Desde a noite das eleições europeias, o PS entrou finalmente em ebulição. Infelizmente, por enquanto, para dar aos portugueses todos os sinais de que a desconfiança com que olham para a sua actual direcção é justificada.
Na noite de domingo, Assis e Seguro tentaram a chico-espertice táctica de se auto-proclamarem grandes vencedores de uma contenda em que não o foram. Mas esta questão já está suficientemente analisada. Adiante.
António Costa, de seguida, teve o sobressalto cívico e a energia anímica que lhe faltaram na noite do abraço de há um ano, simplesmente proclamando como a criança da fábula que o rei vai nu. Evidentemente, ao fazê-lo, tal como a dita criança criou um problema ao rei, à corte e mesmo aos súbditos que aplaudiam e foram subitamente confrontados com essa denúncia de nudez.
A reacção de Seguro foi a pior possível. Revelou a público os traços autoritários que tinha meticulosamente protegido nestes anos, exteriorizou a raiva acumulada contra o seu adversário de décadas, expôs como nunca antes tinha feito a sua relação com as questões de regime. Numa semana, a grande vitória do PS passou a ser a expressão da grande crise do sistema político e, qual Manuel Monteiro dos velhos tempos, promete sangue contra "os políticos" ao povo. De uma só medida, nada menos que a maior redução de deputados desde 1975, uma reforma do sistema eleitoral, uma nova lei de incompatibilidades e, para o PS, um sistema de eleições primárias abertas. Todos sabemos o que Seguro pensava ainda há pouco tempo d as primárias abertas e todas as outras medidas foram já discutidas vezes sem conta dentro e fora do PS sem que houvesse a vocalização de tão profundo descontentamento e necessidade de tão radical mudança. Porquê agora?
Porque há lideranças políticas para quem princípios são a expressão conjuntural das prioridades tácticas. Seguro tem hoje três objectivos tácticos - dificultar ao limite a possibilidade de ser formalmente deposto do seu lugar de Secretário-geral, prolongar ao máximo o tempo que medeia entre o choque eleitoral da auto-proclamada vitória que demonstrou a nudez da sua liderança e a disputa da liderança do PS e colocar entre hoje e o seu confronto com António Costa momentos para recuperar o controlo ameaçado das estruturas intermédias do partido em que assenta o seu poder. É ao serviço desses objectivos que se entende a sua actuação na aberta crise do PS.
As suas propostas sobre o sistema político são uma mera manobra de diversão para tentar dar uma aparência séria à sua conversão súbita - para ganhar tempo - a umas eleições primárias que exigem um recenseamento, que carecem de um estudo de "direito comparado" que na solidez das suas convicções nunca tinha pensado em pedir e que fez questão de impor que se disputassem a quatro meses de distância, a ver se a irritação com a sua falta de capacidade de liderança democrática arrefece. Vamos a ver se nos próximos dias não surgirá a cereja em cima do bolo desta táctica com a convocação de congressos distritais para antes - repito, antes - das eleições primárias, na expectativa de colar alguns cacos partidos em certas distritais a tempo.
António Costa tem resistido estoicamente a todas as armadilhas de abertura de pretensos debates sobre a natureza do sistema político, sobre a legitimidade das manobras estatutárias, sobre o formalismo intermitente com as conveniências sobre as regras desta disputa. Mas arrefeceu o ímpeto com que apresenta novas ideias ao país, embora esteja mais que a tempo para ir concretizando as linhas estratégicas que o diferenciam de Seguro para além de todas as diferenças de estilo, de personalidade e de concepção da vida política que todos sabemos que o distinguem.
Com o PS afundado pelas manobras da sua direcção num crise que será prolongada em vez de rápida, como deveria ser; com as fragilidades políticas do seu líder, exposta pelas suas performances televisivas em período de maior exposição; coma mediocridade dos principais dirigentes actuais visibilizada pela sua súbita aparição e em algum casos pelas suas patéticas declarações e ameaças, o PS desce nas sondagens.
Os portugueses descobrem que o rei vai nu e este, em vez de olhar as suas vestes, indigna-se com quem diz em voz alta que o vai e o risco que é para o PS, o país e a democracia não o apear. Uma volta esta manhã pelas páginas de Facebook dos dirigentes do PS não deixará margem para dúvidas. António José Seguro e a sua corte não percebem o que estão a fazer à credibilidade do PS e acreditam na teoria do inimigo interno. Felizmente não têm os instrumentos que outros cultivadore dessa teoria tinha. E também felizmente mesmo com quatro meses arrastando este circo pelos média, o povo socialista vai acabar com esta tragédia antes que se torne farsa.
A alternativa da esquerda democrática para Portugal segue dentro de momentos. pedimos desculpa por esta interrupção.