31.3.10

Não é o mesmo, mas é igual.

Acho espectacular que um Primeiro-Ministro não tenha "intervenção directa" num negócio com os submarinos, fico com curiosidade de saber que intervenção indirecta terá tido e junto-me ao Pedro Adão e Silva quando diz que se não é o mesmo que criticam a Sócrates, é igual, excepto que o direito à ignorância é menor em relação à aquisição concretizada de submarinos pelo Estado do que à não consumada de uma televisão privada por uma empresa pelo menos semiprivada. Sai Comissão de Inquérito? Porque acho que desta vez não?

A libertação de mais um refém das FARC tem um dedo de Lula

Em nenhum conflito os papeis de falcão ou de pomba são atributos exclusivos de uma das partes. As FARC e o governo da Colômbia não são excepção e a guerrilha está agora a conseguir demonstrar uma vontade de paz que o governo não consegue acompanhar.
Bem pode este clamar que se trata de acto de propaganda e ameaçar a televisão colombiana que seguiu em directo a libertação do refém,  que o que sobra é que agora as FARC recebem na selva uma senadora do Partido Liberal para libertar reféns e não para ser raptada ela própria.
Algo mudou para que isto seja possível. Um dos factores de mudança é uma vitória governamental, que conseguiu debilitar muito o seu oponente no plano militar. Mas não bastaria. O que estamos a assistir exige uma diplomacia habilidosa, persistente e forte.
E nesse campo há que sublinhar a vontade das FARC, a oferta humanitária da Cruz Vermelha e o papel da senadora. Mas há que interrogarmo-nos como se conseguiu criar a janela de segurança adequada à libertação do sargento Moncayo, durante o tempo necessário, que até teve que ser estendido por causa das condições climatéricas. E, na resposta a esta questão, não parece nada acidental que tenham sido helicópteros brasileiros a realizar a operação de resgate.
A chave para a possibilidade de pacificação deste conflito não está nem do lado do alinhamento dos EUA com o governo colombiano nem nos laços promíscuos do Chavismo com as FARC, mas na afirmação progressiva do Brasil como potência regional e na sua capacidade de se manter como elo entre os autodesignados bolivarianos, o que remanesce da extrema-esquerda militarizada e as oligarquias que persistem no poder em vários países.
Esta obra da presidência de Lula é já património diplomático do Brasil e quem lhe suceda terá que ser capaz de estar à altura de o continuar.

29.3.10

Ojala, Silvio, "tu viejo gobierno de difuntos y flores"...

A carta a Garcia traz uma boa notícia para começar a semana. O sobressalto cívico em relação à evolução da ditadura cubana contará agora com gente como Pablo Milanés e Silvio Rodriguez. Oxalá o Osvaldo, mais treinado nessas coisas, esteja a ler melhor que eu as palavras de ambos, já que eu vejo aqui e aqui mais o desejo de evolução na continuidade, combatendo os excessos indefensáveis mesmo de dentro da ditadura que já foi uma revolução, do que qualquer reconhecimento da necessidade de verdadeira mudança. Oxalá ele tenha razão e a nueva trova seja capaz de saber qual é agora o "viejo gobierno de difuntos y flores" de que fala a canção.

Portugal mais perto de uma crise política

Como irá Passos Coelho gerir a contradição entre a pressão para não desencadear uma crise política num contexto de adversidade económica e a dificuldade de se afirmar como líder da oposição não sendo deputado?

(Leia no artigo que escrevi para o Público)

25.3.10

Reflicta sobre as diferenças

Para conseguir que a reforma do sistema de saúde passasse no Congresso, Obama teve que fazer um acordo "na 23ª hora" com um grupo de representantes. Para fazer com que a resolução sobre o PEC seja aprovada hoje, o Governo teve que negociar até ao último minuto com o PSD. O que há de diferente entre uma e outra negociação e um e outro desfechos?
Sabe-se o que Obama queria e o que teve que ceder para o conseguir. Para que não houvesse dúvidas sobre o que se pretendia e o que se cedeu, a ordem executiva da reforma foi assinada num verdadeiro live show enquanto a que resultou da cedência foi assinada à porta fechada.
Julga-se saber que o PSD não influenciou nenhuma medida do PEC e que se abstem na resolução apresentada ao Parlamento porque garantiu que ao viabilizar o Programa não estavam a apoiar as suas medidas.
Continuo a pensar que o mundo não está de molde a que Portugal possa ter um governo mendigo na Assembleia da República e que era melhor que os portugueses soubessem com transparência que no que o governo faz há o que se deve à sua vontade e o que se deve à necessidade de se entender com o PSD, no respeito pelos resultados eleitorais das últimas legislativas. O PS e o PSD escolheram fazer diferente, originando estas cenas entre o cómico e o melodramático de acordos de regime que não vinculam as partes, como se estivessemos apenas perante um jogo de espelhos e não perante decisões que mexem com a vida de milhões de pessoas.
Por mim, acho que a democracia ganha mais em que se saiba o que num consenso resulta da posição de cada uma das partes envolvidas do que se crie a ideia de que o interesse nacional é uma questão de fachada.

Adenda. A isto tudo há que juntar que Manuela Ferreira Leite recusou deixar aos seus companheiros de partido que lhe querem suceder na liderança a herança de pôr em causa o Governo a custo zero para eles, como julgo que quereriam quer Passos Coelho quer, sobretudo, Paulo Rangel.

É genuíno anti-imperialismo de base!

A Associação de Amizade Portugal-Cuba, a Associação de Inquilinos de Lisboa, a Comissão de Moradores do Alto Seixalinho, a Confederação Nacional da Agricultura, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL) estão empenhados em lutar contra a organização de uma cimeira da NATO em Portugal e convocam com umas quantas outras organizações um protesto. O que unirá nesta militância política organizações cujo objecto e âmbito de acção são tão díspares? Não é o que está a pensar. O PCP nem sequer faz parte dalista das quarenta organizações convocantes e o maior partido envolvido é o Partido Ecologista "os Verdes"! É genuino anti-imperialismo independente e de base.

Uma iniciativa da Res Publica na hora certa.

Mélancolie Européenne

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O RSI está descontrolado? Até eu tive dúvidas.

Confesso que ao ouvir pessoas de cujas boas intenções não desconfio explicar a necessidade absoluta de conter a despesa com o RSI - cujo custo afinal é de 500 milhões de euros no oceano de uma despesa com segurança social de 20 mil milhões - eu próprio tive dúvidas quanto ao risco de haver algum descontrolo na evolução da medida.
Para as desfazer fui ver as contas do que o país gastou com RMG e RSI, ano a ano, desde 1997 e para ter um termo de comparação sobre se o crescimento da despesa estaria controlado ou não, fui comparar a variação dessa despesa com a da taxa de desemprego, que tomei como indicador de vulnerabilidade social da população em idade activa e da consequente necessidade social da prestação.
Sabendo-se que 2008 é o ano pré-crise e para tornar a leitura dos dados mais fácil, comparei as variáveis a partir de um índice cujo valor 100 é para ambas o ano de 2008.
A minha hipótese é simples: se o RSI tiver uma despesa não relacionada com a intensidade da vulnerabilidade social da população em idade activa, então a despesa será alta mesmo quando a taxa de desemprego for baixa; se tiver alguma relação, então subirá ou descerá acompanhando a taxa de desemprego.

O gráfico está aqui e cada um tirará as suas conclusões. As minhas foram as seguintes: primeiro, o RSI teve o típico crescimento de uma prestação que acabara de surgir; de 2002 a 2004 foi "congelado" pela paralisação administrativa dos serviços que Bagão Félix impôs, demorando eternidades a atribuir prestações e combatendo na secretaria do ministério a prestação que não derrotara no Tribunal Constitucional; de 2005 a 2009, com o regresso de um governo socialista, a tendência voltou a ser normal e o crescimento com a despesa esteve em linha com o crescimento do desemprego.
Em 2010, o novo governo quis mudar de rumo. No Orçamento de Estado previu uma descida da despesa apesar de continuar a prever o aumento da taxa de desemprego. E no PEC decidiu cortar o RSI, independentemente da evolução do indicador sobre desemprego.
Ou seja, o Governo vai cortar na despesa com o RSI, porque assim decidiu na sua escala de prioridades para o ajustamento orçamental .
Como eu desconfiava, mas chegara a duvidar, não há nenhum problema novo com o RSI, o governo é que acha que tem outros problemas que merecem mais atenção. Há escolhas políticas feitas por quem tem legitimidade para as fazer, embora os ventos que impulsionam tais escolhas costumem soprar de outros quadrantes.
Fiquei mais triste mas menos preocupado e completado o exercício senti vontade de dizer aos milhares de técnicos e voluntários do sector social que mantêm esta prestação a funcionar há uma dúzia de anos que eles fizeram o mais difícil e em que poucos acreditavam: demonstraram que o RSI é gerível em Portugal.  Este corte nada tem que ver com eles nem com o comportamento dos beneficiários.
Apenas aconteceu que a luta contra a pobreza extrema perdeu conjunturalmente prioridade entre as prioridades de quem governa, apesar de estarmos no Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social.
Era possível cortar os 130 milhões de euros noutras despesas que não nestas e nesta altura? Era, mas não seria, de facto, a mesma coisa.

24.3.10

Dia do estudante de 1962: os depoimento de Isabel do Carmo e Jorge Sampaio

Para a história de uma geração que a anterior considerava seguramente mal-comportada, mas é autora do sistema democrático de que a minha geração foi a primeira beneficiária, a Joana Lopes foi buscar à Fundação Mário Soares os depoimentos em vídeo de Isabel do Carmo e de Jorge Sampaio, que espelham bem quanto as questões em torno do Dia do Estudante de 1962 foram simultaneamente menos e mais do que políticas e quanto coisas hoje tão naturais como o ar que respiramos são porcelana de fabrico muito recente.



PEC: carga fiscal portuguesa é, parece, a 13ª em 22 países estudados.

É possível uma notícia de jornal conter a frase "Esta evolução fará com que Portugal suba um lugar no ranking do peso dos impostos, para a 13ª posição" (em 22 países da UE analisados) e receber o título "carga fiscal portuguesa é das mais duras da Europa? Dir-se-ia que não, mas aconteceu hoje, aqui.
Afinal os dados citados, a provar algo, diriam que o tal estudo, que não conheço (e que estando disponível online seria interessante que o i linkasse), demonstra que há margem para aumentar impostos directos, quando comparamos Portugal com os outros países e não que a carga fiscal em Portugal é desproporcionada no quadro europeu. Mas tal conclusão nem venderá jornais nem, sobretudo, é conveniente a quem tenta inventar motivos de direita para criticar o PEC.

23.3.10

Expressões urbanas em Almada #3: The Hypers

The Hypers  são finalistas do XV Festival de Música Moderna de Corroios.
Fui ouvir a playlist deles no myspace. Ouça também. Não são os temas mais ouviso, mas eu gostei mais de secret spell e the wreckage.

Macau e a implantação da República na China

A "influência de Macau na proclamação da República da China a 10 de outubro de 1911 é tão evidente, quanto mal conhecida", segundo um trabalho de João Guedes, português radicado em Macau, recenseado por Daniel Nunes Mateus (e a que eu cheguei via Homem ao mar!).

A questão social no PEC bem adjectivada.

Pedro Adão e Silva radiografa a solução preguiçosa e explica no DE as opções de política social do PEC.

Está em estudo #1: um chafariz num bairro clandestino de Almada

"Está a ser equacionada a colocação de um chafariz mais próximo das habitações, bem como a colocação de um ponto de acesso a água nas traseiras do centro comercial existente ali perto"

Assim respondeu a Câmara Municipal de Almada quando interrogada sobre um chafariz que os habitantes de um bairro clandestino reclamam há... dez anos.
Confesso que nestes meses de vereador já ouvi isto dezenas de vezes, sobre as coisas mais díspares. Ainda a semana passada, em reunião de Câmara me foi dito que tinham sido tomadas as disposições e estava a ser equacionada a complexa medida de... me atribuir (tal como a todos os vereadores que não os da CDU) um endereço de correio electrónico, que custa zero euros e trinta segundos a criar.
Mas que, ontem, em pleno Dia Mundial da Àgua, não se tenham apercebido de quanto a  resposta é ridícula diz tudo sobre o alheamento da realidade a que as coisas chegaram.
Nâo custa nada, deixem lá de estudar a coisa e instalem o chafariz, no dia em que o bairro for demolido tira-se e durante todos os dias em que ele ainda durar respeita-se um direito fundamental dos cidadãos ao acesso a um mínimo de dignidade. Eles não estão a pedir nada de irrazoável.

22.3.10

Sarko après les régionales

A arte de desconversar #2

"Não está à espera de que eu agora vá aqui descrever as reuniões do Conselho de Ministros, que é algo que funciona em colectivo".

O meu amigo Vieira da Silva é, para já, totalista nesta secção, mas desconversa tão bem sobre o PEC!
Gosto particularmente do facto de comparar as despesas sociais em 2013 com as de 2008 e não com as de 2009, como faz o PEC. Já tinha visto Augusto Santos Silva fazer o mesmo na TVI24 mas não tinha encontrado link.
Há, pois, um enigma na diferença de fraseamento da questão das despesas sociais. Se a comparação com 2008 torna o PEC tão mais palatável, o que terá levado quem tinha poder para isso a escrever sobre as despesas sociais que "estas despesas registarão uma redução de 21,9% do PIB em 2009 para 21,4% do PIB em 2013, o que equivale a uma diminuição de 0,5 p.p. do peso no PIB" (pg. 31) e não, como faz Vieira da Silva (e Augusto Santos Silva), que "a percentagem da riqueza criada em Portugal destinada às prestações sociais para 2013 (tenho aqui os números) será ainda de 21,5%. Este valor era, em 2008, depois de todo aquele crescimento de que falei, de 19,9%. Houve, devido à crise, um pico em 2009, de 21,8%" (entrevista ao DN e TSF)? O que pretenderia comunicar-se de diferente disto e porquê?
As duas formulações não são nada iguais do ponto de vista político, mesmo se descontarmos que ambas consideram, a meu ver erradamente, como já escrevi, que as despesas sociais devem ser cortadas já para os valores pré-crise, quando a dita crise há-de acabar, mas mais devagar e mais tarde. Nem esta questão anularia, aliás, o facto de que o corte nessas despesas sociais se concentra de modo praticamente exclusivo nas verbas destinadas à luta contra a pobreza,  numa concentração absolutamente surpreendente.
Mas é indesmentível que nem na arte de "comunicar" a opção tomada, o texto final seguiu a linha que os meus camaradas assim defendem nestas intervenções públicas.

Yes they could

Se um político se mede pelas suas prioridades e pela persistência com que luta por elas, Obama teve esta madrugada a sua grande afirmação como político reformista que ataca interesses instituídos e toma decisões - mesmo que controversas ou impopulares - centradas nos mais desprotegidos e nas vítimas das injustiças.
A aprovação da reforma do sistema de saúde americano há décadas que era defendida pelos progressistas e há décadas que não se concretizava. Bill Clinton desistiu dela depois de a ter tido como uma das primeiras prioridades. Muitos Repúblicanos acreditavam que Obama terminaria do mesmo modo e chegaram a afirmar que seria o seu Waterloo. Mas, talvez pela diferença de métodos com que foi preparada, talvez porque era menos ousada que a que Hillary Clinton desenhou em 1993, talvez porque Obama conseguiu negociar apoios até ao último minuto, cedendo por exemplo na questão do aborto aos democratas conservadores para  conseguir o essencial, ontem conseguiu.
Na foto Nancy Pelosi, a speaker da Câmara de Representantes e Steny Hoyer, líder da maioria democrática, tinham razões para sorrir. Apesar de nenhum republicano ter estado com eles e de 34 democratas terem estado do outro lado, tinham ganho a votação por 219-212. Yes they could reform health care .

21.3.10

"Les français nous aiment unis", M. Aubry venceu as regionais francesas.

"les Français nous aiment unis: ces élections régionales ont mis le joli mot d'union au coeur de la gauche. (...) La gauche solidaire qui renoue avec les Français en ce premier jour de printemps doit encore se consolider et s'étendre" (Martine Aubry, no discurso de vitória)

As "damas da esquerda", que lideram o PSF, a Frente de Esquerda (que inclui os comunistas) e a coligação Europa Ecologia, ganharam as eleições regionais com 57% dos votos. Este resultado dá um novo fôlego à ambição presidencial de Martine Aubry e valida a sua estratégia de reencontro da esquerda, agora baptizada de esquerda solidária. Não é menos certo que, dentro desta grande vitória, também Segolène Royal saiu vencedora e reforçada, pelo que daqui até às presidenciais,  muita coisa pode ainda acontecer na instável esquerda francesa.

Palavras pré-PEC

Portugal entregou em Bruxelas, já José Sócrates era Primeiro-Ministro - e ainda não tinha chegado a crise internacional - um documento de estratégia para 2007 a 2013. Aí se lia:

"A estrutura da economia portuguesa, baseada predominantemente em sectores de baixos níveis de remuneração do trabalho, é também responsável por uma elevada desigualdade na repartição do rendimento.
Portugal é, ao mesmo tempo, o país da UE em que é mais elevado o risco de pobreza persistente, a qual afecta especialmente as mulheres, as crianças e os idosos(as), reflectindo uma menor capacidade de assegurar correcções por via das políticas sociais que assumem um papel decisivo na limitação do risco de pobreza nos países com níveis mais baixos de pobreza.
Com efeito, nos países com melhores níveis de coesão social, as transferências sociais asseguram uma redução em cerca de 9 pontos percentuais dos níveis de pobreza, enquanto em Portugal o efeito das transferências sociais não vai além dos 4 pontos percentuais na redução do risco de pobreza. Estes indicadores, a par dos que permitem confirmar que Portugal é o país da UE a 15 com maiores níveis de desigualdade de rendimento, sublinham a importância de as políticas públicas valorizarem de forma adequada o combate à pobreza e à exclusão social.
"


As frases precendentes foram escritas na página 18 do QREN. Mas são palavras pré-PEC, já que neste a importância dessa políticas públicas é tal que é exactamente ao combate à pobreza que foi operado o maior corte de despesa.

19.3.10

Brahms para um bom fim-de-semana

O PEC faz reduzir a despesa pública com os mais pobres vai mais intensamente do que o consumo público em geral.

Nas actuais circunstâncias, fosse qual fosse a opção tomada, o PEC teria que conter um esforço de redução da despesa pública. A questão essencial é a de saber em que capítulo se decide proceder aos cortes necessários. Como se pode ver pelo gráfico abaixo, o Governo optou por fazê-lo incidir mais fortemente no conjunto das despesas com prestações sociais não contributivas (as transferências dirigidas aos segmentos em risco de pobreza e exclusão) do que no conjunto geral das suas despesas correntes.
Confesso a minha incapacidade de aceitar que um governo de centro-esquerda tome esta opção num período em que, como agora ocorre, vai ser necessário compatibilizar consolidação orçamental e combate ao risco de crise social.
É certo que é mais fácil cortar nestas transferências sociais, cujos destinatários não estão organizados e em relação aos quais há até estigmas sociais fortes, do que em rúbricas que choquem com interesses organizados. Mas o resultado será o de que neste ciclo, ao contrário de todas as expectativas e do próprio Programa de Governo, a capacidade redistributiva do nosso sistema de protecção social será menor e não maior, como era desejável. Mais, se a teoria do tecto orçamental vingar nos próximos Orçamentos de Estado, todos os técnicos da segurança social serão desencorajados de fazer valer os direitos dos cidadãos em carência. Afinal, quem vai querer ser aquele que diz a um pobre ou a uma família carenciada que teve um filho em Setembro para voltar para o ano, que este ano acabou a verba cabimentada?
É difícil reconhecer nos autores da fórmula de "definição de um tecto de despesa para prestações sociais" (pág. 19 do PEC)quaisquer ecos do princípio da "orientação do sistema de solidariedade para os grupos mais
vulneráveis aos riscos sociais, de modo a que os apoios cheguem aos que deles mais
precisam e sirvam para a sua capacitação e integração social" (pág. 62 do Programa de Governo).



18.3.10

16.3.10

Eu queria simpatizar com o PEC

Eu queria simpatizar com o PEC mas não consigo, depois de me confrontar com a frieza do quadro da pg. 6, onde são apresentadas as facturas que ele implica para 2011, 2012 e 2013.
A maior factura até nem me parece mal. As privatizações constituem a grande medida para a contenção imediata da dívida pública (impacto de 1,4% do PIB em 2010) e não tenho problemas ideológicos com elas. Até saúdo, por outro lado,  que se aposte em limitar o endividamento do sector empresarial do Estado. Mas tenho muitas reservas à inclusão no lote das empresas a privatizar de serviços cuja privatização já deu desastres noutros países, como os correios na Alemanha ou os transportes ferroviários no Reino Unido. Contudo, concederia neste ponto sem esforço excessivo.
A redução de benefícios fiscais e a introdução de taxas sobre as mais-valias até merecem a minha simpatia: estima-se que aumentem a receita em o,4% do PIB e faço parte dos que apostam mais na qualidade dos serviços públicos do que no reembolso das despesas privadas, embora não se excepcione nestas medidas a factura dos medicamentos, em que a despesa privada não é uma opção, mas uma regra do funcionamento do sistema.
Mas a terceira medida com mais impacto financeiro já em 2011 deixou-me mudo de espanto (ou como disse o Pedro Adão e Silva, em estado de choque). Esta factura vai directamente para os mais pobres. 
O governo do PS, em que votei, vai introduzir um tecto de despesa nas prestações sociais não contributivas, o que quer dizer que quando ele estiver esgotado, quem receber, por exemplo, o subsídio social de desemprego ou o complemento solidário para idosos, apesar de ter direito à prestação já não a receberá. Naturalmente, é de esperar que faça tudo para não chegar aí, pelo que há-de cortar na abrangência das prestações porque não se espera que os problemas sociais se comecem a diluir por milagre em 2010.
No corte das prestações sociais, o RSI tem direito a uma evidenciação especial e que lá está apenas para que  o governo do PS diga – qual Portas – que os malandros dos beneficiários do RSI também vão pagar.
De facto, a despesa com os mais pobres vai diminuir em 200 milhões entre 2011 e 2013, dos quais 30 milhões serão nno RSI. Os outros 170 milhões porque não se evidencia onde são? Estigma é estigma e quem escolheu este símbolo no PEC fez uma escolha clara sobre como quer tratá-lo.  
Que a factura dos pobres seja tão pesada em plena crise económica e em situação de risco de crise social não consigo aceitar, nem por nada. Repare-se que em 2011 o Estado vai buscar mais aos pobres do que ao adiamento das infraestruturas e que vai, afinal e para minha surpresa, buscar a estas prestações mais do que à famosa nova taxa de IRS de 45%.

O quadro que derrotou a minha simpatia pelo PEC, apresentado de forma a ver-se quais as facturas mais pesadas que ele passa e a quem, aqui fica (com um clique, amplia). Mas, querendo, vá à terrível pg. 6 e confronte-se com o original.

Hoje sinto-me particularmente feliz por não ter sido candidato a deputado nesta legislatura.


A arte de desconversar #1: quais são as rolhas da sua simpatia?

"A única rolha pela qual tenho uma grande simpatia é a produção de rolhas em Portugal, um dos sectores de forte tendência exportadora e que estamos a incentivar"

Desconversar é uma das artes mais difíceis da política. José António Vieira da Silva, hoje, desconversou muito bem sobre o Congresso do PSD e não se vai importar de inaugurar esta secção que se quer pluralista, com todo o mérito, aliás.

Livro de reclamações: problemas de trânsito na Cova da Piedade

Recebi de Rafael Souza uma crítica a vários aspectos do trânsito na Cova da Piedade, que merecem atenção e os problemas que identifica podem ser lidos na íntegra aqui.

A China vai ter domínios próprios na Internet

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15.3.10

A Europa existe? As dúvidas persistem.

Há dias escrevi aqui um post a propósito de um mapa-mundi da saída da crise económica. Mas estava tão atento ás grandes dinâmicas que nem dei pelo facto de que havia outro dado a salientar e que o Rui sublinhou: a Europa é o único grande espaço económico em que há países em recessão, a moderar a recessão, a saír dela e em expansão económica.
Mas, se como diz, há Europa a quatro velocidades, então a pergunta recorrente impôe-se: a Europa existe? As dúvidas, até na dinâmica económica, persistem.

Ficam, felizmente, as canções. Jean Ferrat faleceu ontem.

12.3.10

A Toyota num cartoon escolhido pela Time

Fonte: Time.

Geografia da entrada e saída da crise mundial

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Segundo os autores deste mapa, o Ocidente está a recuperar da crise, o Leste divide-se entre os que ainda nela se afundam e os que a estão a mitigar e o Sudeste continua em expansão económica. Deve ser assim e sê-lo diz muito das dinâmicas económicas mundiais.

0,5 do IRS para fins sociais. Associe-se este ano.

Desconfio que pouca gente leva a sério a possibilidade de descontar 0,5% do IRS liquidado para instituições de carácter social, quer do lado dos cidadãos quer do das instituições. Em todo o caso, está já disponível a lista de entidades a favor de quem se pode fazer tal desconto (soube pelo útil Economia & Finanças).
Todas as instituições escolhidas são meritórias e qualquer recomendação é inútiol. Mas, sendo  seguramente um desvio localista, s como na lista publicada há apenas uma instituição do concelho de Almada, aqui fica a sugestão de que a contemple no seu IRS deste ano (a informação sobre a associação foi retirada da página da Junta de Freguesia de Cacilhas):

ASSOCIAÇÃO DE REFORMADOS, PENSIONISTAS E IDOSOS DA FREGUESIA DE CACILHAS-ARPIFC

Esta instituição particular de solidariedade social foi constituída a 7 de Fevereiro de 2003, tendo como objectivo global o desenvolvimento, a valorização e a defesa dos interesses dos reformados, pensionistas e idosos da freguesia de Cacilhas e a sua integração social na vida activa.

Desde Abril de 2005 que conta com sede própria, adquirida com o apoio da Junta de Freguesia, Câmara Municipal de Almada entidades publicas e privadas algum comércio local , amigos e iniciativas próprias.

Desenvolve actividades culturais (passeios a locais históricos, visitas a museus, idas a espectáculos, etc); artísticas (cursos de artes decorativas e bordados); recreativas (comemorações do mês do idoso em parceria com outras entidades); actividades ao nível da saúde (medição da tensão arterial e glicemia); actividades físicas adaptadas à terceira idade.

Rua Elias Garcia, nº 7 A
2800-279 Almada
Horário: das 9H. às 12H. e das 14H. às 18H., de 2ª Feira a 6ª Feira
Telefone: 210 889 489

11.3.10

No país dos mexericos, as agendas ocultas têm muita força.

Se conversar em privado com um amigo seu de há dez anos em tom descontraído, lembre-se que ele pode por sua vez contar essa conversa, também em privado, a um amigo com interesses e contactos, que não respeite nem a privacidade nem a confidencialidade pedida. Pelo contrário, contra a sua vontade e a sua interpretação, pode vingar outra bem distinta. A seguir, é só esperar para ver qual é o jornal de serviço à causa e assistir aos efeitos da sua imprudência ou confiança excessiva em quem não a mereça.
O eloquente exemplo do sentido institucional dos personagens de um caso assim, passado entre almoços e jornais, é hoje relatado pelo i. Num país que perdeu o sentido da dignidade das funções e a noção da fronteira entre o público e o privado, veja lá com que amigo vai almoçar hoje.
Houve um tempo em que havia sempre alguém à escuta. Mas, então, as pessoas acautelavam-se porque sabiam que não viviam em democracia nem num Estado de direito. Agora, que andam descuidadas, a  brincar, a brincar, entre dois copos de tinto, podem abrir a porta aos que não se importam de destruír vidas para servir as suas agendas ocultas.

Funcionários da cooperação britânica em missão têm residência oficial na blogosfera

O Rui descobriu que os funcionários de Sua Magestade em serviço overseas blogam e têm alojamento oficial na página do departamento de cooperação internacional. Enfim, uma boa prática e uma interessante experiência de administração aberta que nos dá a possibilidade de ver países muito diversos pelas lentes deste cidadãos britânicos. Coisas que não custam nada a fazer para quem queira e saiba pensar nelas.

Cheguei a vias de facto. Chegue também.

Não foi imediato, mas demorei pouco a chegar a vias de facto com esta gente de bem. Chegue também.

10.3.10

Marinho Pinto e a contra-reforma do Código de Processo Penal

Marinho Pinto por vezes é excessivo, mas na crítica que a Ordem dos Advogados aqui expressa à contra-reforma de Alberto Martins da reforma do Código de Processo Penal de Alberto Costa, a haver pecado seria por moderação de linguagem.
O Le Monde dá conta de que a crise não é geral: nos EUA, o ano de 2009 terá aumentado em 1 milhão o número de agregados familiares que dispõem de 1 milhão de dólares  de património (atingindo os 7,8 milhões) e chegaram aos 980 mil os lares com 5 milhões de dólares. (via Rui Almas)

9.3.10

Cidade (não) inclusiva: barreiras arquitectónicas confinam pessoas com limitações físicas às suas casas

Houve um tempo em que as cidades não eram pensadas para o uso do espaço público por todos. Felizmente, pensaria eu, esse tempo foi ultrapassado e todos estamos a fazer cidades inclusivas, abertas à diversidade e convidando todos ao usufruto do espaço público.
Mas as barreiras arquitectónicas constituidas têm que ser combatidas por uma actuação persistente e concertada nesse sentido. Em algumas cidades, elas são um dos grandes obstáculos à fruição da vida urbana por pessoas com deficiências e incapacidades motoras. Esta notícia de hoje do Jornal de Notícias reporta-se a um caso extremo e gritante em Almada, de um prédio rodeado de escadas por todo o lado (na foto), habitado por pessoas, nomeadamente idosas, com limitações físicas e que são, assim, confinadas às quatro paredes das suas casas.
Tenho dificuldade em ver como pode alguém ter uma boa justificação para a persistência desta situação e o que pode imnpedir que se congreguem as boas vontades necessárias para que haja o obviamente necessário acesso por rampa a estes prédios ou, melhor dizendo, o acesso por rampa dos cidadãos moradores nestes prédios à cidade em que habitam.

Em Almada há um prémio literário importante que devia mudar de nome e de âmbito

Estão abertas as candidaturas ao Prémio Literário Cidade de Almada. É certo que o nome do prémio já não representa bem o município que tem duas cidades e não uma (desde que a Costa da Caparica também é cidade). É mais certo ainda que, alternando entre poesia e romance, deixa de fora a escrita para teatro, o que é estranho numa cidade que ambiciona - bem - a ser uma grande referência do teatro a nível nacional.
O PS propôs as duas alterações no lugar próprio, ou seja, propôs que o prémio passasse a assumir o nome de um personagem do concelho de nível nacional (por exemplo Romeu Correia ou Fernão Mendes Pinto) e que passasse a alternar trianualmente, poesia romance e teatro.
Mas esta iniciativa, mesmo neste formato, vale a pena.

8.3.10

Imperdível (e não é por eu ser orgulhosamente parcial nesta avaliação).

(Chamber Orchestra Kremlin, Pineiro Nagy, Pedro Luis and Miguel Vieira da Silva, guitars)

Cabo Verde regulariza imigrantes ilegais

Num mundo onde as trocas são permanentes e se intensificam, receber imigrantes é um sinal de sucesso. Mesmo países que imaginamos essencialmente de emigração se tornam em acolhedores a braços com todos os problemas da imigração. É o caso de Cabo Verde que poderá ter hoje 10 a 15 mil imigrantes ilegais a trabalhar no seu território e que deu a semana passada o passo interessante e correcto de promover a legalização extraordinária de imigrantes ilegais oriundos da CPLP.

6.3.10

Um inequívoco sinal de fraqueza dos sindicatos da administração pública.

A recusa liminar por parte de todos os sindicatos da função pública de uma proposta de monitorização conjunta dos indicadores de adesão às greves é um inequívoco sinal de fraqueza
O campeonato dos números de grevistas é ridículo e descredibilizador de ambas as partes. Quando, na mesma greve, uma parte diz que as adesões estão abaixo dos 20% e a outra as coloca  acima dos 80%, não há discrepâncias metodológicas que expliquem a diferença. Uma das partes, por ter sido enganada ou por querer enganar, não está a falar verdade.
O Governo deu um sinal correcto de ter vontade de haver transparência nos índices de adesão às greves o que lhe confere o direito à presunção de que procura divulgar os factos com verdade. Já os sindicatos, deixaram-se colocar numa posição que nos dá a legítima suspeita de que tentam manipular os números.
Isso é bom para o sindicalismo? Acho que não. Já há demasiada gente convencida de que os sindicatos portugueses vivem de jogos de espelhos e reivindicam representatividades e fidelidades que efectivamente só têm parcialmente para que o desinteresse pela medição comum das greves possa ser entendido como coisa diferente do medo da verdade.

4.3.10

Garcia Pereira e o estado da justiça em Portugal


O político Garcia Pereira é insuspeito de simpatia por José Sócrates e faz o que pode para o derrubar, por isso esta denúncia pelo jurista Garcia Pereira do soviete do Ministério Público e da utilização político-mediática dos processos judiciais ganha um significado  acrescido. (via Câmara Corporativa, com os devidos agradecimentos)

2.3.10

Ferro Rodrigues e os 20 anos do Público: sem vénias

Eduardo Ferro Rodrigues saúda o Público pelos seus vinte anos sem vénias de circunstância nem vaias sectárias. Gostei da política vivida assim.

PS. Obrigado Miguel Abrantes, pelo link e por me ter feito ver como o tom predominante dos depoimentos demonstram que em política há mesmo muita falta de memória. Já que estou a citar frases célebres não deixo de lhe dizer que se prepare que, como hoje percebeu O Jumento ao ler o I, quem se mete com o PS leva, nem que seja com a Interpol.