1. O BE vai apresentar a sua moção de censura dentro de um mês, disse hoje Francisco Louçã na Assembleia da República. O mesmo Francisco Louçã tinha dito no fim-de-semana passado que tal gesto agora não teria utilidade prática. Portanto, ou anunciou um gesto sem utilidade prática ou mudou de opinião sobre a dita utilidade entre sábado e quarta-feira.
2. A rapidez da mudança de discurso do líder do BE sobre o assunto levanta uma curiosa questão sobre a democracia interna do seu partido ou a verdade da sua relação com os media. Ou a Mesa Nacional do passado fim-de-semana discutiu o assunto e tomou a decisão e Louçã ludibriou os jornalistas com o que disse sobre o assunto. Ou nãoo discutiu e o poder do directório Louçã-Fazenda é tal que os dirigentes do seu partido podem saber de decisão tão importante pelos jornais, sem consulta prévia quais primeiros-ministros europeus perante a dupla Merkel-Sarkozy.
3. O anúncio súbito e sem preparação de tal gesto é um sinal do esquerdismo que tanto irrita os comunistas com sólida formação táctica. O BE sabia que ia ficar amarrado pela sua fragilidade sindical à dinâmica de protesto que o PCP queria protagonizar (como eu disse aqui). Estava consciente que aparecia num papel secundário na operação, que exigiria logística e tempo, que o PCP tinha em marcha. E, como sempre na velha extrema-esquerda, perante a fragilidade, deu um salto em frente, como um jogador de xadrez que não pensa no fim da partida, mas apenas na construção de uma vantagem para a jogada seguinte.
4. Na jogada do BE, o principal visado não é o Governo, mesmo que possa parecer que é a sua grande vítima potencial. O BE quer apenas proeminência sobre os protagonistas comunistas e só o consegue com gestos mediáticos e solos virtuosos. Ao contrário do PCP, o BE não tem o PS como inimigo principal, mas como inimigo secundário. Antes de se dedicar a essa tarefa tem que ganhar vantagem sobre o PCP como protagonista da esquerda à esquerda do PS. O primeiro inimigo do BE, no Parlamento, nos sindicatos, nos ditos movimentos sociais, continua a ser a organização sólida e disciplinada do PCP. Os bloquistas acham-se mais brilhantes, mais inteligentes e mais educados, mais orientados para o futuro, mas subalternizados por uma máquina cinzenta mas podrerosa e triturante em diferentes campos de acção. Hoje, no Grupo Parlamentar do BE há pessoas que dedicaram a sua vida à militância política antigamente dita unitária mas que o PCP sempre vetou para qualquer função importante, que nem esqueceram nem desistiram.
5. É muito provável que o BE tenha feito abortar o sucesso de uma moção de censura, o que não lamento, antes pelo contrário. Mas o oportunismo de a fazer discutir nos primeiros dias de mandato de Cavaco Silva; a coincidência temporal da discussão com o rescaldo das brejeirices do Carnaval da Mealhada e aparentados e a greve de braços caídos que o PCP fará nos exercícios preparatórios, ajudarão a esquerda a isolar-se e diminuem as hipóteses de condicionar o PSD e o CDS. Durante um mês teremos uma espécie de campanha eleitoral entre PCP e BE a ver quem faz discurso mais radical, quem ataca mais a União Europeia real, quem diz mais coisas irreais sobre as possibilidades de sustentar o Estado social. O PCP pagará com gosto esse tributo verbal, desembaraçado da responsabilidade da operação e sabendo que o seu sucesso está comprometido. Ajudará, aliás, a comprometê-lo no que puder. Acredito que as manifestações e greves a convocar até Março estão agora adiadas para Abril. O PCP tudo fará para alimentar então a ideia de que a esquerda é minoritária no parlamento mas maioritária na rua, uma vez que não acredita que processos apressados não abortem.
6. O PSD e o CDS também podem ter algum alívio porque sem tanta pressão da rua, sem tanto descontentamento "espontâneo", sentir-se-ão mais livres para fazer o papel de parceiro responsável. Aliás, é dificil imaginar Passos Coelho a querer mandar José Sócrates já em campanha para a reeleição para a Cimeira Extraordinária em que tantas medidas do seu póprio programa parecem estar perto de ser tomadas. Se Sócrates estiver demissionário por força da derrota, pode ir à Cimeira de Março dizer o que lhe vai na alma, até porque coincidirá com facilidade com a única via para tentar ganhar eleições. Se for para a mesma Cimeira reforçado pela viabilização da direita ao seu Governo, se fica mais livre para dizer que o Parlamento recusou aventuras irresponsáveis, continuará impedido de expressar em público discordâncias sobre o sapo liberal que tem que engolir para evitar o recurso ao FMI.
7. A moção de censura que o PCP queria preparar para a Primavera visava condicionar toda a gente. A que o BE vai apresentar no Carnaval é um fogacho de circunstância. Entre uma e outra há toda a diferença que resulta de o PCP sonhar com o derrube de um regime e o BE querer apenas a crista da onda. O hino da moção do PCP seria a centenária Internacional, o da do BE será a instantânea "parva que sou".
4 comentários:
Brilhante análise. Cumps.
Boa e completa analise. As questões que estão em causa são mesmo essas. Estamos perante um mero número político para marcar agenda política. E é uma atitude sem qualquer utilidade para quem a propõe. O BE não tem qualquer alternativa a um governo que pretende fazer cair. O governo só cairia se as forcas políticas, a que o BE se opõe, a aprovassem. E o governo que se seguisse seria, igualmente alvo de censura do mesmo Bloco. É para estas situações que faz falta a moção de censura construtiva.
Obrigado Paulo pela tua analise e pela rapidez com que tomaste posição.
Contrariamente a Passos Coelho, que não tomou posição por estar no estrangeiro. Tu, mesmo fora, estas atento e intervens.
Vou partilhar o teu Artigo no meu FB.
Excelente anáalise!!! Clareza e astúcia na análise. Subscrevo na íntergra, pode mesmo ser, para o BE, uma diversão carnavalesca! Beijinho, ana catarina
Qual a coisa qual é ela que antes de o ser já o era: a moção de censura do BE!
http://foicebook.blogspot.com/2011/02/qual-coisa-qual-e-ela-que-antes-de-o.html
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