20.2.13

Portugal está a desaprender a liberdade

Primeiro, foi o entusiasmo com as marés humanas em manifestações sem partidos e contra os partidos em que todos acharam melhor que os políticos fossem discretos ou não aparecessem de todo.
Depois, foi a complacência - contraditória - com uma carga policial que foi prender arruaceiros a kilómetros e horas de distância e a aceitação de que uma policia andar a ver vídeos nas televisões é coisa que se arruma com a exoneração de uns jornalistas coniventes.
Já se usou José Afonso para tentar calar um político num debate,
que não é o mesmo que cantá-lo a plenos pulmões numa praça ou avenida como forma de dar voz a uma multidão.
Agora são os insultos ao Ministro Relvas, aplaudidos e tornados virais, com a complacência, sorriso e cumplicidade de todos os que acham que ele até merece.
Quem devia cuidar das instituições não se apercebe dos limites reais ao seu poder nas sociedades contemporâneas.
As oposições não incorporam o seu papel de enquadramento dos descontentamentos e há as que aplaudem o sangue metafórico que corre pelas vaias e gritarias.
Os sindicatos gastaram os seus cartuchos quando a procissão ainda nem no adro ia.

Comecei por sorrir ao ver o vídeo do ISCTE, também eu no íntimo contente por Relvas conhecer o descontentamento ao vivo. Logo depois perguntei-me se o caminho para mudar o estado de coisas passa por impedir os Ministros - ou as oposições, tanto faz - de falarem nas Universidades, lugar por excelência da liberdade. Quem vai decidir quem pode falar? Quem tiver mais cartazes, insultar e gritar mais?

Portugal está a desaprender a liberdade.

12 comentários:

Antonio disse...

Um ministro escorraçado de uma universidade parece-me coisa banal. Aconteceu ao atual Presidente da República. Aconteceu a outros. Reprovável ou não.
Pense-se no Maio de 68 (que restringiu, caótica e avulsamente, liberdades, ao sabor do momento): não instalou regimes totalitários (embora esse fosse o sonho de alguns) e transformou as democracias europeias do pós-guerra em comunidades de cidadãos mais responsáveis pela coisa pública.
Mas há algo que me parece, de facto, dramático e preocupante: é a omissão de um discurso político alternativo carismático e democrático.
É esta omissão que deixa o campo aberto ao extremismo no sentimento da oposição, facilmente alimentado pela frustração e o desespero.
O PS lembra-me um gato amodorrado à lareira. A avaliar pelo seu discurso oficial, não me parece fundamentalmente incomodado com o estado do país (clarifique-se: com o sentir das pessoas).
Não compreendo como é possível não haver um grito (é desagradável, mas às vezes indispensável) de alerta democrático, vindo de dentro do PS.
Os atentados ao exercício da liberdade de expressão do ministro Relvas são um grito de alerta. Só isso.
A narrativa democrática de solução para a crise perde por falta de comparência. Por isso, não me admiro pela instalação na sociedade (e nas TV's!!, atenção às TVs) de Portugal de narrativas reviralhistas anti-democráticas.
Eu para participar politicamente dirijo-me ao PS, não tenho dúvidas há já muitos anos. Mas eu já era adulto no 25 de Abril. Metade dos Portugueses atuais não eram. Os portugueses que queiram participar politicamente e atuar sobre a situação do país, hoje, devem dirigir-se onde?

anademar disse...

fiquei a pensar no seu ponto de vista porque também eu estive muito divertida a ver o sr. a levar safanões e assobios.

mas pergunto: não terá sido esta a única forma que quem se sente preso arranjou de ser ouvido? (a frase está um pouco longa e confusa, mas espero que lhe entenda o sentido!)

Sad But True disse...

"Já se usou José Afonso para tentar calar um político num debate, que não é o mesmo que cantá-lo a plenos pulmões numa praça ou avenida como forma de dar voz a uma multidão"
Em 15 de Setembro de 2012, eu fui dos que cantou a Grândola a plenos pulmões na Av. da República... eu e mais 500 mil pessoas... e o que adiantou isso? O que mudou desde então? Será preciso gritar ainda mais alto? Ou será necessário mudar de estratégia? Sempre ouvi dizer que na guerra e no amor, vale tudo... será que não estamos em guerra? Será que não amamos o nosso país?

Rita disse...

Sim Portugal está a desaprender a liberdade. E culpa de quem? De todos nós é certo mas sobretudo dos políticos que estão à frente deste pais à décadas. Esquerda, direita, centro, são todos iguais, facto que lamento profundamente. E é culpa de todos, que nos acomodámos, não nos preocupámos e deixámos andar à boa maneira portuguesa. O Povo é sereno como diz o outro, só que isso não devia ser motivo de orgulho, porque foi essa "serenidade" que deixou que isto chegasse onde chegou. Penso muito naquele provérbio africano que diz "mais vale um exército de ovelhas liderado por um leão do que um exército de leões liderado por uma ovelha"... e assim espero, porque que somos um exército de ovelhas, não tenho duvidas, só espero e "rezo" (que sou agnóstica)que nos calhe um bom leão, com carisma mas sobretudo valores e um rumo, senão é que estamos mesmo lixados. Sobretudo porque estes “leões” que nos dirigem já estão velhos e gastos pelas lutas de poder que lhes deturparam as vistas e os afastaram dos propósitos que deviam ser os seus e que já esqueceram.

Ajom Moguro disse...

O que me chateia é que são os Relvas de amanhã a capitanear estes concertos.

José Costa-Deitado disse...

Bem Haja por me ter "obrigado" a pensar!

João disse...

Estará a desaprender a liberdade, ou a responder como pode a quem não tem vergonha na cara, como é o caso do ministro Relvas? Se Relvas não sabe distinguir legalidade de moralidade, precisará, eventualmente, de uma rápida explicação. Pelo menos tão rápida quanto a sua licenciatura. No entanto, preferia que, como protesto, o ministro encontrasse uma sala vazia.

Porfirio Silva disse...

É perigoso repousar sobre as nossas certezas institucionalistas. Eu sou institucionalista, mas tenho que sentir a contradição que o momento obriga a pensar: as instituições podem ser capturadas. Podem ser. E acho que foram. Nesse caso, as certezas institucionalista tornam-se armadilhas, tanto para o pensamento como para a acção.

Orlando Jorge Rodrigues disse...

Devo dizer, primeiramente, que sou um democrata convicto, um socialista doutrinário (e apoiante de António José Seguro) que acredita que o PS poderia ser o Partido que defenderia as desigualdades sociais, a garantia de liberdades e direitos, enfim, que garantia que o Estado cumprisse a sua função. Lamento constatar que o PS de Sócrates e Guterres fazem parte deste descarrilar económico, social e, brevemente, político. Quando se coloca em causa as ações populares, considerando-as anti-democráticas e ilegítimas pergunto-me se os políticos pensaram nisso enquanto levaram Portugal à ruína. Pergunto-me se o dia 25 de Abril de 1974, o chamado dia da liberdade, foi, de facto, um ato de liberdade ou um simples golpe de Estado perpetrado por uma minoria militarizada subscrita pela maioria da população. Lamento que o PS e alguns dos seus correlegionários opinem desta forma, talvez temendo o que virá de futuro, talvez porque nunca respiraram o ar da rua, do povo, de Portugal. A Liberdade, na minha perpetiva, é mais do que foi dito. Liberdade é garantir que pessoas como Miguel Relvas não se licenciem do dia para a noite enquanto jovens determinados vêem as suas ambições decapitadas por propinas, e falta de soluções laborais. Liberdade é acreditar que os políticos servem os cidadãos e não o contrário. Se estas são algumas das premissas básicas do que considero ser o meu conceito de Liberdade então não vivo num país livre. Há que trazer liberdade e Democracia a Portugal e não olhar a meios para atingir tais fins. Quem estiver mal que se mude. Pena que quebra sempre pelo mais fraco.

A2C disse...

PROVAVELMENTE ESTAMOS É SATURADOS ... VEMOS POUCOS CADA VEZ MAIS RICOS E MUITOS CADA VEZ MAIS POBRES ... E ASSIM NÃO HÁ DEMOCRACIA.

Pedro Estêvão disse...

Paulo, experimente ver a coisa por um outro ângulo: a cada vez maior dificuldade da classe política em lidar com manifestações pacíficas, como foi a do ISCTE.

Condenar uma manifestação em que nada se fez para além de cantar a Grândola, bater palmas a compasso e mandar um ou dois piropos é que não me parece muito compatível com um espírito democrático. E confesso que sinto algum desconforto por ver pessoas que me habituei a admirar seguirem essa linha de argumentação.

Uma coisa é dizer que reduzir a nossa intervenção a expressões de descontentamento deste tipo é um caminho estéril do ponto de vista político - algo com que concordo a 100%. Outra muito diferente é dizer que uma manifestação pacífica contra um ministro é um sinal de degradação da democracia - isso ultrapassa a minha compreensão.

João Carreira disse...

Deixo a opinião que coloquei no meu blog... E votos de um excelente resto de semana...

http://combaroportugues.blogspot.pt/2013/02/por-estes-dias-grandoles.html