28.2.13
24.2.13
"Leaving Europe", uma pequena mostra de imagens na Europeana
Imagem, Immigrants' first view of America, por Charles William Jefferys, na NYPL Digital Gallery
A Europeana tem uma pedagógica pequena mostra de uma outra época em que os europeus saíram massivamente das suas zonas de conforto, o fim do século XIX. A consultar, para não esquecer que a história nos está a atirar para uma roda já antiga.
23.2.13
Sobre a paz em Timor-Leste, a propósito de um boletim do CES
Numa década, Timor-Leste percorreu um enorme caminho, não isento de incidentes, na afirmação da sua viabilidade como país independente e nação em paz.
Já não é, felizmente, o tempo dos heroísmos, mas o tempo lento de tecer instituições, de erguer uma sociedade aberta à modernidade sobre uma nação que só conhecia poder colonial e ocupação.
Em Portugal, o entusiasmo solidário esmoreceu e a centralidade mediática perdeu-se. Mas continua a haver quem acompanhe a jovem nação, partindo de diversos pontos de vista. É o caso do Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que dedicou o seu boletim de Janeiro de 2013 a Timor-Leste.
Passa por todo o boletim a questão a meu ver essencial para a viabilidade do exercício que se tenta em Timor: como enraizar os procedimentos democráticos no país?
A constituição garante um Estado social e democrático de direito, a maior parte das instituições estão formalmente desenhadas, os recursos materiais, pelo menos transitoriamente, possibilitam avanços significativos.
O desafio está na capacidade de transformação social, na capacidade de produzir cidadania, na capacidade de evitar que a vitória da independência se transforme na vitória de uma fracção dos vencedores.
Não é garantido que não surjam problemas profundos das contradições entre instituições desenhadas com grande predomínio de saberes periciais exteriores e em condensado e estratégias sociais moldadas pela capacidade de resistência e não de construção e entre segmentos cosmopolitas e populações mergulhadas nas tradições. Não é garantido que não haja dificuldades enormes na incorporação das instituições pelos seus protagonistas. Não é garantido que, num país em que mais de metade da população dentro de uma década só terá conhecido a independência, a contradição entre o tempo de que o país precisa e o tempo que as aspirações das pessoas não tem, não aumente exponencialmente as dificuldades de governabilidade do país.
Aqueles de nós que têm o privilégio de acompanhar, ainda que pouco e à distância, a imensidão da tarefa, sabem que nem é fácil nem tem ainda resultados irreversíveis. Assim como sabem o enorme esforço que no terreno está a ser posto para que o país se afirme e a paz vença.
Já não é, felizmente, o tempo dos heroísmos, mas o tempo lento de tecer instituições, de erguer uma sociedade aberta à modernidade sobre uma nação que só conhecia poder colonial e ocupação.
Em Portugal, o entusiasmo solidário esmoreceu e a centralidade mediática perdeu-se. Mas continua a haver quem acompanhe a jovem nação, partindo de diversos pontos de vista. É o caso do Núcleo de Humanidades, Migrações e Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que dedicou o seu boletim de Janeiro de 2013 a Timor-Leste.
Passa por todo o boletim a questão a meu ver essencial para a viabilidade do exercício que se tenta em Timor: como enraizar os procedimentos democráticos no país?
A constituição garante um Estado social e democrático de direito, a maior parte das instituições estão formalmente desenhadas, os recursos materiais, pelo menos transitoriamente, possibilitam avanços significativos.
O desafio está na capacidade de transformação social, na capacidade de produzir cidadania, na capacidade de evitar que a vitória da independência se transforme na vitória de uma fracção dos vencedores.
Não é garantido que não surjam problemas profundos das contradições entre instituições desenhadas com grande predomínio de saberes periciais exteriores e em condensado e estratégias sociais moldadas pela capacidade de resistência e não de construção e entre segmentos cosmopolitas e populações mergulhadas nas tradições. Não é garantido que não haja dificuldades enormes na incorporação das instituições pelos seus protagonistas. Não é garantido que, num país em que mais de metade da população dentro de uma década só terá conhecido a independência, a contradição entre o tempo de que o país precisa e o tempo que as aspirações das pessoas não tem, não aumente exponencialmente as dificuldades de governabilidade do país.
Aqueles de nós que têm o privilégio de acompanhar, ainda que pouco e à distância, a imensidão da tarefa, sabem que nem é fácil nem tem ainda resultados irreversíveis. Assim como sabem o enorme esforço que no terreno está a ser posto para que o país se afirme e a paz vença.
22.2.13
Deputados portugueses: desconectados ou livres?
Jorge Almeida analisou as fichas biográficas dos deputados na X e XI legislatura e observou que a maior parte deles não participa em cargos dirigentes de organizações cívicas. Mais, que entre a X e a XI legislatura a percentagem de deputados-dirigentes cívicos desceu de 32% para 20%. Daí concluiu que há indícios de uma preocupante ausência de contacto cívico organizado e sistemático entre eleitores e eleitos.
A sua conclusão leva-me a uma pergunta, que implica problematizá-la. Deve dizer-se dos deputados que não são dirigentes de grupos de interesses que são desconectados ou que são livres? Uma coisa ou outra, é melhor para a democracia que os deputados sejam formalmente independentes de causas outras que não as partidárias ou que não o sejam? Pode não parecer, mas está subjacente à resposta um programa político para o papel do Parlamento na sociedade portuguesa.
A sua conclusão leva-me a uma pergunta, que implica problematizá-la. Deve dizer-se dos deputados que não são dirigentes de grupos de interesses que são desconectados ou que são livres? Uma coisa ou outra, é melhor para a democracia que os deputados sejam formalmente independentes de causas outras que não as partidárias ou que não o sejam? Pode não parecer, mas está subjacente à resposta um programa político para o papel do Parlamento na sociedade portuguesa.
21.2.13
O que é o movimento "se te apanho canto-te a Grândola"?
Discute-se se o movimento "se te apanho canto-te a Grândola" é orgânico ou inorgânico.
Abertamente orgânico sabemos que não é, porque nenhuma instituição "clássica" aparece a protagonizá-lo ou dirigi-lo ou se assume como sua autora, financiadora ou retaguarda logística.
Capaz de congregar simpatias muito para além das capacidades de qualquer movimento orgânico nas circunstâncias actuais, também sabemos que é. Basta deambular pelas redes sociais para perceber que colhe transversalmente a simpatia de quem se opõe a este governo, dos mais moderados simpatizantes do PS aos mais encarniçados maximalistas do bloquismo mais m-l. Gente que não iria a uma manifestação convocada pelo PCP, porque não, que acharia mal que o PS convocasse manifestações, porque sim e sorriria ante uma manifestação do BE, porque não tem ninguém, aplaude o uso da Grândola como silenciador de governantes. Quem, como eu, critica tal uso fica logo, aliás, sujeito a suspeitas de cumplicidades passistas-relvistas ou pelo menos de capitulação à direita.
Dotado de um sentido próprio que se deve à situação a que o actual governo conduziu o país, também é. As raízes da simpatia por este gesto estão no profundo mal-estar de muitos cidadãos com o caminho dado à política do país. todos sabemos que o PSD ganhou eleições depois de Sócrates ter sido submetido à tenaz da coligação negativa CDS-PSD-PCP-BE. Não ignoramos que, então, o discurso era o de que entre Sócrates e Passos Coelho não havia diferenças. Lembramo-nos de que Passos Coelho passou toda a campanha eleitoral a prometer uma política cuja coluna vertebral era a oposta da que pratica, embora esta última seja a consequência natural do que dizia antes dessa camnpanha. Sentimos que não há, nos partidos da oposição, nas centrais sindicais, na Presidência da República, nuns casos força, noutros capacidade e noutros ainda vontade, para derrubar o Governo. No entanto já tomámos consciência de que só travando Passos Coelho já se pode impedir a pauperização das funções sociais do Estado. Logo, é natural que estejamos predispostos a apoiar qualquer brisa de protesto que surja.
Mas será orgânico ou inorgânico, então, este movimento?
Proponho o teste que costumava aplicar no passado à época de greves e manifestações que ia, normalmente, de Janeiro a Abril. Se o movimento continuar depois de 2 de Março é muito provavelmente inorgânico. Se os Ministros voltarem a poder falar em público logo a 3 de Março, estava ligado à operação de preparação da manifestação de 2 de Março. Neste caso, é orgânico, Mas quem seria o organizador? Cherchez la femme.
PS. O PS, o PCP e o BE já foram convidados a participar na Manifestação de 2 de Março? Aceitaram ou recusaram? Se aceitarem serão bem-vindos ou considerados oportunistas? Todos ou só alguns?
Abertamente orgânico sabemos que não é, porque nenhuma instituição "clássica" aparece a protagonizá-lo ou dirigi-lo ou se assume como sua autora, financiadora ou retaguarda logística.
Capaz de congregar simpatias muito para além das capacidades de qualquer movimento orgânico nas circunstâncias actuais, também sabemos que é. Basta deambular pelas redes sociais para perceber que colhe transversalmente a simpatia de quem se opõe a este governo, dos mais moderados simpatizantes do PS aos mais encarniçados maximalistas do bloquismo mais m-l. Gente que não iria a uma manifestação convocada pelo PCP, porque não, que acharia mal que o PS convocasse manifestações, porque sim e sorriria ante uma manifestação do BE, porque não tem ninguém, aplaude o uso da Grândola como silenciador de governantes. Quem, como eu, critica tal uso fica logo, aliás, sujeito a suspeitas de cumplicidades passistas-relvistas ou pelo menos de capitulação à direita.
Dotado de um sentido próprio que se deve à situação a que o actual governo conduziu o país, também é. As raízes da simpatia por este gesto estão no profundo mal-estar de muitos cidadãos com o caminho dado à política do país. todos sabemos que o PSD ganhou eleições depois de Sócrates ter sido submetido à tenaz da coligação negativa CDS-PSD-PCP-BE. Não ignoramos que, então, o discurso era o de que entre Sócrates e Passos Coelho não havia diferenças. Lembramo-nos de que Passos Coelho passou toda a campanha eleitoral a prometer uma política cuja coluna vertebral era a oposta da que pratica, embora esta última seja a consequência natural do que dizia antes dessa camnpanha. Sentimos que não há, nos partidos da oposição, nas centrais sindicais, na Presidência da República, nuns casos força, noutros capacidade e noutros ainda vontade, para derrubar o Governo. No entanto já tomámos consciência de que só travando Passos Coelho já se pode impedir a pauperização das funções sociais do Estado. Logo, é natural que estejamos predispostos a apoiar qualquer brisa de protesto que surja.
Mas será orgânico ou inorgânico, então, este movimento?
Proponho o teste que costumava aplicar no passado à época de greves e manifestações que ia, normalmente, de Janeiro a Abril. Se o movimento continuar depois de 2 de Março é muito provavelmente inorgânico. Se os Ministros voltarem a poder falar em público logo a 3 de Março, estava ligado à operação de preparação da manifestação de 2 de Março. Neste caso, é orgânico, Mas quem seria o organizador? Cherchez la femme.
PS. O PS, o PCP e o BE já foram convidados a participar na Manifestação de 2 de Março? Aceitaram ou recusaram? Se aceitarem serão bem-vindos ou considerados oportunistas? Todos ou só alguns?
20.2.13
Portugal está a desaprender a liberdade
Primeiro, foi o entusiasmo com as marés humanas em manifestações sem partidos e contra os partidos em que todos acharam melhor que os políticos fossem discretos ou não aparecessem de todo.
Depois, foi a complacência - contraditória - com uma carga policial que foi prender arruaceiros a kilómetros e horas de distância e a aceitação de que uma policia andar a ver vídeos nas televisões é coisa que se arruma com a exoneração de uns jornalistas coniventes.
Já se usou José Afonso para tentar calar um político num debate,
que não é o mesmo que cantá-lo a plenos pulmões numa praça ou avenida como forma de dar voz a uma multidão.
Agora são os insultos ao Ministro Relvas, aplaudidos e tornados virais, com a complacência, sorriso e cumplicidade de todos os que acham que ele até merece.
Quem devia cuidar das instituições não se apercebe dos limites reais ao seu poder nas sociedades contemporâneas.
As oposições não incorporam o seu papel de enquadramento dos descontentamentos e há as que aplaudem o sangue metafórico que corre pelas vaias e gritarias.
Os sindicatos gastaram os seus cartuchos quando a procissão ainda nem no adro ia.
Comecei por sorrir ao ver o vídeo do ISCTE, também eu no íntimo contente por Relvas conhecer o descontentamento ao vivo. Logo depois perguntei-me se o caminho para mudar o estado de coisas passa por impedir os Ministros - ou as oposições, tanto faz - de falarem nas Universidades, lugar por excelência da liberdade. Quem vai decidir quem pode falar? Quem tiver mais cartazes, insultar e gritar mais?
Portugal está a desaprender a liberdade.
Depois, foi a complacência - contraditória - com uma carga policial que foi prender arruaceiros a kilómetros e horas de distância e a aceitação de que uma policia andar a ver vídeos nas televisões é coisa que se arruma com a exoneração de uns jornalistas coniventes.
Já se usou José Afonso para tentar calar um político num debate,
que não é o mesmo que cantá-lo a plenos pulmões numa praça ou avenida como forma de dar voz a uma multidão.
Agora são os insultos ao Ministro Relvas, aplaudidos e tornados virais, com a complacência, sorriso e cumplicidade de todos os que acham que ele até merece.
Quem devia cuidar das instituições não se apercebe dos limites reais ao seu poder nas sociedades contemporâneas.
As oposições não incorporam o seu papel de enquadramento dos descontentamentos e há as que aplaudem o sangue metafórico que corre pelas vaias e gritarias.
Os sindicatos gastaram os seus cartuchos quando a procissão ainda nem no adro ia.
Comecei por sorrir ao ver o vídeo do ISCTE, também eu no íntimo contente por Relvas conhecer o descontentamento ao vivo. Logo depois perguntei-me se o caminho para mudar o estado de coisas passa por impedir os Ministros - ou as oposições, tanto faz - de falarem nas Universidades, lugar por excelência da liberdade. Quem vai decidir quem pode falar? Quem tiver mais cartazes, insultar e gritar mais?
Portugal está a desaprender a liberdade.
19.2.13
Valupi sobre Paulo Campos
A ler, reler, pensar e repensar. Val desmonta as ventoínhas de lama que envolvem a política portuguesa e também, de passagem, a cobardia do fogo amigo que pode deixar um homem só, a partir de apenas um case study, o das famosas parcerias publico-privadas rodoviárias.
18.2.13
Ideias e cascas de cebola - a conversa da geração voltou ao PS
Um dos mitos urbanos mais divertidos do PS - alimentado por pessoas de boas famílias e melhores ideias - é o de que as concepções políticas e alinhamentos ideológicos se fazem em casca de cebola, por camadas geracionais medidas pela certidão de nascimento.
Assim se produziu a ideia de que Sócrates, Seguro e Costa são a mesma geração, a que havia de, unida, redimir a fractura "geracional" entre Sampaio e Guterres que havia sucedido à geração de Soares, etc.
Agora que o abraço solidário e geracional une, como sabemos, Seguro e Costa, já se fala da emergência da nova geração. A avaliar pelo que João Tiago Silveira diz ao Expresso vêm formosos e não seguros. Mas se pensarem que são a próxima casca da cebola partem do pecado original que julgam ir redimir e acabarão com a renovação do PS no próximo abraço, sabe-se lá entre quem.
Assim se produziu a ideia de que Sócrates, Seguro e Costa são a mesma geração, a que havia de, unida, redimir a fractura "geracional" entre Sampaio e Guterres que havia sucedido à geração de Soares, etc.
Agora que o abraço solidário e geracional une, como sabemos, Seguro e Costa, já se fala da emergência da nova geração. A avaliar pelo que João Tiago Silveira diz ao Expresso vêm formosos e não seguros. Mas se pensarem que são a próxima casca da cebola partem do pecado original que julgam ir redimir e acabarão com a renovação do PS no próximo abraço, sabe-se lá entre quem.
Guiné-Bissau: há uma batalha a travar pelos direitos dos deficientes
O Relatório sobre os direitos humanos na Guiné-Bissau não podia dar uma ideia mais dura da distância que há a percorrer para garantir os direitos fundamentais das crianças com deficiência no país, começando pelo reconhecimento do direito à vida:
Na Guiné-Bissau, segundo o estudo das pessoas com deficiência realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) com o apoio financeiro da Plan International, a maioria dos grupos sociais e étnicos entende a deficiência como uma maldição, um castigo, uma sanção social por algum erro ou, por transgressão de algo proibido, pelo pecado cometido pela própria vítima de deficiência ou dos pais.
Um recém-nascido com deficiência é considerado, para muitas etnias, um sinal de descontentamento dos “deuses” contra a família ou comunidade, sendo muitas vezes, atirado ao telhado e seguidamente ao mar ou metido em “baga-baga” (térmitas), com explicações absurdas. Ainda hoje se assiste, em algumas regiões do nosso país,à prática de “infanticídio” motivada pela deficiência das crianças. A explicação dada para este comportamento é que essas crianças com deficiência pertencem a divindades da água ou da terra, devendo, por isso, obrigatoriamente regressar à procedência.
Outras crianças com deficiências são escondidas no seio da família, impedidas de serem vistas por estranhos. A estigmatização das pessoas com deficiência é visível tanto no meio familiar, escolar como no emprego, e faz com que muitas delas sejam obrigadas a deixar as suas famílias e forçadas a mendigar nas ruas para a sua sobrevivência.
Liga Guineense dos Direitos Humanos, Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau 2010/2012, pp. 56-57
Na Guiné-Bissau, segundo o estudo das pessoas com deficiência realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) com o apoio financeiro da Plan International, a maioria dos grupos sociais e étnicos entende a deficiência como uma maldição, um castigo, uma sanção social por algum erro ou, por transgressão de algo proibido, pelo pecado cometido pela própria vítima de deficiência ou dos pais.
Um recém-nascido com deficiência é considerado, para muitas etnias, um sinal de descontentamento dos “deuses” contra a família ou comunidade, sendo muitas vezes, atirado ao telhado e seguidamente ao mar ou metido em “baga-baga” (térmitas), com explicações absurdas. Ainda hoje se assiste, em algumas regiões do nosso país,à prática de “infanticídio” motivada pela deficiência das crianças. A explicação dada para este comportamento é que essas crianças com deficiência pertencem a divindades da água ou da terra, devendo, por isso, obrigatoriamente regressar à procedência.
Outras crianças com deficiências são escondidas no seio da família, impedidas de serem vistas por estranhos. A estigmatização das pessoas com deficiência é visível tanto no meio familiar, escolar como no emprego, e faz com que muitas delas sejam obrigadas a deixar as suas famílias e forçadas a mendigar nas ruas para a sua sobrevivência.
Liga Guineense dos Direitos Humanos, Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos na Guiné-Bissau 2010/2012, pp. 56-57
16.2.13
Dinheiro pode não dar felicidade, mas vida dá.
Um estudo da segurança social americana demonstrou mais uma vez um efeito da desigualdade vital, encontrado em muitos outros contextos. Entre pensionistas, quanto maior o rendimento menores os índices de mortalidade. Dinheiro pode não dar felicidade, mas vida dá.
15.2.13
João Ribeiro e a magia política dos adjectivos
João Ribeiro, em artigo no i, acha que o futuro do socialismo democrático está em "uma nova agenda de modernidade que, sem abandonar políticas abrangentes e colectivas de emancipação para largas franjas da população ainda em necessidade, abraça uma realidade de serviço público multidimensional, mais flexível aos interesses criticamente apreendidos por uma nova geração de cidadãos autónomos (produto do Estado Social), sem comprometer a igualdade de oportunidades, a solidariedade inclusiva e uma efectiva redistribuição de riqueza."
Eu talvez concorde, talvez não, porque confesso que não percebi o que se acolhe de novo ou de velho na floresta de qualificativos que usa. Mas ele há-de explicar o programa que defende em português mais acessível a pessoas como eu. Porventura terá que usar mais frases, que nem todos temos a sua capacidade de captar a magia política dos adjectivos.
Eu talvez concorde, talvez não, porque confesso que não percebi o que se acolhe de novo ou de velho na floresta de qualificativos que usa. Mas ele há-de explicar o programa que defende em português mais acessível a pessoas como eu. Porventura terá que usar mais frases, que nem todos temos a sua capacidade de captar a magia política dos adjectivos.
13.2.13
Reflexão sobre Bento XVI em quarta-feira de cinzas
Hoje começa um período que o cristianismo consagrou à reflexão sobre as fragilidades humanas. Se Bento XVI se guiasse por conselhos de marketing e alguém perto dele partilhasse a minha sensibilidade para o momento ideal de uma resignação histórica, tê-lo-ia aconselhado a partilhar hoje a notícia com o mundo.
Mas o que motiva a minha reflexão sobre o Papa é apenas que, nestes dias em que os media investiram sobre ele com uma ferocidade apenas guardada para quem surpreende, renunciando ao poder, à influência, à aura de santidade, importa pensar o significado do seu gesto além da espuma da notícia.
As reflexões de Joseph Ratzinger sobre Jesus Cristo têm, até onde consigo captar o seu sentido, um princípio organizador - a negação da redução de Cristo à condição humana. A ideia do "Cristo histórico" é uma das grandes construções pós-Conciliares que este co-obreiro intelectual do Vaticano II pretendeu destruir . Vista essa análise pelo ângulo de um ateu sob influência da ideia de Karl Jaspers de que Cristo é um dos mestres da humanidade, compreende-se. O teólogo percebeu que o racionalismo contemporâneo se apropriaria dessa condição humana de Jesus, sublinhando a sua excepcionalidade mas nessa condição (o sentido humano de milagre que Hanna Arendt nele evidenciou. é bem ilustrativo do exercício), para lhe dar maior universalidade, libertando-nos da vinculação à fé na sua transcendência, mas com isso retirando-o do lugar especificamente cristão que a Igreja lhe construiu ao longo da sua história, o luger de ser Deus, filho de Deus, irmão dos homens, homem mas não homem. Redivinizar Cristo era um imperativo que, parece-me, o teólogo impôs ao filósofo Ratzinger, conduzindo o racionalista Conciliar ao místico que valoriza o terceiro segredo de Fátima.
A esta luz, a resignação de Bento XVI é um acto de máxima coerência. Em ruptura com o culto da personalidade que na Igreja Católica levou, por exemplo, a elevar o Papa à infalibilidade, Bento XVI quis fazer uma prova com a sua biografia da incomensurável distância entre a pequenez do homem e a grandeza de Deus.
Não precisamos de partilhar a fé na grandeza de Deus para compreender a mensagem sobre as fragilidades do ser humano que Bento XVI nos deu. No fundo, nas transitoriedades da vida, a mais dificil das lições a aprender é a de, cumprido um dever, saber ir em paz. Joseph Ratzinger soube. O voyeurismo social dos que pensam que o gesto se reduz à importância de ter um pacemaker não percebeu nada. Ou fui eu que não percebi. Mas, aprendendo com o significado do período em que os cristãos entram agora, também não importa. é mais importante aquilo que se revela no nosso interior.
Mas o que motiva a minha reflexão sobre o Papa é apenas que, nestes dias em que os media investiram sobre ele com uma ferocidade apenas guardada para quem surpreende, renunciando ao poder, à influência, à aura de santidade, importa pensar o significado do seu gesto além da espuma da notícia.
As reflexões de Joseph Ratzinger sobre Jesus Cristo têm, até onde consigo captar o seu sentido, um princípio organizador - a negação da redução de Cristo à condição humana. A ideia do "Cristo histórico" é uma das grandes construções pós-Conciliares que este co-obreiro intelectual do Vaticano II pretendeu destruir . Vista essa análise pelo ângulo de um ateu sob influência da ideia de Karl Jaspers de que Cristo é um dos mestres da humanidade, compreende-se. O teólogo percebeu que o racionalismo contemporâneo se apropriaria dessa condição humana de Jesus, sublinhando a sua excepcionalidade mas nessa condição (o sentido humano de milagre que Hanna Arendt nele evidenciou. é bem ilustrativo do exercício), para lhe dar maior universalidade, libertando-nos da vinculação à fé na sua transcendência, mas com isso retirando-o do lugar especificamente cristão que a Igreja lhe construiu ao longo da sua história, o luger de ser Deus, filho de Deus, irmão dos homens, homem mas não homem. Redivinizar Cristo era um imperativo que, parece-me, o teólogo impôs ao filósofo Ratzinger, conduzindo o racionalista Conciliar ao místico que valoriza o terceiro segredo de Fátima.
A esta luz, a resignação de Bento XVI é um acto de máxima coerência. Em ruptura com o culto da personalidade que na Igreja Católica levou, por exemplo, a elevar o Papa à infalibilidade, Bento XVI quis fazer uma prova com a sua biografia da incomensurável distância entre a pequenez do homem e a grandeza de Deus.
Não precisamos de partilhar a fé na grandeza de Deus para compreender a mensagem sobre as fragilidades do ser humano que Bento XVI nos deu. No fundo, nas transitoriedades da vida, a mais dificil das lições a aprender é a de, cumprido um dever, saber ir em paz. Joseph Ratzinger soube. O voyeurismo social dos que pensam que o gesto se reduz à importância de ter um pacemaker não percebeu nada. Ou fui eu que não percebi. Mas, aprendendo com o significado do período em que os cristãos entram agora, também não importa. é mais importante aquilo que se revela no nosso interior.
12.2.13
É bom para o PS que as eventuais diferenças de visões que existam se transformem em "corridas de cavalos" cínicos?
Estrela Serrano comenta a crise-que-nunca-o-foi-embora-talvez-estivesse-para-o-ser no PS:
A mini-crise do Partido Socialista teve o seu desfecho no fim de semana passado. Os jornalistas cobriram o caso com ironia e cinismo. Não os censuro. Não apenas porque a actividade política se tornou uma luta de galos ou, como dizem os americanos a propósito da “campanha permanente” em que vivem os partidos e os seus líderes, uma “corrida de cavalos”, mas porque o cinismo foi visível também no lado dos dois políticos directamente envolvidos: António José Seguro e António Costa.
A reflexão é pertinente. É desejável que as disputas internas pareçam uma luta entre um chefe de família de província que cultiva a liderança-eucalipto e uma mente cosmopolita tolhida pelo medo de ser general sem exército no partido dos Paradas? (É obrigatório ler Pedro Adão e Silva). Um PS tão florentino é bom para o país? Os cidadãos não retaliarão sobre um partido que assim expõe algo ingenuamente as suas fragilidades, como se os seus protagonistas não tivessem consciência de que as paredes dos partidos já nem são de vidro, foram estilhaçadas pela exposição mediática? É bom para o PS que as eventuais diferenças de visões que existam se transformem em "corridas de cavalos" cínicos?
Tenho muitas dúvidas de que não se estejam a reviver no PS erros passados. Já vi Secretários-Gerais com grande arcaboiço correr de vitória em vitória interna, cada uma maior que a anterior, até ao isolamento final. E nenhuma das vezes em que isso aconteceu o resultado foi bom para o Partido Socialista, nem, na minha opinião, para os portugueses.
A mini-crise do Partido Socialista teve o seu desfecho no fim de semana passado. Os jornalistas cobriram o caso com ironia e cinismo. Não os censuro. Não apenas porque a actividade política se tornou uma luta de galos ou, como dizem os americanos a propósito da “campanha permanente” em que vivem os partidos e os seus líderes, uma “corrida de cavalos”, mas porque o cinismo foi visível também no lado dos dois políticos directamente envolvidos: António José Seguro e António Costa.
A reflexão é pertinente. É desejável que as disputas internas pareçam uma luta entre um chefe de família de província que cultiva a liderança-eucalipto e uma mente cosmopolita tolhida pelo medo de ser general sem exército no partido dos Paradas? (É obrigatório ler Pedro Adão e Silva). Um PS tão florentino é bom para o país? Os cidadãos não retaliarão sobre um partido que assim expõe algo ingenuamente as suas fragilidades, como se os seus protagonistas não tivessem consciência de que as paredes dos partidos já nem são de vidro, foram estilhaçadas pela exposição mediática? É bom para o PS que as eventuais diferenças de visões que existam se transformem em "corridas de cavalos" cínicos?
Tenho muitas dúvidas de que não se estejam a reviver no PS erros passados. Já vi Secretários-Gerais com grande arcaboiço correr de vitória em vitória interna, cada uma maior que a anterior, até ao isolamento final. E nenhuma das vezes em que isso aconteceu o resultado foi bom para o Partido Socialista, nem, na minha opinião, para os portugueses.
10.2.13
A grande virtude do "Documento de Coimbra" do PS
Li no Ilhas de Bruma o documento que se chamava Portugal Primeiro e fui ver em torno de que estamos juntos no próximo congresso.
É da mais elementar justiça começar por saudar a natureza do documento. É claro, não muito extenso, procura abranger as prioridades do partido e do país. Assim como se deve notar o caso - inédito no PS, julgo - de a estratégia que contém ter sido aprovada pela Comissão Nacional a que foi, julgo, o documento distribuído à entrada de uma reunião de curta duração, sem qualquer discussão prévia com os militantes, agora chamados a ratificar a decisão dos dirigentes. É um pormenor formal? Mas diz muito das concepções sobre o papel de militantes e dirigentes num partido socialista do século XXI.
A partir de hoje e até às próximas eleições legislativas se bem percebo este documento, no PS, só há para discutir cadeiras, fazer festa e "ajudar o partido" a menos que se queira enfrentar de uma penada o líder e o seu challenger. Confesso que não perco muito tempo com essa questão. Os papeis estão distribuídos, deixando-nos a liberdade para examinar as ideias em torno de que se celebrou a união dos socialistas, o que tentarei fazer de seguida.
No diagnóstico da origem da crise, o PS adere à (boa) narrativa do seu carácter sistémico e resultado da combinação da crise financeira internacional com as debilidades institucionais do Euro. Mas branqueia as responsabilidades de quem chumbou o PEC IV e omite os efeitos próprios da crise política no país que daí derivou naquilo por que estamos a passar.
Nos sucessos recentes do "regresso aos mercados", o PS atribui (bem) a responsabilidade a quem a tem, o novo protagonismo do Banco Central Europeu, embora omita o possível peso político específico da mudança do equilíbrio entre a Alemanha e a França com a eleição do socialista François Hollande.
A propósito das debilidades estruturais do país, o PS sacode (mal) a pressão da disputa interna sob a herança de Sócrates com a adopção de um vazio acto de contrição em nome de todos os governos, que resolve o problema de Seguro mas em nada ajuda a perceber em que se andou bem ou mal e o que se tem ou não que mudar para evitar a repetição de erros ou reforçar medidas correctas e adequadas.
A denúncia dos erros de caminho do PSD, da sua adesão ao austeritativismo feroz e insustentável à execução desequilibrada do programa de ajustamento, é feita de modo sistemático.
O principal objectivo definido para a política económica de reduzir a perda de valor da economia portuguesa, pareceria ultraprudente há alguns anos mas é realista no contexto actual.
O PS aponta também o caminho que parece adequado para a diminuição do garrote ao desenvolvimento do país que as actuais condições de ajustamento implicam. Aqui está talvez a mais importante demarcação do PSD que também demarca hoje os socialistas das das forças à sua esquerda: o memorando tem que ser revisto e não executado como o está a ser, mas também não pode ser unilateralmente denunciado. A energia posta nessa renegociação e o seu sucesso é uma das chaves para a viabilidade da alternativa do PS.
No plano europeu, o PS continua unido em torno de mais Europa, defendendo a mutualização da dívida, a união bancária e o aprofundamento da União Económica e Monetária. Mas não percebo porque não ataca alguns dos aspectos centrais do mau desenho institucional do Euro, tais como o alargamento do mandato do Banco Central Europeu ou o fim do escândalo de um sistema de financiamento das dívidas públicas que entre o mercado primário e secundário oferece fortunas ao sector financeiro que são subtraídas à riqueza das populações e ao investimento público.
Dir-me-ao que essa possibilidade é remetida para a proposta de um novo Tratado Europeu, ideia que tem ousadia, por muito obscura que seja ainda a noção de "Europa das Pessoas e dos Estados" de que parte e na qual posso ver o que o PS defende mas também exactamente o seu contrário. Contudo, é viável que a Europa aprove um novo tratado digamos na próxima década e que, se o fizer, siga o modelo federalista que o PS propõe? No momento em que se aprova o mais baixo orçamento da história da União, há algo de inconsequente em puxar a ideia de um novo tratado para o topo da agenda, sem esgotar os aperfeiçoamentos e correcções que se podem fazer no actual quadro.
Sobre a visão de futuro do país, há uma frase que me intriga e que quero acreditar que percebi mal. Diz-se que "as energias renováveis, o turismo, a exploração mineira e a agro-pecuária são a base dinamizadora". Não estão a imaginar que o futuro do país se faça de sol, turismo, minérios e vacas, pois não? Como destino, esta aposta seria a do empobrecimento que se recusa. Portugal não pode renunciar à indústria transformadora nem aos serviços modernos. Conhecemos as nossas fragilidades e vulnerabilidades competitivas, mas temos que desenhar um programa para as ultrapassar. Não podemos pensar que o nosso futuro é radiante se nos virmos apenas como um país limpo e campestre (um jardim...). É má-vontade minha e versões futuras do documento vão corrigir a mira. Contudo, a agenda para o crescimento e o emprego reforça a sensação de estranheza. Inclui tudo o que os socialistas andam a fazer há duas décadas, da retórica sobre a qualificação (sempre adiada) à promoção do empreendedorismo, passando pela simplificação administrativa. Desde o Contrato de Legislatura dos velhinhos Estados Gerais que esta é a agenda do PS, a mesmíssima que atravessou o "guterrismo" e o "socratismo", afinal aquela de que se fez acto de contrição a propósito da origem da crise. Novo, nessa agenda, apenas encontro o Banco de Fomento (porque não pode a CGD sê-lo, expliquem-me) e o programa integrado para aumento das exportações baseado na "inteligência económica" que espero não nos conduza ao erro de Sócrates e Passos Coelho de pensar que o nosso futuro são as economias de direcção estatal de semiditaduras ou ditaduras dependentes das suas riquezas naturais (como a Venezuela do "amigo Chavez").
No Estado social há um aggiornamento nórdico que se saúda, com a ligação à ideia de investimento social (a "predistribution" que Ed Miliband foi buscar aos EUA também pode ser inspiradora), mas nada de substantivo.
Na governação, o PS regressa à ideia de grande pacto social, ensaiada pela última vez em 1996 pelo governo de Guterres, repescando-lhe mesmo o nome de "Acordo de Concertação Estratégica". Concordo plenamente com a ideia de mais diálogo social, mas recomendaria um balanço da experiência que tivemos entre 1996 e 1999 antes de a ressuscitar, para que o pacto não morra tão ingloriamente como o seu antecessor.
Infelizmente, o PS não reflecte sobre o que pensa fazer enquanto partido para corrigir as doenças estruturais do nosso sistema de diálogo social, recusando-se a ver que este modelo está ultrapassado debilitado, porventura ferido de morte se não for rapidamente reformado e não forem redefinidas as suas regras, procedimentos e equilíbrios.
Embrulhado nessa concertação estratégica, e à falta de qualquer medida ambiciosa de redução das desigualdades, está um novo plano de combate à pobreza, que inclui o aumento do salário mínimo contra o qual o partido votou recentemente (quer assinar a petição que agora já está em linha com a posição do PS?), das pensões mais reduzidas e a reposição dos níveis de protecção social assegurados pelo complemento solidário para idosos e pelo Rendimento Social de Inserção.
Enfim, o texto que uniu os socialistas não se afasta das ideias que unem os socialistas pelo menos desde os Estados Gerais para uma Nova Maioria, em 1995. Essa é a sua grande virtude e o seu grande defeito porque Portugal enfrenta hoje desafios radicalmente diferentes num mundo que mudou mesmo desde 2008. A construção de um programa do PS para o século XXI segue dentro de momentos?
É da mais elementar justiça começar por saudar a natureza do documento. É claro, não muito extenso, procura abranger as prioridades do partido e do país. Assim como se deve notar o caso - inédito no PS, julgo - de a estratégia que contém ter sido aprovada pela Comissão Nacional a que foi, julgo, o documento distribuído à entrada de uma reunião de curta duração, sem qualquer discussão prévia com os militantes, agora chamados a ratificar a decisão dos dirigentes. É um pormenor formal? Mas diz muito das concepções sobre o papel de militantes e dirigentes num partido socialista do século XXI.
A partir de hoje e até às próximas eleições legislativas se bem percebo este documento, no PS, só há para discutir cadeiras, fazer festa e "ajudar o partido" a menos que se queira enfrentar de uma penada o líder e o seu challenger. Confesso que não perco muito tempo com essa questão. Os papeis estão distribuídos, deixando-nos a liberdade para examinar as ideias em torno de que se celebrou a união dos socialistas, o que tentarei fazer de seguida.
No diagnóstico da origem da crise, o PS adere à (boa) narrativa do seu carácter sistémico e resultado da combinação da crise financeira internacional com as debilidades institucionais do Euro. Mas branqueia as responsabilidades de quem chumbou o PEC IV e omite os efeitos próprios da crise política no país que daí derivou naquilo por que estamos a passar.
Nos sucessos recentes do "regresso aos mercados", o PS atribui (bem) a responsabilidade a quem a tem, o novo protagonismo do Banco Central Europeu, embora omita o possível peso político específico da mudança do equilíbrio entre a Alemanha e a França com a eleição do socialista François Hollande.
A propósito das debilidades estruturais do país, o PS sacode (mal) a pressão da disputa interna sob a herança de Sócrates com a adopção de um vazio acto de contrição em nome de todos os governos, que resolve o problema de Seguro mas em nada ajuda a perceber em que se andou bem ou mal e o que se tem ou não que mudar para evitar a repetição de erros ou reforçar medidas correctas e adequadas.
A denúncia dos erros de caminho do PSD, da sua adesão ao austeritativismo feroz e insustentável à execução desequilibrada do programa de ajustamento, é feita de modo sistemático.
O principal objectivo definido para a política económica de reduzir a perda de valor da economia portuguesa, pareceria ultraprudente há alguns anos mas é realista no contexto actual.
O PS aponta também o caminho que parece adequado para a diminuição do garrote ao desenvolvimento do país que as actuais condições de ajustamento implicam. Aqui está talvez a mais importante demarcação do PSD que também demarca hoje os socialistas das das forças à sua esquerda: o memorando tem que ser revisto e não executado como o está a ser, mas também não pode ser unilateralmente denunciado. A energia posta nessa renegociação e o seu sucesso é uma das chaves para a viabilidade da alternativa do PS.
No plano europeu, o PS continua unido em torno de mais Europa, defendendo a mutualização da dívida, a união bancária e o aprofundamento da União Económica e Monetária. Mas não percebo porque não ataca alguns dos aspectos centrais do mau desenho institucional do Euro, tais como o alargamento do mandato do Banco Central Europeu ou o fim do escândalo de um sistema de financiamento das dívidas públicas que entre o mercado primário e secundário oferece fortunas ao sector financeiro que são subtraídas à riqueza das populações e ao investimento público.
Dir-me-ao que essa possibilidade é remetida para a proposta de um novo Tratado Europeu, ideia que tem ousadia, por muito obscura que seja ainda a noção de "Europa das Pessoas e dos Estados" de que parte e na qual posso ver o que o PS defende mas também exactamente o seu contrário. Contudo, é viável que a Europa aprove um novo tratado digamos na próxima década e que, se o fizer, siga o modelo federalista que o PS propõe? No momento em que se aprova o mais baixo orçamento da história da União, há algo de inconsequente em puxar a ideia de um novo tratado para o topo da agenda, sem esgotar os aperfeiçoamentos e correcções que se podem fazer no actual quadro.
Sobre a visão de futuro do país, há uma frase que me intriga e que quero acreditar que percebi mal. Diz-se que "as energias renováveis, o turismo, a exploração mineira e a agro-pecuária são a base dinamizadora". Não estão a imaginar que o futuro do país se faça de sol, turismo, minérios e vacas, pois não? Como destino, esta aposta seria a do empobrecimento que se recusa. Portugal não pode renunciar à indústria transformadora nem aos serviços modernos. Conhecemos as nossas fragilidades e vulnerabilidades competitivas, mas temos que desenhar um programa para as ultrapassar. Não podemos pensar que o nosso futuro é radiante se nos virmos apenas como um país limpo e campestre (um jardim...). É má-vontade minha e versões futuras do documento vão corrigir a mira. Contudo, a agenda para o crescimento e o emprego reforça a sensação de estranheza. Inclui tudo o que os socialistas andam a fazer há duas décadas, da retórica sobre a qualificação (sempre adiada) à promoção do empreendedorismo, passando pela simplificação administrativa. Desde o Contrato de Legislatura dos velhinhos Estados Gerais que esta é a agenda do PS, a mesmíssima que atravessou o "guterrismo" e o "socratismo", afinal aquela de que se fez acto de contrição a propósito da origem da crise. Novo, nessa agenda, apenas encontro o Banco de Fomento (porque não pode a CGD sê-lo, expliquem-me) e o programa integrado para aumento das exportações baseado na "inteligência económica" que espero não nos conduza ao erro de Sócrates e Passos Coelho de pensar que o nosso futuro são as economias de direcção estatal de semiditaduras ou ditaduras dependentes das suas riquezas naturais (como a Venezuela do "amigo Chavez").
No Estado social há um aggiornamento nórdico que se saúda, com a ligação à ideia de investimento social (a "predistribution" que Ed Miliband foi buscar aos EUA também pode ser inspiradora), mas nada de substantivo.
Na governação, o PS regressa à ideia de grande pacto social, ensaiada pela última vez em 1996 pelo governo de Guterres, repescando-lhe mesmo o nome de "Acordo de Concertação Estratégica". Concordo plenamente com a ideia de mais diálogo social, mas recomendaria um balanço da experiência que tivemos entre 1996 e 1999 antes de a ressuscitar, para que o pacto não morra tão ingloriamente como o seu antecessor.
Infelizmente, o PS não reflecte sobre o que pensa fazer enquanto partido para corrigir as doenças estruturais do nosso sistema de diálogo social, recusando-se a ver que este modelo está ultrapassado debilitado, porventura ferido de morte se não for rapidamente reformado e não forem redefinidas as suas regras, procedimentos e equilíbrios.
Embrulhado nessa concertação estratégica, e à falta de qualquer medida ambiciosa de redução das desigualdades, está um novo plano de combate à pobreza, que inclui o aumento do salário mínimo contra o qual o partido votou recentemente (quer assinar a petição que agora já está em linha com a posição do PS?), das pensões mais reduzidas e a reposição dos níveis de protecção social assegurados pelo complemento solidário para idosos e pelo Rendimento Social de Inserção.
Enfim, o texto que uniu os socialistas não se afasta das ideias que unem os socialistas pelo menos desde os Estados Gerais para uma Nova Maioria, em 1995. Essa é a sua grande virtude e o seu grande defeito porque Portugal enfrenta hoje desafios radicalmente diferentes num mundo que mudou mesmo desde 2008. A construção de um programa do PS para o século XXI segue dentro de momentos?
Portugal primeiro - a escolha infeliz de um título nacionalista para selar a unidade do PS
O problema com a escolha da designação "Portugal primeiro" para o documento da unidade interna do PS não está no facto de um lapso ter levado António José Seguro a adoptar um título recentemente utilizado pelo PSD. São coisas que acontecem.
O que verdadeiramente preocupa é que nem António José Seguro nem a sua entourage nem António Costa (se este teve acesso ao título) tenham valorizado a conotação nacionalista e maurrasiana da expressão. É difícil de imaginar algo mais fora dos cânones socialistas para baptizar a unidade do PS.
O PS deve agradecer ao PSD ter-se apropriado primeiro da expressão. Assim, o "documento de Coimbra" ficou descontaminado e apropriadamente neutro, o que é melhor do que usar um rótulo de um adversário histórico do socialismo por muito que se queira dizer aos portugueses que o PS é um catch-all party.
9.2.13
Matosinhos
Não é a primeira nem será a última vez que um socialista abandona o partido por discordar de uma decisão sobre uma candidatura local. O próprio Guilherme Pinto, que agora o faz, já foi uma vez candidato do PS enfrentando o seu antecessor, Narciso Miranda, que se candidatou contra ele como independente.
No passado, em Portugal, essas candidaturas independentes nunca foram vitoriosas, se por vitória entendermos ganhar a eleição ao candidato "oficial". Mas há países em que a experiência é diferente (lembrem-se do red Ken, em Londres).
No PS - e eu fui parte dessa decisão, não o renego - o partido sente a dissidência local como a maior ameaça à disciplina partidária que se pode imaginar. Ser candidato a uma câmara contra o candidato do partido dá expulsão, embora ser candidato a Presidente da República não.
O candidato do PS em Matosinhos tem toda a legitimidade formal para o ser, uma vez que foi escolhido localmente e essa escolha não foi, nos termos estatutários, disputada por nenhuma avocação distrital ou nacional. Mas cada socialista, no seu íntimo e na sua reserva inalienável de liberdade, tem direito à sua opinião e eu nunca abdiquei dela.
O candidato António Parada pode ter sucesso na sua campanha eleitoral, tal como alguns outros que vejo anunciados. Não me importa. Basta escutá-los para saber que não são socialistas. E se a direcção do partido os alimenta comete um erro, seja qual for a relação de forças em que se baseia.
Para que não haja equívocos, nestas eleições autárquicas em Matosinhos eu não sou do PS e, camaradas do Largo do Rato, se isso vos incomoda, sintam-se livres para agir em conformidade.
No passado, em Portugal, essas candidaturas independentes nunca foram vitoriosas, se por vitória entendermos ganhar a eleição ao candidato "oficial". Mas há países em que a experiência é diferente (lembrem-se do red Ken, em Londres).
No PS - e eu fui parte dessa decisão, não o renego - o partido sente a dissidência local como a maior ameaça à disciplina partidária que se pode imaginar. Ser candidato a uma câmara contra o candidato do partido dá expulsão, embora ser candidato a Presidente da República não.
O candidato do PS em Matosinhos tem toda a legitimidade formal para o ser, uma vez que foi escolhido localmente e essa escolha não foi, nos termos estatutários, disputada por nenhuma avocação distrital ou nacional. Mas cada socialista, no seu íntimo e na sua reserva inalienável de liberdade, tem direito à sua opinião e eu nunca abdiquei dela.
O candidato António Parada pode ter sucesso na sua campanha eleitoral, tal como alguns outros que vejo anunciados. Não me importa. Basta escutá-los para saber que não são socialistas. E se a direcção do partido os alimenta comete um erro, seja qual for a relação de forças em que se baseia.
Para que não haja equívocos, nestas eleições autárquicas em Matosinhos eu não sou do PS e, camaradas do Largo do Rato, se isso vos incomoda, sintam-se livres para agir em conformidade.
4.2.13
Prostes da Fonseca
Quando googlei em busca da imagem de José Manuel Prostes da Fonseca, o motor de pesquisa devolveu-me um traço essencial da sua personalidade. Muitas imagens, nenhuma dele. É-me difícil pensar em pessoa mais discreta e mais correcta entre todas as que conheço.
Não me lembro de o ouvir levantar a voz ou saír do registo mais polido que se possa imaginar. Nem me lembro de o ter visto falhar uma vez um compromisso sem aviso prévio e pedido de desculpas.
Praticamente tudo o que sei do fervilhante reformismo educativo que se iniciou em meados da década de 60 e deu origem à reforma Veiga Simão e às sucessivas vagas democratizadoras da educação deriva da paciência que teve para me contar essa parte da sua vida. Um dia alguém há-de contar a história da geração que rompeu com o salazarismo educativo e o papel que teve nesse movimento o famoso GEPAE a que pertenceu.
Tendo sido Secretário de Estado e Director-Geral no Ministério da Educação e após três ou quatro décadas de experiência, dedicava-se às aulas de sociologia da educação, disciplina que leccionámos juntos, como se fosse um jovem em princípio de carreira. Tendo sido Presidente do Conselho Directivo do ISCTE, dedicava-se aos projectos de formação como se essa fosse a sua primeira e tarefa de maior responsabilidade na casa.
O Engº Prostes da Fonseca tinha motivos para ser um homem amargo com a vida, que não o isentou de provações. Mas será sempre para mim - e para os que o conheceram melhor que eu - exemplo de como é possível extrair das dificuldades alento para viver bem consigo próprio, estoicamente, no seu caso.
Não me lembro de o ouvir levantar a voz ou saír do registo mais polido que se possa imaginar. Nem me lembro de o ter visto falhar uma vez um compromisso sem aviso prévio e pedido de desculpas.
Praticamente tudo o que sei do fervilhante reformismo educativo que se iniciou em meados da década de 60 e deu origem à reforma Veiga Simão e às sucessivas vagas democratizadoras da educação deriva da paciência que teve para me contar essa parte da sua vida. Um dia alguém há-de contar a história da geração que rompeu com o salazarismo educativo e o papel que teve nesse movimento o famoso GEPAE a que pertenceu.
Tendo sido Secretário de Estado e Director-Geral no Ministério da Educação e após três ou quatro décadas de experiência, dedicava-se às aulas de sociologia da educação, disciplina que leccionámos juntos, como se fosse um jovem em princípio de carreira. Tendo sido Presidente do Conselho Directivo do ISCTE, dedicava-se aos projectos de formação como se essa fosse a sua primeira e tarefa de maior responsabilidade na casa.
O Engº Prostes da Fonseca tinha motivos para ser um homem amargo com a vida, que não o isentou de provações. Mas será sempre para mim - e para os que o conheceram melhor que eu - exemplo de como é possível extrair das dificuldades alento para viver bem consigo próprio, estoicamente, no seu caso.
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