1.7.20

No Canhoto, em blogue e em podcast

Não me sento por aqui há anos, mas continuo a ter amigos que por cá passam. Obrigado por isso. Caso tenham interesse, quandopassarem por aqui ficam a saber que o Rui Pena Pires e eu decidimos voltar ao Canhoto. Para as visitas menos antigas digo que esse foi o blogue que ele fundou em maio de 2005 e a que desde o início associou o António Dornelas e eu próprio. 
O António não poderá infelizmente escrever connosco neste regresso, mas as muitas coisas que unem a nossa vontade de pensar e dizer o que pensamos continuam a ter esse elo comum.
Encontramo-nos lá?

30.9.14

Um dia, o banco corrido saiu do seu canto

O banco corrido que deu o nome a este blogue estava ao canto da mercearia de um bairro popular de Aveiro que um dia começou por ele a sua transição para a modernidade. Mais clientes, menos tempo, mais espaço, o primeiro balcão frigorifico, a primeira máquina de fatiar fiambre e enchidos, o fim das bacias com postas de bacalhau de molho, o açucar, o arroz e o feijão embalados, mudaram o comprar e o vender.
Cada um passou a ter TV e telefonia. Antes de almoço as donas-de-casa deixaram de vir por causa do Simplesmente Maria.
Discutia-se o presente e o futuro por todo o lado, abertamente. Deixou de ser preciso usar o recato do banco com os olhos do balcão para a rua, um na oposicrática e outro na porta do bufo ousimplesmente do intruso desconhecido.
Para beber um copo ou uma cerveja, os trabalhadores do fim-de-tarde mudaram-se para o Snack-bar dos retornados.
O centro da loja passou para a montra dos iogurtes e dos outros produtos de nova geração. 
O Banco, que passara a ser um impecilho, saiu de cena. Ainda foi substituído por uns banquinhos pequeninos, de formica, para os que chegavam cansados. Mas passara a ser tempo de outras conversas.

Assim como a mercearia se refez para os
primeiros dias dos novos dias, não é
Impossível que o espaço que existiu neste Banco possa reaparecer noutro lugar.

Darei notícias quando as houver.

20.9.14

Salário mínimo, hipocrisias máximas - editorial do Luís Costa


(Em memória do meu amigo António Dornelas, estudioso atento das retribuições mínimas)


O que se está a passar com o aumento do salário mínimo nacional é uma cena de fancaria indigna e imprópria, que merece denúncia e repúdio. Estão em causa os agora e depois parcos rendimentos de centenas de milhar de pessoas situadas no fim da escala do salariato, um escalão acima do trabalho negro e dos falsos recibos verdes.

Em primeira linha está em causa a superação da barreira mítica dos 500€/mês, prevista para 2011, nos termos do acordo alcançado na concertação social em 5 de Dezembro de 2006, mas que nunca viria a ser realmente assinado pelos representantes dos parceiros sociais, como se pode verificar na versão disponível na página do CES/CPCS, que não tem estampadas as assinaturas dos subscritores do ACORDO SOBRE A FIXAÇÃO E EVOLUÇÃO DA RMMG (Remuneração Mínima Mensal Garantida). Ao contrário de outros acordos não houve vinho do Porto, champanhe, nem sequer água das pedras para suavizar potenciais azias. 

Três números mágicos sustentavam este acordo: 1. A RMMG seria fixada em 403 euros em 2007; 2. Deverá atingir 450 euros em 2009 e 3. assumindo-se como objectivo de médio prazo o valor de 500 euros em 2011.

Acompanhei o processo por fora, mas conheço relativamente bem a história por dentro. Um belo dia, o meu camarada e amigo, Manuel Carvalho da Silva, entregou-me um papelinho, daqueles com que vai tomando notas para suportar posições públicas, com aqueles três números mágicos: transmite aos teus amigos socialistas que nós [CGTP] subscrevemos o Acordo sobre o salário mínimo se forem estes os valores, disse-me. Levei a carta a Garcia e eis que naquele dia 5 de Dezembro de 2006, estando presentes o Primeiro Ministro, José Sócrates, e os Presidentes ou Secretários Gerais das seis confederações patronais e sindicais, conforme reza a acta da referida reunião, todos "subscreveram" o referido Acordo.

Enquanto o PM, pré-versão animal feroz, considerava o Acordo histórico e inédito e o  SG da CGTP o definia como um indicador ao país, Francisco Lopes, então em fase ascendente e depois candidato do Partido nas últimas presidenciais, considerava que o valor para 2007 era insuficiente, mas, vá lá, um sinal muito forte do crescimento do SMN.

Os dois primeiros patamares foram atingidos em devido tempo, com maior ou menor grau de consenso, mas em 2010, na emergência dos quinhentos e com a crise a bater à porta, a situação complicou-se. O Decreto-lei nº 143/2010, publicado no último dia do ano, fixava a RMMG em 485 euros para 2011, mantendo acesa a chama de posteriormente, ao longo do ano, com duas fases de avaliação pelo meio, atingir a conta redonda. Até hoje!

Nos mais de nove meses já vencidos de 2014 o assunto é presença permanente, mas o parto revela-se difícil. Na maioria que assume a governação emergem os bonzinhos e os mauzões lavando as mãos à espera que os parceiros sociais se entendam e a coisa lá se vai arrastando. Quanto ao maior partido da oposição as posições, naturalmente, opõem-se. Seguro assobia para o lado ou, numa versão benévola, recupera a velha tradição trabalhista do partido correia de transmissão sindical, neste caso das posições da UGT. Mas, sobre o tema, não anda melhor, o candidato a candidato que espero seja capaz de fidelizar o meu voto nas próximas legislativas. Evasivo noutra temáticas relevantes, é, nesta matéria, muito preciso, em estilo quadratura do círculo: montante próximo da CGTP, produção de efeitos próximo da dominante patronal (Janeiro de 2015).

Lá fora, nas cidades e nos campos, 400 000 trabalhadores esperam um sinal de reforço do magro rendimento que continuará sempre a ser escasso seja qual for o valor a estabelecer. É preciso dinamitar a barreira dos 500, esse muro construído com cimentos provenientes de várias gentes e lugares, em nome de princípios maximalistas ou minimalistas convergentemente contribuintes para o arrastamento da situação.

O mais razoável bom senso recomenda que no próximo dia 1 de Outubro deveria haver um novo salário mínimo que traga um pouco mais de calor (sempre ténue) ao inverno do descontentamento dos homens e das mulheres que auferem a pomposamente designada remuneração mínima mensal garantida.

Recuperando uma expressão popularizada com a construção da barragem do Alqueva: Decidam-se, porra!

Continuar a encanar a perna à rã, apenas confirma a sina do (nosso) fado: tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado...

17.9.14

Confissão

Continuaria a ser amigo de Maria de Lurdes Rodrigues mesmo que ela repudiasse essa amizade.
Continuaria a ser irmão de João Pedroso mesmo que um teste de ADN demonstrasse que tal era biologicamente impossível.
Continuaria a ter orgulho em ter sido orientado em doutoramento pelo meu antigo professor Rui Pena Pires mesmo que ele destruísse o meu trabalho e renegasse as conclusões a que tivesse chegado e continuaria a escrever no Canhoto se ele, o seu fundador, não tivesse decidido parar de o fazer.
Nunca pedi a ninguém para favorecer ninguém. Tenho a certeza que Maria de Lurdes Rodrigues nunca favoreceria ninguém a pedido de ninguém. Tenho a certeza que João Pedroso nunca aceitaria ser favorecido por ninguém. Tenho a certeza que Rui Pena Pires nunca misturaria vida privada e responsabilidades públicas.
Cada um tem a experiência de vida que tem. A minha é esta.

16.9.14

Desabafo sobre a actualidade nacional: o nosso novo populismo

O velho populismo gerava líderes que procuravam representar "o povo", que mobilizavam, carismaticamente, em acontecimentos de massas. Era apanágio de políticos, militares e pregadores.
O novo populismo é muito mais difuso, vive em todo os que têm que assumir um papel institucional e se afastam da regra abstrata, da incorporação da responsabilidade própria do seu estatuto na definição da sua conduta, na fundamentação dos seus princípios, na formulação das suas decisões, para obedecerem ao que imaginam ser a vontade da "pessoa comum", que habita no consumidor dos mass media e nos resultados das sondagens.
O novo populista não procura seguidores, ambiciona seguir as maiorias silenciosas.
O novo populista não precisa de conhecer a complexidade da vida social, de ponderar os equilíbrios institucionais, de teorizar sobre a democracia ou a separação de poderes, de problematizar a sua ignorância ou perseverar na busca do conhecimento, basta-lhe a convicção de estar a seguir o juízo que o cidadão comum fará em 30 segundos de televisão ou 200 caracteres de jornal. E assim reforça esse julgamento popular ignorante e permanente.
O novo populista não argumenta, não se perde em raciocínios complexos ou ponderações elaboradas. Sabe que a pessoa comum quer sempre decisões simples e, em tempo de crise, sangue e quer ser vencedor não vítima desse mecanismo.

Infelizmente não são apenas António José Seguro, Passos Coelho e Paulo Portas que tentam protagonizar em Portugal o novo populismo. Nem sequer são só os políticos de velhos e novos partidos. Ele sente-se em Portugal no conjunto das instituições, nas políticas  como naquelas que têm legitimidade democrática que não resulta da eleição. E como o populismo corrói a democracia, mais tarde ou mais cedo vamos acabar por perceber para onde estamos a deixar ir o país.

Como sou otimista, quero acreditar que a minha geração, a dos filhos da madrugada libertadora, que vejo profundamente corroída pelo obscurantismo do novo populismo, aliás por oposição a grande parte dos protagonistas da geração anterior, dará a médio prazo lugar a uma geração mais democrática, mais cosmopolita, que lhe seja mais imune. É o meu otimismo antropológico de esquerda a comandar os meus sentimentos.

4.9.14

A semiologia, o mosquito e a mini-saia do populista

Quando era estudante de sociologia, há umas décadas, também tive o meu fascínio pela semiologia.
Agora, que acabo de ser mordido por um mosquito numa esplanada de Ankara, relembro-me de um texto de Umberto Eco, velhinho, inserido numa antologia editada em português sob o título Psicologia do Vestir em que ele metaforizava a mini-saia. Dizia ele então, por palavras diferentes, que uma menina de mini-saia em Milão estava à moda, em Nápoles na vida e em certos bares de Hamburgo nem sequer seria menina.
O mosquito que me morde emAnkara também não me preocupa enquanto o que me morde em Dili me atemoriza e o que me morde em Luanda me aterroriza.
É que, ao contrário do que a semiologia propunha, o mosquito como símbolo da malária tem uma objectividade externa e não apenas intersubjectiva. Quer a mini-saia de Eco quer o meu mosquito são mesmo diferentes na substancia em locais distintos. E o de Luanda tem mesmo probabilidade objectiva de estar infectado superior ao de Dili e este ao de Ankara. Ou seja, os símbolos têm a sua materialidade. E, se os mosquitos não escolhem o que simbolizam porque sao determinados por algo que lhes é externo, os  seres humanos  escolhem os símbolos que adoptam, ainda que estejam condicionados nessa escolha. E, sobretudo, escolhem os símbolos que recusam adoptar. 

Quem será de facto, por exemplo, o ser humano que escolhe o populismo como mini-saia para morder os eleitores?

Vida de consultor

Embedded image permalink

26.8.14

Os vivos e os mortos

A própria identidade de Gabriel esvanecia-se num mundo cinzento e palpável: o mundo sólido em que aqueles mortos outrora tinham vivido começava a dissolver-se e a desaparecer.
(James Joyce, OS MORTOS/Dublinenses)

A minha avó Leonor, mãe do meu pai, morreu em Junho de 1985, há quase 30 anos, a cinco dias de completar oitenta e cinco anos. Tinha nascido em 23 de Junho do ano 1900. O meu avô, António, morreu em Dezembro de 1984 e ela, na prática, desistiu de viver, depois de 62 anos juntos, indo ter com ele de novo, exactamente seis meses depois.
Quando eu era miúdo de escola primária, moravam no fundo do povo, no outro extremo da aldeia, vindo morar para perto de nós, no cimo do povo, para a casa que os meus pais lhes construíram. Viviam no piso de cima e em baixo era a adega, o alambique e a criação do vivo, como sói dizer-se por lá no que respeita a porcos, galinhas, coelhos e afins. E tinham sempre um(a) burro(a) para auxiliar em transportes, regas e lavragens. Esta mudança ocorreu há para aí 50 anos. Tenho uma vaga memória de quando moravam no fundo do povo e era uma festa quando ia para casa deles, a mais de um quilómetro de distância. Naquele tempo era quase o fim do mundo...
Há dias, agora em Julho, a minha avó recebeu uma notificação das finanças por causa do pagamento do IMI de 2011 e 2012 da casa de que se desfizeram há para aí meio século e nunca entrou em sucessivas habilitações de herdeiros, desde que o meu avô morreu.
Lá tivemos de ir às finanças limpar a honra da nossa avó...
Avó: onde quer que esteja fique sossegada, os seus netos já resolveram o assunto. Não vai precisar de voltar cá como aquela malta que tinha quotas em atraso...
 
(Uma crónica de LMC)

8.7.14

Agora fabricamos alfaces - sobre restruturação empresarial à japonesa

A mudança tecnológica tornou não lucrativos certos segmentos da indústria electrónica. Claro que, no Japão, muitas fábricas foram afectadas. Em Portugal também. A Siemens de Vila do Conde, por exemplo, foi higienicamente autonomizada e renomeada para não prejudicar a reputação da marca, vendida e fechada.
Mas esta notícia do Wall Street Journal dá conta da especificidade dos grupos empresariais japoneses. Várias empresas reconverteram as suas unidades electrónicas para o agro-alimentar e utilizaram os conhecimentos tecnológicos, por exemplo, na produção de alfaces, em vez de lançarem os seus trabalhadores no desemprego. Pode ser uma mudança inesperada, mas faz parte de um comportamento-padrão no Japão, que não entre nós.