20.2.14

Se os cidadãos pagam os partidos, porque não os pomos a mandar neles?

"Não é admissível que num partido com a dimensão do PSD, os militantes paguem 1 euro por mês de quotas, e que depois sejam os contribuintes a financiar o partido, seja para as campanhas eleitorais, seja para a actividade normal ou para a Assembleia da República"  (António Capucho, lido no Público de 20-02-2014)

É conhecida na ciência política (e não tem uma conotação simpática) a existência dos "partidos-cartel", dependentes essencialmente da órbita do Estado e do financiamento público.
Em Portugal, o financiamento público dos partidos é a regra e tem tido um clima favorável, pelo menos entre as elites, pelo que significa de diminuição da dependência  face a lobbies, grupos de pressão vários e interesses económicos, para não falar sequer dos riscos associados à tentação do financiamento ilegal.
Mas a dependência do financiamento público disfarça também a fragilidade interna dos partidos, que todos sabemos em geral incapazes de recolher fundos significativos da sua militância, talvez com excepção do PCP, embora nem nesse saibamos o que é real e o que é propaganda. Mesmo para preencher os exíguos montantes de donativos, os partidos tiveram já que contar com cidadãos como o famoso Jacinto, que financiou o CDS em dinheiro, há uns anos.
A fragilidade interna dos partidos alimenta, por outro lado, os sindicatos de voto, a "compra de quotas" pelos donos dos aparelhos, a reprodução de grupos dirigentes não derrotáveis no plano interno e não credíveis no plano externo. O caso Parada vs. Guilherme Pinto no PS de Matosinhos simboliza-o melhor do que qualquer outro. Se Guilherme Pinto tivesse sido o bom militante que o actual modelo espera dos políticos profissionais, teria cedido e seria mais tarde ou mais cedo recompensado com uma sinecura à medida das pequenas ambições que demonstrasse. Felizmente foi pelo caminho oposto.
Este circulo vicioso produz em todos os partidos - da direita à extrema-esquerda - um mecanismo de reprodução dos aparelhos organizados, a partir do núcleo de políticos profissionalizados (no Parlamento, nas autarquias, como funcionários do partido) que, por sua vez, devem a sua profissionalização à liderança, de cuja preservação ou sucessão sem risco de embate de competidores dependem.
Neste quadro, os políticos sensatos, como no PS tem sido António Costa e antes dele foi António José Seguro, só podem furtar-se à competição interna e assistimos à curiosa transformação dos processos eleitorais internos na entronização papal. tudo quase por unanimidade, o actual líder e o futuro, que será o seu anti-líder. Tudo na harmonia dos anjos da guarda das lideranças, que não correm riscos e excluem os que perturbam a paz da reprodução da máquina. Assim, o PSD passou em paz de Manuela Ferreira Leite para Pedro Passos Coelho e o PS de  Ferro Rodrigues para José Sócrates e deste para António José Seguro.
António José Seguro, humilhado por José Sócrates e excluído dos seus governos, guardou silêncio e agiu nos bastidores pelo tempo necessário a não comprometer extemporaneamente os seus apoios no aparelho do PS. A dupla desistência da candidatura à liderança  por António Costa nos últimos dois congressos é da mesma natureza, embora se alimente de uma retórica persuasiva e bem imaginada. O protocandidato renunciou à competição eleitoral interna invocando não a crueza dos factos mas que a união do partido é essencial à preservação da sua credibilidade política, discurso que não hostiliza o aparelho que pode ainda um dia decidir entronizá-lo a ele. Pela retórica de António Costa, os partidos podiam mesmo substituir a eleição pela cooptação plena. Não é credível que o homem inteligente acredite no que o político prudente nos diz.
Para sair deste círculo vicioso, o antigo Secretário-Geral do PSD parece agora aderir ao financiamento privado dos partidos. A ideia é tentadora, mas não creio que entregar os partidos aos militantes com mais recursos económicos e correr o risco de - tal como acontece já hoje nos EUA - entregar a política a milionários, seja o caminho. E, se formos pelo outro lado?
Os partidos financiados pelos cidadãos através dos seus impostos devem ser controlados pelos cidadãos através do poder de os influenciar. Logo, um primeiro passo na ruptura do círculo vicioso seriam as primárias abertas a todos os que se registam num determinado momento como simpatizantes desse partido.
O facto de os líderes passarem a ter que captar cidadãos comuns e não pessoas mobilizadas "de dentro para fora", ou melhor, pequenos batalhões que dependem de si para existirem e que vivem "pela mão do príncipe",  mudaria mais as regras do jogo do que cortar o financiamento aos partidos e entregá-los ao poder económico ou subir as quotas para 10, 50 ou 100 euros por mês.
Mas, na verdade, hoje os cidadãos financiam os partidos e não mandam neles. Porque não os pomos a mandar?



2 comentários:

Porfirio Silva disse...

Este post parece uma introdução a uma proposta. Fico à espera da proposta.

Paulo Pedroso disse...

Quando voltares à chamada política activa e se eu também tiver voltado, podemos trabalhar juntos nela, caso estejamos de acordo sobre os princípios. Por agora, não acho que as possibilidades de influenciar a agenda valham o esforço de a apresentar e tentar fazer avançar. Mas trabalhe-se a ideia, pode fazer caminho com alguém, algum dia.