8.2.11

Vem aí mais uma moção de censura?

1. O PCP, com as cautelas tácticas que o caracterizam, está a apalpar o terreno para a apresentação de uma moção de censura.
Diz a experiência que entre estes primeiros passos e a efectiva apresentação deve haver uns testes de rua, com a marcação de umas manfestações e de umas greves pelos sindicatos mais obedientes da CGTP, pelo que é de esperar mais umas greves nos transportes, na administração local, na função pública em geral, porventura nos professores.
Se a organização do descontentamento produzir os resultados esperados surgirá, no topo da estratégia, a dita moção. Então, o BE já estará amarrado pelos seus braços e fragilidades sindicais e a direita estará constrangida a fazer o flic-flac de apoiar o Governo, destruindo a retórica anti-Sócrates violenta de Passos Coelho ou de aparecer ao povo a reboque do PCP.
Para que assim seja, o PCP tem que andar depressa e Março tem que ser um mês de grande contestação. Até porque o PCP não pode correr o risco de bons resultados na execução orçamental lhe estragarem a jogada e darem ao PSD um bom pretexto para se abster sem prejudicar o seu alinhamento. Portanto, se eu fosse adivinho, esperava por uma moção de censura do PCP a ser apresentada na AR algures entre a posse do Presidente da República e o 25 de Abril, quiçá no rescaldo do Congresso do PS.

2. Há quem se surpreenda por o discurso do PCP sobre moções de censura ser agora diferente do que foi no contexto pré-Presidenciais. Temos que reconhecer que a novidade era esse discurso ser a sério e não conjunturalmente definido pela vontade de atraír votos para o pré-candidato a sucessor de Jerónimo de Sousa. Mesmo assim, convém recordar que o PCP não dizia que não apresentava moções de censura, dizia uma coisa bem diferente, ou seja, que não garantia a aprovação de moções de censura da direita. Ao antecipar-se, pode evitar esse risco minimizando os custos, que sempre existem, de dois discursos contraditórios.

3. O que pode querer o PCP com tal moção? A mim parece-me claro. Se a moção for derrotada, ganha poque "desmascara" os verdadeiros aliados do governo e pode fazer o discurso do "capitulacionismo" do PS à direita. Se a moção for vencedora, ganha porque foi a direita que se colou a ele e caberá, em particular a Passos Coelho, o ónus de explicar aos seus eleitores porque diz que o país precisa de estabilidade, bom governo, menos Estado e viabiliza uma moção de censura que há-de estar bem recheada de retórica anti-capitalista, linguagem dos direitos sociais e necessidade de "outra política".

4. Ao agir assim, o PCP aceita correr o risco de aumentar a probabilidade do regresso de um governo de direita? Claro. Mas esse não é e nunca foi o problema do PCP. O que eles mais temem é o tempo em que o país tem governos de centro-esquerda bem sucedidos e com políticas sociais consequentes. Atacaram impiedosamente os seus próprios dirigentes de topo que dialogaram com governos do PS no passado, levando alguns até à expulsão, tentaram activamente boicotar todos os acordos de concertação social que a CGTP assinou e conseguiram que não assinasse alguns em que estavam as próprias propostas da central sindical. Assustou-os que um Secretário-geral do PS desfilasse na primeira fila de uma manifestação do 25 de Abril e pudesse ir ao 1º de Maio de ambas as centrais sindicais e ser bem recebido também na da CGTP. Armadilharam o Forum Social quando o PS se juntou, desmantelaram o Comité Português para a Paz e a Cooperação por ter veleidades de independência, etc. etc.

5. Na doutrina estratégica do PCP, o objectivo final é a revolução comunista e o inimigo dessa revolução que mais temem é o sucesso do socialismo democrático. Parecem chavões? Olhem para os textos do PCP e não para as minhas palavras. Vejam o quanto temem a "socialdemocratização" do comunismo, o que vai de chamarem traidor a Gorbachov até ao desprezo pelos partidos comunistas que estabeleceram plataformas de governo na Europa Ocidental. Para o PCP, um governo PSD-CDS é um seguro de vida e um governo do PS é uma ameaça latente.

6. Em suma, a táctica do PCP é coerente. Quer retomar a iniciativa política, esquecer o relativo desaire das Presidenciais em que não capitalizou o desastre de Alegre e maximizar as hipóteses de ter um inimigo realmente de direita para combater. Para o PCP, o PS é o inimigo, o PSD é apenas um adversário.

4 comentários:

jose albergaria disse...

Impecável análise.
Assino por baixo e vou fazer link lá para a minha rua.
JA

MFerrer disse...

Sabendo, como bem sabem, que nunca chegarão ao poder, a menos que sejam de facto insanos, os dirigentes comunistas portugueses vivem apenas do passado.
O futuro é algo que abominam.
Nem toda a retórica da "análise concreta da situação concreta", os inibe de recusarem a realidade.
Ou o devir histórico.
Têm, como dizia Sartre a permanência das pedras e a insensibilidade moral para condenarem o hoje em função dos amanhãs que haviam de cantar...
Enquanto forem aceites na escola, nos sindicatos e na representação política como "democratas" para jogarem o jogo da democracia, é como tentarmos amestrar uma pacaça.
Até podem um dia comer na nossa mão. Mas, dia seguinte, a raiva escondida vai enterrar-nos os cornos no ventre.
Não há seguro que cubra tais riscos.
De resto a sua análise é correta e, se me é permitido, só peca por se resumir muito ao presente e ao ressentimento (inveja?)que o PCP sempre terá de quem pensa pela sua cabeça.
O centralismo democrático é uma prática doentia e caldo de cultura de todas as repressões, Até dos próprios envolvidos!
Cumprimentos.

Carta a Garcia disse...

Caro Paulo,

Fiz link,abraço,
OC

Anónimo disse...

Pode-se, sem dúvida, criticar as posições do PCP ou do BE. Mas há uma coisa que é certa: este governo é fraco e subserviente com os poderosos, forte e impiedoso com os fracos, ou seja, é a antítese daquilo que deveria ser qualquer governo de esquerda, mesmo que moderada. Um exemplo, entre muitos, é dado pelo recente anúncio da baixa das indeminizações em caso de despedimento. Sócrates critica Passos Coelho por causa da proposta de retirar a justa causa da Constituição mas depois apresenta uma proposta que retira qualquer eficácia ao conceito de justa causa. Qual é a diferença?