26.3.13

A propósito de um artigo sobre Hitler na escola e Sócrates na RTP, de Esther Muznick

Quando comecei a ver no twitter referências a LSD e cogumelos mágicos a propósito de Esther Mucznik, fui à procura da causa. O que mais me impressionou é que vi no seu artigo apenas autenticidade, ignorância e mesquinhez.
Esther é autêntica na denúncia dos fantasmas que nos inundam o espírito sempre que vemos a língua alemã associada a sobrevivência, obediência e imagens de Hitler.  Por muito que as alunas daquele 12º C fossem apenas iconoclastas e pretendessem apenas  fazer um apelo atrevido e irreverente à frequência do curso de alemão, reagiremos assim à invocação do demónio nazi. Hitler e o nazismo não são relativizáveis e não é difícil ver o seu ponto.
Mas Esther é ignorante no que diz da escola democrática. Não pode não saber que se aprende hoje mais história contemporânea até ao 9º ano que quando ela foi estudante até à licenciatura. Não pode acusar o pós-25 de Abril de subalternização da formação humanística. Aliás, o argumento costuma ser exactamente o inverso, a coberto da denúncia da famosa "licealização" e, quanto a chamar ignorantes e de baixa cultura aos professores... bom, nunca Portugal teve um corpo de professores tão qualificado como hoje, por muito que não se goste deles.
Pior, contudo, é a mesquinhez que revela a propósito de Sócrates, no julgamento sumário e tentativa de banimento do espaço público. O que Esther tem a dizer sobre Sócrates é veneno puro e em versão rastejante.
Para ela, Sócrates não merece voltar a falar no espaço público, as portas da RTP não devem abrir-se-lhe e quem defenda o contrário tem o mesmo sentido da tolerância dos que construíram a estrada para Auschwitz. Ainda que reconheça que é exagerada na comparação, não lhe resiste.
Francamente, se jovens do 12º ano colarem uma fotografia de Hitler num anúncio de um curso de alemão pode ser reprovável, que uma intelectual madura faça esta associação é do domínio do abjecto. Esther devia saber que a intolerância nasce da demonização do outro e que a suspensão da humanidade do outro conduz sempre por maus caminhos.
Para embrulhar a sua recusa em raciocinar sobre José Sócrates, atribui-lhe sumariamente toda a culpa pelo Memorando de Entendimento (nunca houve votação do PEC IV, pois não?) e falsifica a história ao atribuir-lhe a fase de que as dívidas não são para pagar, quando bem sabe que - como ele disse -, nenhum país do mundo pagou nunca toda a sua dívida externa (perdão, Ceausescu pagou, matando o seu povo de fome, antes de morrer às mãos dos golpistas).

Esther Muznick acha mal que a RTP contrate Sócrates. É uma opinião, Mas se considera o convite imoral, teria que ter pelo menos um argumento para que assim seja. O único pecado que atribui a Sócrates é ter sido Primeiro-Ministro, o que nada tem de imoral. Quem não o percebe, parafraseando-a, não "entende nada nem de ética, nem de princípios, e muito menos de liberdade".

E porque me dou ao trabalho de escrever isto sobre tão alucinado texto de Esther Muznick? Porque me irrita o perigoso clima de que se alimenta e que alimenta, me preocupa o resvalar da divergência para o monopólio da moralidade, que sempre foi pasto para as derivas autoritárias. Desculpem, mas não aprendi a tolerância que Esther denuncia, que esconde indiferença, por muito que concorde que a indiferença a este texto da cronista era democraticamente salutar.



3 comentários:

jpt disse...

Muito discordo aqui. Não conheço a autora do texto nem a costumo ler mas parece-me que aproveitas o seu texto. Está mal construído? Está. Parece-me típico de quem tem uma coluna semanal num jornal (ou uma hipótese de vez em quando para botar no jornal). E quer meter dois assuntos que tem na mente. Escolheu mal, cerziu péssimo. Retirar daí como tu fazes que diz "Para ela, Sócrates não merece voltar a falar no espaço público, as portas da RTP não devem abrir-se-lhe e quem defenda o contrário tem o mesmo sentido da tolerância dos que construíram a estrada para Auschwitz" é completamente desajustado, e nem nas nossas maluquices de blog se poderá justificar. Aliás, o tom dela é completamente o inverso, rejeitando o "relativismo" sobre Hitler, a sua banalização - e, como corolário, a sua associação â Alemanha actual. Invertes o sentido, e sabes bem que o fazes, em defesa do Sócrates na RTP - é um mau momento de blog, acontece. Pena aqui, que bem te distingues do habitual trauliteirismo socialista.

Tem EM razão, no respeitante ao cartaz? Em absoluto tem, os putos podem borregar (e sim, tens tu razão quando referes que nunca como agora houve tanta formação nas escolas) mas poderia haver uma palavra atenta por parte dos stôres ... Mas não anda o país todo (ou parte dele) a "germanizar/merkelizar" a crise e nazificar a "Senhora Merkel"? Não é corrente esse troar (Até em tantos dos piadéticos blogo-tuiterísticos)? Não será assim trans-escolar essa banalização do Hitler, e por arrasto do "fascismo" com que andam para aí a assustar as gentes (recordo que já Cavaco nas primeiras eleições era apresentado por bloguistas socialistas (não os radicais BEs) como fascizante (para além de filho de gasolineiro e de Boliqueime, na extrema democraticidade das vozes do partido) - isto já para não falar da utilização generalizada, imparável e quantas impagável do excerto do Hitler de Ganz nas mais diversas situações. Que o torna, apesar de tudo, personagem de comédia. Tem EM razão quanto ao cartaz? Tem, em absoluto. Mas não está a ver bem ... ou pelo menos não vê tudo.

Tem EM razão quanto à tv pública chamar Sócrates para comentador, para o re-rehumanizar? Claro que tem mas nisso não concordaremos, para ti convirá que isso seja apenas flat, para mim nunca o será (e como tenho resmungado e temido que o "professor" se catapulte da TV para PR) - pois para políticos aquilo não é um gancho, um trabalho, um part-time, é um meio. E sabes tu melhor do que eu - não surjas com "flatices".

BAsta ver, basta ele assomar à porta do estúdio, e já regressou o discurso (até tu) de que com o PEC IV a crise, enfim, a crise teria sido.

Isto é, mesmo no registo das maluquices de blog, uma vergonha.

Com ou sem os Auschwitz chamados para sublinhar as teses

Paulo Pedroso disse...

Caro jpt,

Discordamos,, o que não é surpreendente nem mau.
Eu, que nunca fui socrático no tempo em que sê-lo era In, vejo-me por vezes nestas bolandas. Acho que o homem ir à RTP (ou à TVI, para o caso e para mim, é igual), nada tem de imoral ou condenável e que discutir o assunto com base na imoralidade é uma enormidade. Achas, que ao argumentar neste sentido inverto o argumento de EM ou exagero? Acho que és tu quem está errado, mas cada um decidirá por si.
O ponto, para mim, é que EM ataca genuinamente a banalização da indiferença mas omite (por ignorância?) que a demonização do outro é elemento tanto ou mais perigoso.
Quanto às banalizações de Hitler, concordo com ela e contigo. Mas a mistura no mesmo texto de uma coisa e outra, jpt, achas mesmo razoável? Custa-me a crer.

PS. Outra questão é a de saber se a TV de ser um cemitério de elefantes ou uma antecâmara de campanhas futuras. Mas já é. Nisso não será a RTP a inovar agora ou Sócrates a abrir caminho.

jpt disse...

Como disse acima, o texto é mau. Apenas me parece que lhe torces o sentido. Quanto a Sócrates na RTP como entrevistado tudo bem, decorre com naturalidade. como comentador, francamente ... não no sentido "imoral" mas exactamente no sentido político. A esse propósito gostei da entrevista de Carrilho. Mas enfim, julgo que foi assunto passado, do passado (espero, pelo menos)