Quando comecei a ver no twitter referências
a LSD e cogumelos mágicos a propósito de Esther Mucznik,
fui à procura da causa. O que mais me impressionou é que vi no seu artigo apenas autenticidade, ignorância e mesquinhez.
Esther é autêntica na denúncia dos fantasmas que nos inundam o espírito sempre que vemos a língua alemã associada a sobrevivência, obediência e imagens de Hitler. Por muito que as alunas daquele 12º C fossem apenas iconoclastas e pretendessem apenas fazer um apelo atrevido e irreverente à frequência do curso de alemão, reagiremos assim à invocação do demónio nazi. Hitler e o nazismo não são relativizáveis e não é difícil ver o seu ponto.
Mas Esther é ignorante no que diz da escola democrática. Não pode não saber que se aprende hoje mais história contemporânea até ao 9º ano que quando ela foi estudante até à licenciatura. Não pode acusar o pós-25 de Abril de subalternização da formação humanística. Aliás, o argumento costuma ser exactamente o inverso, a coberto da denúncia da famosa "licealização" e, quanto a chamar ignorantes e de baixa cultura aos professores... bom, nunca Portugal teve um corpo de professores tão qualificado como hoje, por muito que não se goste deles.
Pior, contudo, é a mesquinhez que revela a propósito de Sócrates, no julgamento sumário e tentativa de banimento do espaço público. O que Esther tem a dizer sobre Sócrates é veneno puro e em versão rastejante.
Para ela, Sócrates não merece voltar a falar no espaço público, as portas da RTP não devem abrir-se-lhe e quem defenda o contrário tem o mesmo sentido da tolerância dos que construíram a estrada para Auschwitz. Ainda que reconheça que é exagerada na comparação, não lhe resiste.
Francamente, se jovens do 12º ano colarem uma fotografia de Hitler num anúncio de um curso de alemão pode ser reprovável, que uma intelectual madura faça esta associação é do domínio do abjecto. Esther devia saber que a intolerância nasce da demonização do outro e que a suspensão da humanidade do outro conduz sempre por maus caminhos.
Para embrulhar a sua recusa em raciocinar sobre José Sócrates, atribui-lhe sumariamente toda a culpa pelo Memorando de Entendimento (nunca houve votação do PEC IV, pois não?) e falsifica a história ao atribuir-lhe a fase de que as dívidas não são para pagar, quando bem sabe que - como ele disse -, nenhum país do mundo pagou nunca toda a sua dívida externa (perdão, Ceausescu pagou, matando o seu povo de fome, antes de morrer às mãos dos golpistas).
Esther Muznick acha mal que a RTP contrate Sócrates. É uma opinião, Mas se considera o convite imoral, teria que ter pelo menos um argumento para que assim seja. O único pecado que atribui a Sócrates é ter sido Primeiro-Ministro, o que nada tem de imoral. Quem não o percebe, parafraseando-a, não "entende nada nem de ética, nem de princípios, e muito menos de liberdade".
E porque me dou ao trabalho de escrever isto sobre tão alucinado texto de Esther Muznick? Porque me irrita o perigoso clima de que se alimenta e que alimenta, me preocupa o resvalar da divergência para o monopólio da moralidade, que sempre foi pasto para as derivas autoritárias. Desculpem, mas não aprendi a tolerância que Esther denuncia, que esconde indiferença, por muito que concorde que a indiferença a este texto da cronista era democraticamente salutar.