentas páginas e posso ter algum desilusão com a parte final, mas para abrir o apetite a quem esteja curioso, talvez estes dois parágrafos da parte inicial do livro ajudem:

This book is about a battle of ideas, about the ideas that led to the failed policies that precipitated the crisis and about the lessons that we take away from it. In time, every crisis ends. But no crisis, especially one of this severity, passes without leaving a legacy. The legacy of 2008 will include new perspectives on the long-staning conflict over the kind of economic system most likely to deliver the greatest benefit. The battle between capitalism and communism may be over, but market ecoonmies come in many variations and the contest among them rages on (Preface, p. xii)

"As the Unites States entered the first Gulf War in 1990, General Colin Powell articulated what came to be called the Powell doctrine, one element in which included attacking with decisive force. There should be something analogous in ecoonmics, perhaps the Krugman-Stiglitz doctrine. When an ecoonmy is weak, very weak as the world economy in early 2009, attack with overwhelming force. A government can always hold back the extra ammunition if it has it ready to spend, but not having the ammunition ready can have long-lasting effects. Attacking the problem with insufficient ammunition was a dangerous strategy, especially as it became increasingly clear that the Obama adminsitration had underestimated the strength of the downturn, including the increase in unemployment" (Chapter 2, Freefall and its aftermath, pp. 34-35)


Stiglitz, Joseph, Freefall, free markets and the sinking of the global economy, London, Allen Lane, 2010.

10.9.10

Esta semana vieram ao Banco Corrido à procura de

1. Agora Salazar era um democrata(-cristão) convicto. A patetice vende jornais?
2. Greve na PSP: o Governo, o direito e o bom senso.
3. O que é bom para a economia americana é mau para a nossa?
4. De passagem pelo Banco, o Luis Costa recomenda
5. Fidel voltou a dar entrevistas a torto e a direito.
Fonte: Blogger

Qual é a cobra não venenosa? Lula explica.

O marketing político no Brasil é fascinante. Lado a lado com técnicas sofisticadas, apenas comparáveis às americanas, fazem-se as campanhas mais kitsch e inacreditáveis.
Esta diversidade não é acidental. No Brasil, campanha é mesmo para procurar voto, todos os votos, de todos os eleitores, de todas as condições sociais. Campanha não é coisa que obedeça ao politicamente correcto, procure impressionar elites já decididas ou perca tempo com mediadores que não chegam ao povão..
Mesmo as figuras de primeiro plano arriscam na linguagem a níveis inimagináveis em Portugal e descem a um vocabulário que este país que só acha credíveis políticos que falem como doutores destruiria nos media.
Por cá, para pedir que votem no nosso candidato, apresentamos-lhe o currículo, as boas ligações, etc. Uma vez por outra lá se diz que é necessário separar o trigo do joio, distinguir a boa da má moeda, ou algo assim. Mas, para os protagonistas do primeiro plano (excepto Paulo Portas em dia em que perca o controlo) não passa disso. Coisas bíblicas ou da teoria económica, são o máximo defigura de estilo a que chegamos sem que os comentadorres zurzam nos políticos.
Mas no Brasil a campanha dói mais. E gostei de ler no blogue de Richard Widmark que Lula, ele mesmo e não qualquer político de terceira linha, explica assim em campanha em Belo Horizonte como devem os eleitores procurar decidir o seu voto:

 “Daqui a pouco, a gente não tem noção, colocam 10 cobras na nossa frente, e a gente não sabe qual é a venenosa e qual não é venenosa”.

Lula anda pelo Brasil, a explicar que cobra evitar, a ver se o eleitor morde o isco que lhe lança. E eu, que o acho um grande Presidente da República, sorrio a imaginar Cavaco ou Alegre a tentarem dizer coisas destas por aí.

9.9.10

Agora Salazar era um democrata(-cristão) convicto. A patetice vende jornais?

Quem acredita que Salazar era "um democrata cristão convicto" teria pelo menos que acrescentar que era não praticante.
Já há muita investigação séria sobre a relação de Salazar com os movimentos católicos, com os fascistas, com os democratas. Por outro lado, os democratas-cristãos convictos tiveram um papel na reconstrução da democracia na Europa que não merece ser confundida com a ditadura que, por exemplo, falsificou os resultados de Humberto Delgado.
Na fase final do regime, os democratas cristãos convictos e praticantes da sua convicção tiveram aliás uma força intelectual, ainda que sem expressão orgânica, importante no desmoronar do regime. Há sobre tudo isto investigação demais para que uma frase pateta, mesmo que não seja fiel ao espírito do seu autor, faça primeira página de um jornal que não seja o Correio da Manhã, o Diabo ou o Sol que, em matéria de democracia, pertencem a outro campeonato.
Para dizer que Salazar não foi o líder fascista típico não é preciso atirar tanto ao lado.
Já agora e à margem, a redução da PIDE a uma política secreta que combateu uma organização clandestina, o PCP também é caricatural. Mais uma vez, a investigação conhecida já foi muito mais fundo que isto e cinco minutos de atenção ao que foi feito aos opositores não comunistas chegariam para perceber o disparate.
A questão que me preocupa, no entanto, é outra. Sabendo que as primeiras páginas são feitas a pensar que vendem os jornais e que o I procura desesperadamente ser vendido, quer isto dizer que chamar democrata a Salazar vende em Portugal em 2010?
Num ponto, o entrevistado toca numa questão profunda do Portugal de antes e depois de Salazar que pode ter a ver com esta primeira página: o povo, muito dele, quer a sua vidinha e que não o importunem. Esse lado da "democracia cristã" de Salazar sobreviveu-lhe e é bem verdade que há gente que vive feliz em democracia mas não viveria excessivamente desconfortável no regime do "democrata cristão convicto" da notícia.
Talvez ande por aí a alimentar as vendas de jornais gente aberta a "democratas cristãos convictos" da estirpe daquele, mas moldados para o século XXI. Felizmente, não se vislumbram, mas a história produz monstros a uma velocidade que nem sempre se antecipa.

Fidel voltou a dar entrevistas a torto e a direito

Ana Margaria Craveiro acha surpreendente que, na mais recente entrevista de Fidel Castro, este tenha zurzido o antisemitismo de Ahmadinejad. Mas verdadeiramente surpreendente é ele voltar a dar entrevistas a torto e a direito.
Algo se passa em Cuba e não é por Fidel dizer o óbvio sobre o Holocausto ou "arrepender-se" agora das perseguições aos homossexuais que há qualquer coisa de novo. A metamorfose é uma velha capacidade do homem que talvez nunca tenha sido comunista e até queira hoje dizer que achou desagradável ter sido ditador. Mas o seu regime foi ambas as coisas, comunista e ditadura.
Yoani Sanchez já se tinha apercebido disto no início de Agosto. O activismo recente de Fidel é perigoso. Dizia ela: Fidel watchers now see him as unpredictable, and many fear that the worst may happen if it occurs to him to rail against the reformers in front of the television cameras.
Sanchez conclui que Fidel não regressará nunca. Oxalá tenha razão, mas quando os velhos ditadores não se conseguem calar e não conseguem passar o poder, lançam frequentemente confusão.
Não sei o que se passará com Fidel, mas pode bem ser que ainda seja tentado a voltar a ser protagonista da história de Cuba. Nesse caso, como na velha frase de Marx, a sua participação ocorreria uma primeira vez como tragédia e uma segunda como farsa. Para mal dos cubanos.

8.9.10

De passagem pelo banco, o Luis Costa recomenda

Acabei de ler o livro da Leonor Figueiredo SITA VALLES Revolucionária, Comunista até à Morte (1951-1977). Devorei-o num ápice e, reconheço-o, mexeu muito comigo.
Conheci a Sita aí por 72/73 era eu dirigente (eleito Vice-presidente da Direcção, mas impedido, como todos os membros da lista, de tomar posse pelo Ministério de Veiga Simão) da única associação de estudantes de Lisboa (ISCSPU) "controlada" à data pela UEC/PCP na academia de Lisboa, como de resto se evidencia no livro, quando a Sita emerge no movimento associativo de Medicina e, depois, em todo o movimento estudantil de Lisboa. Eu era delegado à RIA e tinhamos contactos espúrios.
Para cuidar da vidinha e pagar a renda de casa, eu tinha um biscate no Ministério do Ultramar, arranjado pelo meu conterrâneo Luis Magueijo, que era lá contínuo, que começou por ser a contagem manual das fichas do recenseamento da Guiné e depois foi evoluindo para organizar uma biblioteca especializada em publicações da FAO e para apoiar a equipa que produzia regularmente um boletim de conjuntura, de circulação reservada, com a informação real sobre a economia das "províncias ultramarinas". Obviamente que, pelos canais adequados, chegava sempre uma cópia aos meus contactos estudantis ligados aos movimentos de libertação.
Um belo dia, aí por Setembro de 73, por altura das "eleições", a Sita foi ter comigo ao Ministério do Ultramar. Chega ao edifício do Restelo, onde hoje funciona o Ministério da Defesa, anuncia-se na recepção, toma o elevador até ao 4º andar, avança pelo longo corredor até ao gabinete que partilhava com dois colegas funcionários, na Direcção-Geral de Economia. Exuberante como sempre, saia curta como normalmente, sobressaia na lapela do casaco o emblema da CDE, aquele a que chamavamos na gíria o "pé de galinha". Obviamente que fiquei à rasca e transmiti-lhe subtilmente o incómodo. Mas pronto, eu também não era dos mais prudentes na pureza (ingenuidade?) dos 20 anos e ali à volta a minha conotação com o "contra" já era sobremaneira conhecida.
Esta Sita timorata que eu conheci está impecavel/implacavelmente retratada no livro.
Depois do 25 de Abril perdi-lhe praticamente o rasto. Ela era da UEC e a minha ligação era com o Partido. Embora continuasse a estudar e pertencesse aos orgãos sociais da associação de estudantes, a minha ligação partidária era em Algés onde morava e sobretudo enquanto membro do organismo de direcção da função pública. Soube mais tarde que tinha rumado a Angola. Depois vieram as notícias do esmagamento da "Revolta Activa" e do seu bárbaro assassínato. Ainda me recordo das discussões feitas em reunião de célula quando questionávamos o Partido sobre o que se tinha passado, bem como a pouco inteligível posição do "grande colectivo" sobre os acontecimentos.
O livro abre pistas, ajuda a enquadrar os factos, permite compreender o posicionamento dos actores, regista silêncios, mas obviamente que muito há ainda por esclarecer, até porque o exercício do direito do contraditório revela-se impossível, porque os "revoltosos" foram todos aniquilados.
Em síntese: leitura recomendada.
Boas leituras.
Luis Costa

Greve na PSP: o Governo, o direito e o bom senso.

Um dos sindicatos da PSP decidiu entregar pré-aviso de greve para, nem mais nem menos que os dias da Cimeira da NATO e da Cimeira EUA-Europa. A TSF noticia que o Governo entende que os polícias nem sequer têm direito à greve e informa que até Garcia Pereira, que não é propriamente um juslaboralista favorável a restricções a direito tão fundamental dos trabalhadores recorda que o conceito de serviços mínimos numa greve de polícias significa que todas as actividades que se prendam com a salvaguarda de Direitos Fundamentais dos cidadãos e do assegurar das funções da ordem pública não poderão deixar de ser prestadas.
Por tudo isto, o SINAPOL deu um tiro no pé que prejudica mais a sua reivindicação de direito à greve do que mil discursos securitários dos adversários a que tal direito exista na polícia. Se uma direcção de um sindicato de polícias não percebe que os dias de uma cimeira que reunirá dezenas de chefes de Estado e de uma aliança militar implicam redobradissimos esforços para a garantia das funções de ordem pública, então revela que não está à altura de reivindicar o próprio direito à greve.
Não é preciso ser polícia para perceber que tais acontecimentos pressupõem operações especiais e mobilização vultuosa de recursos para garantir a segurança pública, nem é preciso ser membro do governo para perceber que em dia de risco de manifestações e contra-manifestações, de atentados à segurança de chefes de Estado e coisas assim não se pode deixar que uma greve de polícias seja factor de perturbação da ordem pública.
O bom senso mandaria que este sindicato testasse a sua ideia de direito à greve noutra altura. Caso contrário, terá que se aplicar com mão férrea ou a proibição do direito à greve ou uma lista muitissimo máxima de serviços mínimos.
O SINAPOL não é nem pode deixar-se confundir com um movimento alterglobalista que tenta boicotar acontecimentos que as autoridades legítimas dos seus países decidem convocar, mesmo que algum dos seus dirigentes possa ter simpatia ou antipatia por este ou aquele acontecimento ou iniciativa.
Sou um defensor de que todas as restrições aos direitos sindicais e em particular ao direito à greve  têm que ser muitissimo bem justificadas, mas este caso parece-me tão óbvio como o de um cirurgião que queira declarar-se em greve na hora de fazer uma intervenção cirúrgica ultra-urgente cuja não realização implique a morte do paciente.
Se dirigentes sindicais com tanta falta de bom-senso conseguirem mobilizar a classe, o sindicalismo não irá longe. Por isso, vale também a pena ouvir o que dizem de semelhante disparate os outros sindicatos de polícias e esperar que os associados do sindicato tenham o bom-senso que faltou a quem entregou este pré-aviso.

7.9.10

Cabo Verde assume responsabilidade plena pelo apoio alimentar nas escolas.

O Programa Alimentar Mundial chamou-lhe uma história de sucesso. Cabo Verde deu mais um passo na sua luta pelo desenvolvimento social. É desde hoje o primeiro país da África Ocidental a assumir plena responsabilidade pelo programa de apoio alimentar nas escolas, após três décadas de dependência do Programa Alimentar Mundial.
Convém recordar a quem pense que este é um sucesso menor, que o combate à malnutrição infantil é um dos grandes problems dos países menos desenvolvidos e que esta é um dos grandes obstáculos ao seu desenvolvimento humano de longo prazo.
É mais um passo, mas tendo estado recentemente em Timor Leste, pensei muitas vezes em Cabo Verde. Se Timor souber seguir por uma via com o mesmo sucesso e não se deixar embebedar pelo petróleo pode ainda ser o caso de sucesso da sua região.

6.9.10

O que é bom para a economia americana é mau para nós? Pergunta muito bem a Carta a Garcia. A resposta da Senhora Merkel é clara como àgua: é. E nós não temos alternativa a beber do seu remédio. Mas, das duas uma, ou a economia europeia não precisa de estímulos, está pujante e a gerar emprego a bom ritmo, ou o que é bom para a economia americana, em combate com a estagflação e o desemprego também devia ser bom para as economias europeias em risco de recessão.

Ouvindo João Gilberto & Caetano Veloso em meditação (Buenos Aires, 2000)

5.9.10

ETA. será cedo para bater palmas, mas Zapatero está de parabéns.

O anúncio de um cessar-fogo unilateral por parte da ETA pode ser só o resultado de um momento de confusão, em que a organização precisa de dar a si mesma uma pausa técnica, depois do rude golpe que tem que ter representado a vaga de dezenas de prisões dos seus membros.
Manda a prudência que, em casos destes, se aguarde algum tempo antes de dar o anúncio por bom. Ele tanto pode a qualquer momento ser interrompido com o regresso à violência anterior, como pode qualquer crise na necessariamente fragilizada liderança da organização conduzir a nova estratégia quiçá ainda mais destrutiva que a anterior.
Mas essa prudência não pode e não deve impedir-nos de ver que a ETA foi forçada a perceber a dimensão do seu erro quando regressou à violência depois da oferta de Zapatero nem deve impedir-nos de aplaudir a estratégia do Governo espanhol que conseguiu uma série de sucessos no plano policial que não pode ser estranha a esta decisão.
Oxalá a ETA tenha agora a estabilidade que permita ao que resta da organização perceber que as suas convicções têm que ser defendidas no quadro da democracia europeia do século XXI. Se assim não for e uma nova vaga de jovens cegos pelo sectarismo voltar à estratégia assassina (e suicida para a sua causa) para a organização, terá sido cedo para batermos palmas. Mas que este cessar-fogo é uma boa notícia, lá isso é e que o governo Zapatero merece parabéns por ter forçado a organização a ele, parece-me óbvio.

2.9.10

Prescreveram dívidas fiscais iguais a 5 vezes os cortes "indispensáveis" nas prestações de apoio ao mais pobres?

Na resposta à crise, temos sido inundados com anúncios de redobrado rigor na gestão das prestações sociais, que a par com os cortes dos montantes, vai permitir ao Estado poupar umas centenas de milhões de Euros. 
Esta é mesmo a bandeira do rigor orçamental no ano de 2010. O risco de fraude dos pobres e o perigo de descontrolo na gestão das despesas com protecção social (e com saúde, e com educação, já agora) tem sido zurzido na praça pública, perante um silêncio estranhamente embaraçado, quando não um aplauso discreto, de vários membros do governo, que julgam encontrar aí uma chave importante para a contenção do défice. Relativizar o peso da fraude dos pobres passou a ser politicamente incorrecto e sinal de apoio a um inaceitável laxismo público, conhecido pelo nome de despesismo.
Mas, no mínimo, é tão mal gasto o dinheiro que o Estado deixa de receber por inércia perante os contribuintes faltosos quanto o que quer deixar de pagar a recebedores que manipulem o sistema de prestações sociais. Diria mesmo que, no plano moral, é mais aceitável um erro de mesma dimensão numa prestação a pobres que numa cobrança de dívida a abastados, mas ao dizê-lo afasto-me excessivamente da retórica do Dr. Portas para o palato actual do debate político entre governo e oposições. Contudo, os mil milhões de dívida fiscal prescrita que a IGF terá encontrado em Lisboa e Porto e o Público noticia hoje correspondem a cinco vezes o corte que o governo achou necessário fazer nas transferências sociais para os mais pobres como medida de combate ao défice excessivo.
Repito a pergunta: queremos uma sociedade de transparência e rigor para ambos os extremos da pirâmide social? Até agora, não se tem ido por aí e a severidade para com os mais pobres não aprece ter equivalente noutras paragens.
Será pedir muito a um país que tem recursos para ocupar técnicos de emprego a fazer de polícia em entrevistas de emprego, que tem recursos para chamar dois milhões de pessoas a provar os seus rendimentos para corrigir eventualmente as suas prestações numas dezenas de euros e que tem desempregados a ter que apresentar periodicamente carimbos comprovando que foram a essas entrevistas, que consiga organizar-se para ter recursos para que dívidas fiscais de mil milhões de euros não prescrevam?
De repente veio-me à memória um tópico da sociologia do direito, o da selectividade da actuação do Estado no enforcement das suas próprias prescrições normativas.

Que se passa em Maputo?

Do que li até agora na blogosfera, pareceu-me interessante reter três interpretações em confronto: As manifestações são o reverso do projecto de transformar a FRELIMO em partido-sociedade, como defende José Flávio Teixeira ?   O resultado de uma visão tradicional e africana do poder, como sustenta Paulo Granjo ?  A consequência das desigualdades profundas da sociedade moçambicana, que Vitor Ângelo identifica?
Á distância, consigo imaginar a tese do Flávio a materializar-se. Sempre que uma sociedade não encontra forma de institucionalizar formas de conflito e divergência, o protesto também não tem formas alternativas às inorgânicas de se expressar. Depois, é esperar que surjam os rastilhos e que sejam cometidos erros por quem tenta gerir os episódios de conflito.
Mas espero, com alguma atenção, pelo desenvolvimento das explicações para o que se passa, por parte de quem, ao contrário de mim, conhece Moçambique.