21.6.09

Contudo, o Irão move-se

A ultrasimplficação das teses "das civilizações" não ajuda a ver a diversidade política interior a todas as sociedades e formas de poder. O Irão pode bem ser um dos mais eloquentes exemplos desse efeito de opacidade, dada a facilidade com que o atirámos para o reino das trevas do "islamismo". Talvez por isso não estivessemos preparados para acompanhar o debate que atravessou o país na última campanha presidencial e menos ainda para compreender o que significará verdadeiramente a revolta nas ruas de várias cidades que atravessa o país há uma semana. Há, contudo, duas ou três coisas que me parecem claras. O Irão evoluiu no sentido de ser uma semidemocracia, um regime de pluralismo político limitado por uma estrutura teocrática de poder em que a hierarquia religiosa define o máximo de pluralismo admisssível. Teve períodos diferentes na relação de forças entre visões políticas do país, que talvez sejam também visões religiosas do Islão. É hoje atravessado por uma tensão de que consigo identificar três pontos de divisão: no interior da teocracia que verdadeiramente comanda a definição do que é politicamente admissível no quadro institucional actual ( o que explicará as hesitações do poder religiosos face à crise política); no interior dos actores políticos, entre populistas e liberais (o que agrupa os homens do sistema por detrás dos candidatos presidenciais desavindos) e entre populações urbanas, cosmopolitas e o que deve ser o Irão profundo. Neste quadro, parece claro que Ahmadinejad teve mais votos que o seu adversário mas, sem fraude, teria pelo menos que disputar uma nova volta que poderia perder e que nos corredores se pretende travar enquanto nas praças se procura forçá-la. O Irão depois desta revolta vai seguramente evoluir em alguma direcção. Endurecer e reforçar as tendências de ditadura teocrática? Parece difícil que a energia acumulada o permita sem um período longo de conturbação. Ceder em algo aos segmentos urbanos para que o poder não caia? Será preciso religar os elos desavindos nas elites, mas não parece fácil. Jeito, mesmo, dava que no exterior alguém fizesse algum disparate, para que o temor do inimigo externo recimentasse as coligações rompidas. Mas que o estão, não haja dúvidas. Esta carta de um proeminente grande Ayatolah e o seu conteúdo claramente em defesa de formas de democracia política, parece impensável à luz da imagem que tinhamos do monolitismo do regime. Eles estão a evoluir ou nós começámos a dar por ela? Certo é que, contudo o Irão move-se. .

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