25.11.10
Faz hoje 35 anos, houve aqui alguém que (se) enganou
Para que não haja dúvidas sobre a escolha desta canção, penso que o sonho de que José Mário fala estava tão cheio de contradições e tensões intrínsecas que se desmoronaria mais cedo ou mais tarde e poderia ter sido de modo bem mais terrível. Assim como estou absolutamente convicto de que a democracia que se consolidou depois do 25 de Novembro foi, em geral, um regime bem melhor do que se poderia esperar dos outros desfechos possíveis do PREC.
Nada disso retira a esta canção a enorme energia romântica sem a qual a política é o pão sem sal dos mangas-de-aplaca transitoriamente inchados pela sensação de poder.
Nada disso retira mérito à interrogação sobre quem se enganou a respeito do que aconteceu faz hoje 25 anos: um golpe frustrado de sectores radicais e alheados da realidade? Uma traição dos sectores ligados ao PCP, apenas 14 dias depois da declaração de independência de Angola? Uma gigantesca e bem sucedida manobra de contra-informação?
Há episódios, importantes nos destinos de um país, em que a história demora a libertar-se da poeira da intoxicação e da actualidade. Mas acabará por lá chegar, se os historiadores mantiverem interesse o assunto. É sempre assim com a história, desde que o interesse se mantenha, vencerá as mentiras conjunturais.
No entanto, nada disso foi decisivo na convocação para aqui, hoje, de José Mário Branco. Simplesmente, a canção fez-me lembrar de modo agudo, num dia histórico, que vale muito mais o que dão ao mundo os homens sem sono que os homens sem sonho.
24.11.10
O inferno está é cheio de grandes teorias que nada mudaram
Atacar a moda da inovação social não é uma heresia, ao contrário do que escreve Alexandre Abreu. Todas as modas nascem, criam agendas, sofrem ataques e, muitas delas, passam. Importa-me mais o que deixam. E, do microcrédito à inovação social, passando pelo empowerment, tenho uma visão completamente diferente de Alexandre Abreu do que deixaram.
Nenhuma delas tornou o mundo pior do que era e se nenhuma delas provocou a revolução que alguns desejam, também não vejo onde integraram a ortodoxia neoliberal, que as olha da altura do poder com um misto de desdém e simpatia condescendente. Mas mudaram vidas. Poucas? Algumas. Mesmo assim, talvez milhões, um número que nunca me parece pequeno.
O equívoco está em pensar que as ideias "de moda" têm que ser as que as classes dominantes desejam. Ecoa o sentido de que as ideias dominantes são as das classes dominantes. Esse marxismo mecanicista, como diriam os próximos do próprio, leva a deitar muitas vezes o menino fora com a água do banho. Não podem os blocos sociais de transformação ganhar hegemonia, como já o defendia há quase um século o bom velho Gramsci? De qual destas modas pode um dia saír uma alternativa? Não sei. Mas sem tentar ninguém muda.
Dizer que ideias como empowerment e inovação social podem servir o actual modelo de acumulação e as "ideias neoliberais" é não dizer nada, com franqueza. Até a crítica do capitalismo por Marx e a do imperialismo por Lenine podem ter ajudado estes a reforçar-se, retroagindo criticamente sobre eles. E daí?
Mais, desprezar as experiências localizadas, tratadas como "funcionais" ao modelo actual é negar o poder das pra´ticas minoritárias e alternativas, localizadas e diferentes e, se o inferno está cheio de boas intenções, está ainda mais cheio de retóricas e grandes teorias que nunca conseguiram inspirar nenhuma acção transformadora.
Nenhuma delas tornou o mundo pior do que era e se nenhuma delas provocou a revolução que alguns desejam, também não vejo onde integraram a ortodoxia neoliberal, que as olha da altura do poder com um misto de desdém e simpatia condescendente. Mas mudaram vidas. Poucas? Algumas. Mesmo assim, talvez milhões, um número que nunca me parece pequeno.
O equívoco está em pensar que as ideias "de moda" têm que ser as que as classes dominantes desejam. Ecoa o sentido de que as ideias dominantes são as das classes dominantes. Esse marxismo mecanicista, como diriam os próximos do próprio, leva a deitar muitas vezes o menino fora com a água do banho. Não podem os blocos sociais de transformação ganhar hegemonia, como já o defendia há quase um século o bom velho Gramsci? De qual destas modas pode um dia saír uma alternativa? Não sei. Mas sem tentar ninguém muda.
Dizer que ideias como empowerment e inovação social podem servir o actual modelo de acumulação e as "ideias neoliberais" é não dizer nada, com franqueza. Até a crítica do capitalismo por Marx e a do imperialismo por Lenine podem ter ajudado estes a reforçar-se, retroagindo criticamente sobre eles. E daí?
Mais, desprezar as experiências localizadas, tratadas como "funcionais" ao modelo actual é negar o poder das pra´ticas minoritárias e alternativas, localizadas e diferentes e, se o inferno está cheio de boas intenções, está ainda mais cheio de retóricas e grandes teorias que nunca conseguiram inspirar nenhuma acção transformadora.
23.11.10
No dia da cimeira da NATO quantos conceitos estratégicos mudaram?
O Rui Herbon pergunta-se, com grande capacidade prospectiva, se a Rússia aceitará um papel periférico no sistema que estamos a construír. O que levanta a questão de saber para onde está a caminhar o centro e onde estará ele em 2050? No Oceano Índico, quem sabe?
Mas o que me parece mais importante salientar é que, ao que parece, em Lisboa não mudou um conceito estratégico, mudaram dois: o da NATO e o da Rússia. Mesmo se, a NATO e a Rússia têm já algum tempo, como bem recordou Alexandre Guerra, um relacionamento menos frio do que parece. Contudo, a Rússia quis vir a esta Cimeira dar muitos sinais e Obama quis aproveitá-los para consumo mundial e doméstico. Se somos parceiros cada vez mais próximos e pensamos em defender-nos em conjunto, que ameaças comuns temos e/ou imaginamos? Diria que o fundamentalismo islâmico é um perigo sério, mas de curto prazo e nunca uniu tão estreitamente a NATO e a Rússia como agora ambas parecem desejar, pelo que me parece necessário procurar noutros lugares e noutros sistemas de pensamento a razão desta parceria reforçada.
Mas o que me parece mais importante salientar é que, ao que parece, em Lisboa não mudou um conceito estratégico, mudaram dois: o da NATO e o da Rússia. Mesmo se, a NATO e a Rússia têm já algum tempo, como bem recordou Alexandre Guerra, um relacionamento menos frio do que parece. Contudo, a Rússia quis vir a esta Cimeira dar muitos sinais e Obama quis aproveitá-los para consumo mundial e doméstico. Se somos parceiros cada vez mais próximos e pensamos em defender-nos em conjunto, que ameaças comuns temos e/ou imaginamos? Diria que o fundamentalismo islâmico é um perigo sério, mas de curto prazo e nunca uniu tão estreitamente a NATO e a Rússia como agora ambas parecem desejar, pelo que me parece necessário procurar noutros lugares e noutros sistemas de pensamento a razão desta parceria reforçada.
Parabéns ao burro, que o país nem sempre merece.
Cinco dentes e bastantes coices, alguns muitissimo bem dados,. Parabéns ao burro, que o país nem sempre merece.
19.11.10
11.11.10
Mais notícias da crise como "grande sincronização": a emigração baixou
Dois investigadores que citei em tempos, aqui, salientaram o factor sincronização na intensidade da crise mundial. Segudo eles, já várias regiões do mundo tiveram crises idênticas ou mais grvaes mas nunca tantos tiveram crises tão graves em simultâneo.
Hoje, o Rui Pena Pires salienta uma outra dimensão dos efeitos da grande sincronização: A emigração baixou mas não foi só aqui: quando as crises são globais as migrações baixam sempre. E se os destinos também estão em crise, escapa-se da daqui para ir para onde?
Há uma resposta que explica a outra descoberta do Rui, de que o fluxo para Angola escapa à regra e está a aumentar. É o efeito na emigração portuguesa do crescimento em mercados emergentes. Só que não temos grande tradição de emigrar ou investir nesses mercados emergentes. Mas também aí, Angola é uma excepção no comportamento dos portugueses. Algo mágico ou não abertamente contado nos atrai para esse país emergente, que chamar-lhe mercado é um uso metafórico da palavra.
Hoje, o Rui Pena Pires salienta uma outra dimensão dos efeitos da grande sincronização: A emigração baixou mas não foi só aqui: quando as crises são globais as migrações baixam sempre. E se os destinos também estão em crise, escapa-se da daqui para ir para onde?
Há uma resposta que explica a outra descoberta do Rui, de que o fluxo para Angola escapa à regra e está a aumentar. É o efeito na emigração portuguesa do crescimento em mercados emergentes. Só que não temos grande tradição de emigrar ou investir nesses mercados emergentes. Mas também aí, Angola é uma excepção no comportamento dos portugueses. Algo mágico ou não abertamente contado nos atrai para esse país emergente, que chamar-lhe mercado é um uso metafórico da palavra.
9.11.10
Um défice de que ninguém fala
Há muito tempo que penso que um dos maiores problemas do nosso país poderia chamar-se défice institucional, isto é que as pessoas que protagonizam as instituições encarnam insuficientemente o estatuto que adquirem enquanto as protagonizam e que a fragilidade que daí resulta as desfoca, diminui a sua eficiência e, no limite as paraliza, quando não as leva a pulsões auto-destrutivas.
A dignidade institucional é um pilar da democracia e não dos menos importantes.
Na actual conjuntura de crise, os diversos orgãos de soberania e os media parecem concorrer para dar razão à minha tese. Da greve de titulares de orgãos de soberania ao homicídio cívico recorrente de primeira página, do aprova mas desaprova o Orçamento de Estado ao Presidente-candidato que não quer que haja campanha, condição mínima de pluralismo eleitoral em eleições por sufrágio universal, os exemplos abundam.
Se os políticos fossem os únicos culpados do défice institucional, já havia um sindicato de deputados e uma associação sindical de membros do Governo e estariam a debater se aderem ou não à Greve Geral ou já teriam aderido.
O que eu não sei é se este défice institucional é o resultado do voo da borboleta ou de design inteligente, mas a ciência política há-de um dia dedicar-se a esse capítulo que me transcende
A dignidade institucional é um pilar da democracia e não dos menos importantes.
Na actual conjuntura de crise, os diversos orgãos de soberania e os media parecem concorrer para dar razão à minha tese. Da greve de titulares de orgãos de soberania ao homicídio cívico recorrente de primeira página, do aprova mas desaprova o Orçamento de Estado ao Presidente-candidato que não quer que haja campanha, condição mínima de pluralismo eleitoral em eleições por sufrágio universal, os exemplos abundam.
Se os políticos fossem os únicos culpados do défice institucional, já havia um sindicato de deputados e uma associação sindical de membros do Governo e estariam a debater se aderem ou não à Greve Geral ou já teriam aderido.
O que eu não sei é se este défice institucional é o resultado do voo da borboleta ou de design inteligente, mas a ciência política há-de um dia dedicar-se a esse capítulo que me transcende
6.11.10
As desvalorizações do dólar e do yuan podem ter significados opostos?
Os EUA prosseguem solitariamente uma política de estímulo à sua economia, que não pode agradar a quem apostou em saír da crise pela via oposta e que vai criar, provavelmente, dificuldades à Europa, ao implicar a desvalorização do dólar. Estão os EUA a fazer o mesmo que a China. Paul Krugman reponde: United States is moving to expand world demand, with a policy that may weaken the dollar; China is moving to reduce world demand, with a policy of deliberately weakening the yuan. America’s policy may annoy its trading partners, but they are not the target; China’s policy is predatory, pure and simple.
5.11.10
Se chove, todos acabam por molhar-se
Tudo aponta para que Portugal tenha em 2011 o ano mais difícil desde 1985 e os indicadores de clima económico e de confiança em Outubro demonstram que os agentes económicos e os cidadãos se aperceberam disso.
No ano que vem, a economia portuguesa vai sofrer sincronizadamente os efeitos de vários factores adversos.
Os especuladores descobriram um buraco na concepção do sistema financeiro europeu que nos sorve diariamente milhões de Euros.
Quem governa a Europa escolheu uma política orçamental imune a qualquer veleidade Keynesiana. Na leitura que o Governo do PS fez desse diktat, houve necessidade de cortes na rede básica de protecção social (subsídio social de desemprego, RSI, prestações familiares), de redução de custos com saúde, de congelamento de pensões, de suspensão de investimento público e, mesmo, de redução nominal dos salários na administração pública.
O sistema político português encontra-se triplamente bloqueado. Não pode haver eleições legislativas. Não há soluções maioritárias de Governo. O Presidente da República não tem influência sobre os grandes partidos.
Na melhor das hipóteses teremos um Orçamento de Estado viabilizado tacticamente, em contexto de campanha eleitoral para eleições antecipadas.
Como podemos estar optimistas? Acreditando nos efeitos de arrastamento do crescimento económico da Alemanha e dos mercados emergentes e dando valor ao labor do Governo no comércio externo.
Essas boas notícias reflectir-se-ão nas empresas exportadoras e nos trabalhadores do sector privado que não percam o emprego e consigam aumentos salariais iguais ou superiores à conjugação da inflação com a subida dos impostos.
Mesmo no melhor dos cenários, haverá tantos desempregados como hoje. Os sectores mais pobres da população serão menos apoiados e os índices de pobreza subirão, nomeadamente entre as crianças e as famílias jovens activas. As elites da administração pública terão uma redução drástica de poder de compra, agravando factores de perturbação institucional e desfuncionamentos da administração.
Tanta sincronia só pode ter uma consequência. Tal como a chuva, acabará por molhar todos, embora menos os que tenham guarda-chuva e gabardina. A cereja em cima do bolo? Seis meses em crise política ou eleições no Verão sem os partidos mudarem de perspectiva sobre a governabilidade do país e nem PS nem PSD-CDS terem maioria absoluta.
Em momentos destes no século XIX havia um levantamento militar. Em 2011? Ficaremos a saber se à frente dos destinos do país temos uma geração de estadistas ou apenas um punhado de pessoas com, digamos assim, sentido de oportunidade agudo.
(publicado no Diário Económico de 29 de Outubro de 2010)
No ano que vem, a economia portuguesa vai sofrer sincronizadamente os efeitos de vários factores adversos.
Os especuladores descobriram um buraco na concepção do sistema financeiro europeu que nos sorve diariamente milhões de Euros.
Quem governa a Europa escolheu uma política orçamental imune a qualquer veleidade Keynesiana. Na leitura que o Governo do PS fez desse diktat, houve necessidade de cortes na rede básica de protecção social (subsídio social de desemprego, RSI, prestações familiares), de redução de custos com saúde, de congelamento de pensões, de suspensão de investimento público e, mesmo, de redução nominal dos salários na administração pública.
O sistema político português encontra-se triplamente bloqueado. Não pode haver eleições legislativas. Não há soluções maioritárias de Governo. O Presidente da República não tem influência sobre os grandes partidos.
Na melhor das hipóteses teremos um Orçamento de Estado viabilizado tacticamente, em contexto de campanha eleitoral para eleições antecipadas.
Como podemos estar optimistas? Acreditando nos efeitos de arrastamento do crescimento económico da Alemanha e dos mercados emergentes e dando valor ao labor do Governo no comércio externo.
Essas boas notícias reflectir-se-ão nas empresas exportadoras e nos trabalhadores do sector privado que não percam o emprego e consigam aumentos salariais iguais ou superiores à conjugação da inflação com a subida dos impostos.
Mesmo no melhor dos cenários, haverá tantos desempregados como hoje. Os sectores mais pobres da população serão menos apoiados e os índices de pobreza subirão, nomeadamente entre as crianças e as famílias jovens activas. As elites da administração pública terão uma redução drástica de poder de compra, agravando factores de perturbação institucional e desfuncionamentos da administração.
Tanta sincronia só pode ter uma consequência. Tal como a chuva, acabará por molhar todos, embora menos os que tenham guarda-chuva e gabardina. A cereja em cima do bolo? Seis meses em crise política ou eleições no Verão sem os partidos mudarem de perspectiva sobre a governabilidade do país e nem PS nem PSD-CDS terem maioria absoluta.
Em momentos destes no século XIX havia um levantamento militar. Em 2011? Ficaremos a saber se à frente dos destinos do país temos uma geração de estadistas ou apenas um punhado de pessoas com, digamos assim, sentido de oportunidade agudo.
(publicado no Diário Económico de 29 de Outubro de 2010)
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