A própria identidade de Gabriel esvanecia-se num mundo cinzento e palpável: o mundo sólido em que aqueles mortos outrora tinham vivido começava a dissolver-se e a desaparecer.
(James Joyce, OS MORTOS/Dublinenses)
A minha avó Leonor, mãe do meu pai, morreu em Junho de 1985, há quase 30 anos, a cinco dias de completar oitenta e cinco anos. Tinha nascido em 23 de Junho do ano 1900. O meu avô, António, morreu em Dezembro de 1984 e ela, na prática, desistiu de viver, depois de 62 anos juntos, indo ter com ele de novo, exactamente seis meses depois.
Quando eu era miúdo de escola primária, moravam no fundo do povo, no outro extremo da aldeia, vindo morar para perto de nós, no cimo do povo, para a casa que os meus pais lhes construíram. Viviam no piso de cima e em baixo era a adega, o alambique e a criação do vivo, como sói dizer-se por lá no que respeita a porcos, galinhas, coelhos e afins. E tinham sempre um(a) burro(a) para auxiliar em transportes, regas e lavragens. Esta mudança ocorreu há para aí 50 anos. Tenho uma vaga memória de quando moravam no fundo do povo e era uma festa quando ia para casa deles, a mais de um quilómetro de distância. Naquele tempo era quase o fim do mundo...
Há dias, agora em Julho, a minha avó recebeu uma notificação das finanças por causa do pagamento do IMI de 2011 e 2012 da casa de que se desfizeram há para aí meio século e nunca entrou em sucessivas habilitações de herdeiros, desde que o meu avô morreu.
Lá tivemos de ir às finanças limpar a honra da nossa avó...
Avó: onde quer que esteja fique sossegada, os seus netos já resolveram o assunto. Não vai precisar de voltar cá como aquela malta que tinha quotas em atraso...
(Uma crónica de LMC)