18.12.13

Segurança social: de quem é a culpa se um pescador corre o risco de morrer afogado num tsunami?

A segurança social está em crise?  O Sindicato dos Professores da Grande Lisboa convidou-me a escrever o que penso sobre o tema, numa nova revista digital. O resultado está aqui (ver páginas 8 a 10). 

16.12.13

Parcerias metropolitanas e concorrência saudável entre grandes cidades

A parceria Porto-Matosinhos-Gaia revela o entendimento do que é uma grande cidade que Almada, que nunca viabilizou um entendimento com Lisboa, nunca conseguiu. E não, a culpa, pelo menos nos últimos anos, não foi de Lisboa, foi da estreiteza de vistas que tem governado Almada. Já que o PCP não deixou a capital antecipar-se ao eixo metropolitano nortenho, viabilizará uma saudável reacção concorrencial? 
Tenho dúvidas de que Judas se consiga libertar da ideia de que lidera uma aldeia gaulesa anti-capitalista, etc., etc.

13.11.13

Hipocondriacos, não percam o novo teste do colégio americano de cardiologia ao vosso risco de doença cardiovascular.

O Colégio de Cardiologia dos EUA emitiu novas orientações para o acompanhamento do colesterol que mudam do objectivo de ter um certo nível no teste do colesterol para a ´necessidade de avaliação do risco global de doença cardiovascular. Associadamente, disponibilizou um teste de risco de ter uma doença cardiovascular nos próximos dez anos e até ao fim da vida - fácil de preencher e numa simples folha de cálculo em excel - de que pode fazer download aqui. O meu resultado a 10 anos agradou-me, já quanto ao risco até ao fim da vida, fiquei menos optimista. Contudo, a disparidade quer dizer que há boas hipóteses de durar mais de dez anos se não arranjar outra fonte de problemas de saúde. Do mal o menos! Hipocondriacos que lêem este blogue, não percam o teste.

26.9.13

Também tenho uma narrativa sobre a crise

Estou a acabar um texto sobre os impactos da crise. Uma montanha de dados, quadros e gráficos depois, concluo que desde 2007 se apoiou os bancos, abandonou as empresas à sua sorte, castigou trabalhadores e pensionistas e, com tudo isto, o Estado ganhou... um monte de dívida que não honrará sem várias e profundas restruturações.
Já tenho uma narrativa sobre a crise. Longa vida a todos os que conceberam, trouxeram até nós e aplicam ainda tal estratégia. 

23.9.13

In memoriam António Ramos Rosa

Tudo será construído no silêncio, pela força do silêncio, mas o pilar mais forte da construção será uma palavra. Tão viva e densa como o silêncio e que, nascida do silêncio, ao silêncio conduzirá.

(Rosa, António Ramos, "Tudo será construído no silêncio, pela força do silêncio", O Aprendiz Secreto, Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2001, p. 11)

18.9.13

Síria e preocupações humanitárias: que opções?

Imaginemos que nos colocamos do ponto de vista estritamente humanitário e queremos diminuir o sofrimento humano do povo sírio sem escolher entre as duas opções de governo do país que parecem estar em cima da mesa. O que fazer? Esta nota de background, plena de informação, sugere que as intervenções militares de terceiras partes exacerbam esse mesmo sofrimento e provocam intensificação da acção militar e das violações de direitos humanos. A revisão da literatura que aí se faz não é optimista para os que se coloquem no problema do ângulo humanitário: intervenção precoce para prevenir o conflito (na Síria é tarde demais), actividades de monitorização e investigação (com os limites que tenha, a iniciativa russa sobre as armas químicas é inegavelmente um bom passo, mas absolutamente localizado), missões de garantia da manutenção de paz (estamos ainda longe desse estádio). Pode parecer cínico, mas quem se coloque estritamente no ângulo humanitário perante a questão Síria tem que esperar ou pela vitória total de uma das partes ou pelo efeito da estranha lei da natureza que provoca nos contendores cansaço e vontade de negociar num certo momento e estar preparada para agir. Podemos também querer ser parte no desfecho, escolhendo entre a expansão da influência das monarquias do Golfo e o eixo hegemonizado hoje pelo Irão. Mas isso já nada tem que ver com causas humanitárias, é escolher um lado e ir à guerra e intervir para que tenha um desfecho favorável, o que sendo legítimo é outra coisa.

9.7.13

Decisão talvez mais irrevogável que a de Portas

Se consegui passar toda a crise do Governo sem ter o impulso para escrever  um comentário sobre a irrevogabilidade da decisão de Paulo Portas, as mentiras parlamentares de Maria Luís e o sucesso dos lancinantes apelos de Passos Coelho, com excepção da nota patriótica do post anterior, só pode ser porque a veia político-blogosférica está pouco saliente. 
Aproveito a ocasião e tomo a decisão  de suspender as prosas que aqui verto desde os tempos em que era quase o único socialista a não louvar quotidianamente Sócrates.
A decisão não é necessariamente irrevogável, mas é capaz de demorar mais tempo a ser revista que a saída de Portas do Governo.
Bom Verão a tod@s.

3.7.13

O relógio da crise não parou

Quem avaliar o país pelos discursos de Passos Coelho, os gestos do CDS e os silêncios de Cavaco pensará que estamos a viver uma farsa. Mas como veremos rapidamente, perante o não cumprimento de compromissos com a troika, a falta de força para os renegociar e a dificuldade de gerar plataforma governativa simultaneamente viável, sensível e realista face à gravidade da situação do país, o risco que corremos é ainda o da tragédia. A curto prazo arriscamo-nos a ser todos gregos ou cipriotas ou um misto venenoso dos males de ambos.
Portugal precisa agora de um Presidente da República real e de um Parlamento de democratas que prepare o futuro sem deixar de garantir um Governo para amanhã e para a semana que vem. Oxalá ao menos os meus amigos do Largo do Rato se não esqueçam disso na vertigem do regresso ao poder. Precisamos de ir a eleições depressa, mas sem Passos nem Portas nem vazio governativo de meses. Governo de salvação nacional, forte e credível, já. O relógio da crise não parou.

1.7.13

RMG - 17 anos já é algum tempo

No dia 1 de Julho de 1996 o Rendimento Mínimo Garantido entrou em vigor sob a forma de projecto-piloto de base territorial. Lançavam-se as bases para as parcerias sociais que haveriam de frutificar noutras medidas e criava-se a peça que faltava no edifício da protecção social portuguesa. A quem à direita fez tudo para que a medida não nascesse invocando que uma vez criada seria irreversível há hoje que dar razão - era irreversível. A quem dizia que seria incontrolável, há que lembrar que as dificuldades do Estado como regulador andaram por outras bandas que não as sociais.
Em 1996 não sabíamos se o RMG sobreviveria. Mas sabíamos que era necessário. Não imaginávamos é que em 2013 ainda o fosse tanto. 
Entretanto mudaram-lhe o nome, mas que importa o nome? Também o desfiguraram um pouco, mas nada que a sensibilidade social e o bom-senso não consertem com facilidade, nem que seja só na próxima esquina da alternância.

11.6.13

Os polícias e os censores sempre foram maus semiólogos.

Sei por experiência própria que quando alguém escuta o que dizemos tem muita dificuldade em sair do seu quadro interpretativo pré-definido e ainda maior dificuldade em fazer leitura não literais e denotavas das palavras que ouve ou lê, para não falar da elevada capacidade de imaginação de contextos e sentidos alternativos para as palavras com que é confrontado.
Antes de o saber por essa terrível e inesperada experiência já o sabia por conhecimento histórico. A nossa história tem muitas histórias para contar de coisas inocentes que foram ditas e transformadas em factos de lesa-majestade por má interpretação (e em abono da verdade tem também uma boa colecção de casos de sentido oposto).
Os polícias e os censores sempre foram maus semiólogos. Isso devia ser razão suficiente para nos indignarmos e revoltarmos contra a tentativa de usar as capacidades tecnológicas para ver, ouvir e ler tudo o que todos os cidadãos dizem a respeito de tudo.
Temos necessariamente que correr colectivamente o risco de haver cidadãos espiados quando há causas prováveis de suspeita contra eles (mesmo assim garantindo que esse poder é limitado contra abusos). Mas se aceitamos que todos possam ser suspeitos de tudo sem que nada aponte para isso estamos a caminhar para um panóptico que por cada "mau" que apanhe destruirá a vida de centenas ou milhares de "bons".
Nada sei sobre as motivações do whistleblower do escândalo PRISM, mas sei que também não gostaria de viver numa sociedade que aceite a ideia de que há quem possa saber tudo sobre todos e que muito provavelmente essa sociedade caminharia inevitavelmente para a realização das utopias negras que conhecemos da literatura e da história, num tempo em que a tecnologia era infinitamente mais limitada.

Simple Minds, Mandela Day, Wembley, faz hoje 25 anos

Os Simple Minds foram a primeira banda a responder à chamada para o concerto de Wembley pelos 70 anos de Mandela, então preso há 25 anos. Foram também a única a compôr uma canção especialmente para o evento. Cantaram-na assim, faz hoje vinte e cinco anos.

9.6.13

Em Tavira, com Sérgio Mestre. Gostava de estar na vossa festa, pá.



2003 foi um ano para esquecer. Entre outras e muitas maldades, calou a flauta transversal  que brilhava discretamente em boa parte da música popular portuguesa pela mão do Serginho.
Conheci-o num espectáculo de solidariedade com a América Latina organizado por um grupo a que eu pertencia (o GSAL) e onde ele ia tocar com Vitorino, um dos que hoje se juntam em Tavira num festival com o seu nome.
Sérgio Mestre era um daqueles músicos que olham com displicência para tudo o que tem a ver com a vida comum dos mortais, apenas para se transfigurarem em algo perto da transcendência quando a música os penetra. O seu som continua por aí. Infelizmente não abunda na net, identificada como tal. Numa pesquisa rápida descobri apenas este cantinho no myspace, que não é representativo mas é ilustrativo.
A sua vida está também metaforizada na sua morte. Sentiu-se mal num concerto de homenagem a Adriano Correia de Oliveira, acabou o espectáculo e morreu. Se a morte lhe tivesse pedido opinião, era capaz de não ter escolhido um cenário muito diferente.
Gostava de estar na vossa festa, pá.

8.6.13

Reflexão turca: a força dos cidadãos quando se irritam

Quando o poder parece inderrubável e a oposição paralisada sobra a rua, alternativa aberta logo que faça faísca a junção de uma causa transversal ou difusa com a capacidade de um grupo de protagonistas inesperados para a corporizar.
Por  muitas cidades daTurquia as pessoas estão a protestar por causas distintas - as suas causas próprias - e contraditórias. Mas estão mobilizadas porque falharam os mecanismos institucionais da sua representação.
Os confrontos nas ruas são naturalmente muito mediáticos. Mas fora do 'olho do furacão' nas zonas de restaurantes, nos bairros residenciais, mantém-se um protesto urbano difuso. Conheço pessoas que não foram nem irão a manifestações e detestam o estilo dos manifestantes, mas querem unir-se à oportunidade de dizer basta a Erdoğan. Nem o querem derrubar, apenas o querem parar.  No meu bairro de Ankara todos os dias às 21 horas tachos e panelas se têm feito ouvir, as luzes dos apartamentos se acendem e apagam, os carros circulando na rua se unem num buzinão. Não são os  jovens de movimentos "ocupa" ou protestos organizados, apenas cidadãos irritados.
Pouco importa que a Turquia tenha eleições plurais e livres, que o partido no poder ganhou folgadamente várias vezes e dizendo ao que vinha, sufragando assim as suas opções. Um dia, a sensação de beco sem saída instala-se nas diversas minorias de que se pode fazer uma maioria ou pelo menos uma oposição forte. Se o poder não percebe de imediato o que está a passar, acaba por ser ele próprio a agregar os opositores e por quanto mais tempo o fizer, mais os slidificará.
Os protestos a que se assiste na Turquia existem porque o país é uma democracia e não por não o ser. Mas uma democracia que não foi capaz de institucionalizar as clivagens geradas pelo actual governo, com a oposição amarrada a uma ordem institucional em boa medida antidemocrática ou, no outro extremo, à divisiva questão curda. Uma oposição que tem sido incapaz de protagonizar futuros alternativos para a nação turca.
Em que terminará esta vaga de protestos? Ninguém sabe, até porque eles são movidos pela energia do descontentamento e não - ainda? - por cadernos reivindicativos precisos. Os manifestantes pararão quando sentirem que conseguiram travar o Governo. Mas os desafios do Primeiro-Ministro e a sua retórica agressiva fazem parte do combustível que alimenta o descontentamento. Sente-se que há quem pressione dentro do poder para um recuo táctico que os desmobilize (e que pode ainda vir mais que a tempo). Talvez tudo venha a acabar com um gesto do Presidente da República.
Aliás, a batalha mais importante de Erdoğan e do seu partido, neste momento, são as presidenciais de 2014 que nem ele espera perder nem ninguém até à semana passada achava possível que perdesse. Mas o excesso de auto-confiança de um homem que construiu a sua carreira vencendo batalhas impossíveis pode deitar tudo a perder, se não tiver capacidade táctica para gerir esta crise.
O que se passa então na Turquia? Excesso de auto-confiança de quem governa, convicção de que tem hegemonia total e incapacidade de gerir as clivagens que as suas próprias reformas criaram, ausência de oposição capaz de enquadrar o descontentamento. Esquecimento de que a ausência de alternativas alimenta as reacções mais extremas.
Estes protestos não nasceram para durar tanto. mas ninguém sabe onde acabam crises mal geridas.

26.5.13

Amigo em Lisboa. Hoje.


Vicente Amigo está hoje em Lisboa num concerto que incluirá  temas do album Tierra, gravado nos estúdios de Mark Knopfler com músicos dos Dire Straits e produção de Guy Fletcher. A ver.
No momento em que escrevo vejo que a sala está longe se estar cheia a poucas horas do início do espectáculo. Sinais da crise...

24.5.13

Que terá passado pela cabeça de Sócrates e do seu bando de despesistas em Setembro de 2008? Este gráfico do BCE ajuda a perceber

O texto que publiquei no post com este título a 24 de Maio de 2013 baseava-se num erro que lamento.
O gráfico publicado era referente à zona euro e não a Portugal - como podia ver quem carregasse no link para a fonte que o post continha -  e os comentários nele escritos foram induzidos por esse erro.
Peço desculpa pelo lapso cometido e pelos erros de outrem que possa ter induzido e comprometo-me a redobrar no futuro a vigilância sobre a qualidade da informação aqui publicada.

Alertado para desconfomidade das interpretações feitas com os dados de Portugal por leitores atentos a quem agradeço, optei por apagar o texto porque não faz sentido fazer perdurar um erro podendo corrigi-lo e por publicar o verdadeiro gráfico para Portugal em vez de simplesmente apagar as referências erradas.
Os dados sobre a dívida pública de Portugal disponíveis no site do Banco Central Europeu a 26 de Maio de 2013 são estes:



data chart


Esta série demonstra que a dívida pública portuguesa teve uma tendência estável desde a adesão à União Europeia até ao Euro, oscilando entre os 50% e os 60% do PIB. Mostra também uma tendência de agravamento desde a entrada no Euro. Até 2008 a dívida pública subiu para 71,7% do PIB. Mas apenas em  2008 se entrou  numa tendência de subida vertiginosa: 83,7/% em 2009; 94,0% em 2010, 108,3% em 2011 e 123,6% em 2012.
Mantenho a pergunta: que passou pela cabeça de Sócrates e do seu bando de despesistas em 2008? Concerteza que a falência da Lehmann Brothers em Setembro desse ano é uma explicação mais rigorosa e adequada que as alternativas que circulam por aí.
E também é claro que a dívida ainda não parou de subir vertiginosamene desde que começou o famoso programa de ajustamento que visa precisamente reduzi-la. As estimativas acolhidas pelo BCE são de que mantenha acima dos 120% do PIB, muito acima dos 67,4% de 2007, já com mais de dois anos de governo de Sócrates.

 




Porque não podia este Conselho de Estado ter sido público?

Leio via Estrela Serrano que Lobo Xavier declarou a incompatibilidade entre comentador político e conselheiro de Estado. E concordo com ela que devia ser óbvio para os próprios conselheiros visados pela crítica e para o Presidente que houve à volta desta reunião comportamentos que num país a sério teriam consequências.Mas penso que devemos também analisar a transformação do papel do Conselho de Estado que Cavaco Silva está a operar.
Recorde-se que o  Presidente da República usou o Conselho de Estado para forçar o governo a recuar na TSU, transformando-o então numa espécie de câmara alta do diálogo social e que convocou esta reunião expressamente para falar sobre matérias no âmbito da acção governativa e da formação de maiorias parlamentares.
Para a estratégia política de Cavaco, a mediatização do Conselho de Estado nem é má. O Presidente não tomou nenhuma decisão mas sabemos que pondera cenários de queda deste governo e que quer condicionar a estratégia económica do próximo.
Sendo o Conselho de Estado convocado pelo PR para tratar de assuntos correntes do debate político e não de supremos e complexos problemas do Estado porque não havia, afinal, de ser público?
Bem sabemos que não é para isto que o Conselho de Estado existe, mas é o que dele está a ser feito.

23.5.13

Um verão político frio no Irão

A semidemocracia iraniana sob controle do clero xiita é um regime em que coexistem fortes mecanismos de cooptação e elementos de pluralismo político.
Os elementos de pluralismo têm sido usados pelos eleitores para dar sinais ao clero: escolheram uma vez o reformista Khatami, mobilizaram-se contra a reeleição de Ahmadinejad.
Agora, o Supremo Líder cortou o mal pela raíz. Nas próximas eleições iranianas não há riscos. O candidato reformista Akbar Hashemi Rafsanjani, embora seja um ex-Presidente da República e o candidato populista Esfandiar Rahim Mashaei , embora seja um ex-Vice-Presidente, foram eliminados das listas de candidatos.
Diz-se que a liderança actual da revolução iraniana teme acima de tudo uma perestroika que devastasse o regime e fará tudo para o evitar.
O próximo passo consiste em tentar reduzir o eleitorado iraniano à apatia, dando aos candidatos aprovados para as eleições de 14 de Junho o mesmo pluralismo que têm as candidaturas a deputados em Cuba. Veremos com que sucesso. Mas, contrariamente à percepção generalizada, há no Irão mais sementes de cultura democrática do que parece. Se está longe um verão quente persa, a tentativa de congelar as eleições presidenciais é tão ostensiva que este Verão demonstra que o regime dos Ayatollahs sente que atingiu o Outono.

22.5.13

O Conselho e o estado do país


Os membros do Conselho de Estado estão obrigados a dever de sigilo, mas não é isso que impede que um deles tenha feito num programa televisivo a divulgação em exclusivo da sua convocação ou que o Público tenha conseguido fazer a acta da reunião.
A dita acta é, contudo, reveladora do rumo do actual Presidente da República, que terá tentado utilizar o órgão para numa reunião selar nada mais nada menos que um compromisso estratégico de médio prazo sobre política económica.
A ideia de um compromisso estratégico é sempre tentadora, mas quando abrange áreas centrais da acção governativa tem que ser bem gerida e melhor ponderada. Se é possível, em tese, pensar num compromisso desse tipo, é necessário julgar quando, como e onde fazê-lo. E Cavaco Silva errou nos três requisitos.
Não é este o momento para expressar convergências de política económica futuras sobre o que fazer a um país que ainda não se sabe quanto vai estar destruído - ou reconstruído, conforme as opiniões - por anos de austeridade intensa num processo gerido unilateralmente pelo Governo, sem qualquer negociação interna da terapia adoptada e tendo alienado todo e qualquer eventual apoio para a sua orientação. Não pode razoavelmente esperar-se que os protagonistas de um conflito como o que percorre a política nacional nesta altura renunciem por magia às suas divergências.
Não é este o método para gerar tal consenso. Aparentemente houve alguém que julgou que sem intensas reuniões bilaterais e multilaterais, sem concessões mútuas, sem aproximação de posições, se pode em uma volta à mesa e em poucas horas abrir e fechar um processo que culmine num consenso sobre o rumo estratégico do país. Se esse alguém não foi o próprio Presidente devia ter sido imediatamente convidado a mudar de funções por tão desastrado conselho.
Não é este o lugar para tal compromisso. Se esta não é matéria para ser discutida essencialmente entre partidos e buscando convergências parlamentares, não vejo que outra o seja. Muito provavelmente tal acordo estratégico significaria a renúncia a diferenças significativas entre os seus subscritores, o que pode bem levar a acordos de governo ou provavelmente a pactos que condicionem as orientações parlamentares.

Cavaco Silva pode bem pensar que o Primeiro-Ministro e o líder da oposição são ainda e só os jotinhas que patrocinava no Conselho Nacional de Juventude  quando era Primeiro-Ministro. Ou pode já ter suspendido no seu espírito o funcionamento da democracia e imaginar que o Conselho de Estado se apropriou da condução da acção política. Pode acreditar nos seus próprios discursos e pensar que Portugal apenas terá um governo e uma linha política, seja quem for que ganhe as eleições. Mas nos três casos estará a viver uma ilusão. Seja como for, o seu papel na gestão da actual crise está nesta fase entre o negligenciável e o prejudicial para a adequada relação entre agentes políticas e instituições democráticas.
Se a acta do Público é fiel, o Conselho de Estado demonstrou, algo pateticamente, que Portugal tem um Presidente da República incapaz de perceber as tensões actuais no sistema político e que atingiu o limite da incapacidade para gerar equilíbrios e moderar divergências. Não é o maior dos nossos problemas, mas é um que se dispensava.
Se a acta do Público não é minimamente fiel, como as suas fontes são inevitavelmente os Conselheiros, então fica demonstrado mais uma vez que somos um país de opereta, que envolve ao mais alto nível quem nem respeite as instituições nem se respeite a si próprio.
E, claro, está em qualquer dos casos demonstrado que os altos magistrados políticos do país, tal como os de outras instituições se aceitam reduzir a quadrilheiras de serviço da voracidade informativa dos media. Imaginem por um segundo como seria o mundo se Obama não pudesse reunir com os equivalente do nosso conselho de Estado sem temer um relato, verdadeiro ou romanceado, nos jornais dos dias seguintes.

16.5.13

Os perigos de ler a Constituição

Houve um tempo em que se entendia que era perigoso que o comum dos mortais lesse a Bíblia. Chegou em Portugal o momento de um deputado com elevadas responsabilidades achar que a Constituição não está ao alcance das mentes jovens. O livre arbítrio incomodou muita gente ao longo dos tempos.

15.5.13

A Casa Civil adormecida

Quando se tornou notícia que o presidente do Governo Regional dos Açores não estaria no Conselho de Estado marcado para 20 de Maio por motivos de agenda, ouvi dois tipos de comentários. Tinham em comum acharem que a agenda era um pretexto para faltar à reunião. Uns, aplaudiam a decisão. Outros achavam uma falta de respeito pelo Presidente.
Quando verifico que 20 de Maio é o Dia da Autonomia, vejo que o Presidente do Governo da Região Autónoma foi apenas polido na invocação de motivos de agenda, dado que parece absolutamente óbvio que não falte às comemorações regionais desse dia.
Atendendo a que o assunto em agenda no Conselho de Estado, sendo importante não é urgente, ou o Presidente marcou de propósito a reunião para um dia em que o representante açoriano não pudesse estar, o que nem em dia de delírio conspirativo me passaria pela cabeça, ou ninguém na Casa Civil nem no secretariado do Conselho de Estado deu por ela. o que me parece bem mais provável. Provável, mas não justificado, porque os portugueses não esperam que o Presidente tenha uma Casa Civil adormecida. E quem pratica estes lapsos pode um dia com facilidade deparar-se com erros protocolares catastróficos.

10.5.13

Princípio da igualdade - a hora da vingança de Passos Coelho

Recorreram ao Tribunal Constitucional para defender os funcionários públicos usando o princípio da igualdade? Pois levam com um corte em pensões atribuídas a funcionários públicos e tudo o indica invocando o mesmo princípio para o fazer.
Quando começou a dança da inconstitucionalidade dos orçamentos por violação do princípio da igualdade avisei alguns amigos das leituras perversas que se poderia fazer das comparações medida a medida entre trabalhadores do sector privado e funcionários públicos. Os meus amigos, em geral, não acreditaram que se pudesse ir por aí. Eis a vingança de Passos Coelho, em relação aos funcionários públicos, aos partidos da oposição e ao Tribunal Constitucional.
Já tinha falado de despedimento e horário de trabalho. Agora são as pensões. Decididamente, o Primeiro-Ministro enveredou por uma estratégia de confronto aberto e de aprofundamento de todas as clivagens possíveis. E vai seguir a táctica velhinha do dividir para reinar, confiando no instinto de que não dizemos nada enquanto estiverem a levar os judeus e até podemos aplaudir que tirem algo a alguns desde que não o façam a nós.
Já caíram muitos governos por menos em muitos países e em muitos momentos da história. E, como diz, Miguel Abrantes, é a hora da verdade para Paulo Portas. Mas, meu Deus, o futuro da coesão social em Portugal está depositada no sentido de solidariedade de Paulo Portas?

Não se pode rever a Constituição? Congela-se. Sobre os contratos de trabalho propostos pelo Governador do Banco de Portugal.

Em Portugal há um conjunto de garantias constitucionais que têm bloqueado em última instância intenções de liberalização absoluta das relações de trabalho. Há muita gente que gostaria de ver esse bloqueio constitucional removido mas se sabe impotente para tal enquanto não houver uma alteração substancial da relação de forças políticas, mudança de ideias maioritárias na sociedade ou capacidade para convencer o PS a abandonar o apoio a esses preceitos.
Os defensores da liberalização das relações de trabalho descobriram agora uma nova estratégia para atingir os seus propósitos, a qual consistiria num novo dualismo na sociedade portuguesa, entre os que beneficiam do sistema social que construímos e os que a partir de um momento determinado no futuro imediato ficariam fora dele.
Essa estratégia ecoa nas palavras do Governador do Banco de Portugal. Este escolheu muito apropriadamente uma iniciativa da Confederação da Indústria Portuguesa para pronunciar a seguinte frase:

«Sem correr o risco de cair no vício do contrato permanente, há que imaginar um novo contrato com muito mais flexibilidade e muito mais qualidade do que o contrato a prazo, que permita garantir uma relação estável, mas também não constitua um retorno ao passado»

Esta frase é um programa político inteiro que vale a pena analisar.
Repare-se que o senhor Governador trata o contrato sem termo como um inimigo, sem ambiguidades. Chama-lhe vício e considera a sua defesa um retorno ao passado. Ora, o contrato permanente foi, é e será a forma predominante do contrato de trabalho em todas as economias capitalistas. O que varia são as garantias que lhe estão associadas e a facilidade ou dificuldade de o modificar ou fazer cessar.
O senhor Governador não o ignora e ao associar os nossos contratos sem termo a um vício está apenas a criticar a sua regulação, isto é a Constituição e a legislação do trabalho e a apelar a que nos "libertemos" de uma e outra..
Como o Governador gostaria que o país tivesse um contrato permanente à americana que possa terminar a qualquer momento, com procedimentos simples e custos reduzidos ou nulos para o empregador, mas sabe que não tem força política para rever a Constituição, passo necessário para prosseguir o seu caminho, propõe o que seria  uma originalidade portuguesa, a de ter no futuro os seus trabalhador concentrados numa forma periférica de trabalho, mantendo o contrato que hoje conhecemos para uma minoria, mais velha, que não tardaria muito a ser vista como um grupo de privilegiados e inadaptados aos novos tempos. É habilidoso e uma forma de esconder o essencial - a impotência para fazer o que pretende pelos meios de que gostaria.
O senhor governador revelou-se também um político com domínio da arte do "welfare retrenchment". Uma das técnicas usadas para este fim, identificada por Paul Pierson num estudo célebre sobre os governos de Reagan e  Thatcher  foi aquela que chamou de divisão dos atingidos. Ou seja, a fixação de novas regras, penalizadoras, mas que atingem apenas alguns, bem definidos, aliviando ou desmobilizando os que não atinge. Como a proposta se aplicaria apenas aos novos contratos, os trabalhadores do núcleo duro da força de trabalho actual, também os que constituem o que resta das forças sindicais no sector privado, não teriam por que se preocupar, dado que seria um problema dos outros.
Finalmente, o senhor Governador demonstrou ser um bom dissimulador. Querendo introduzir uma versão muito enfraquecida do contrato sem termo fez de conta que estava a  propor uma versão enriquecida do contrato a termo. É uma estratégia inteligente de marketing político. Ou ele ou o seu spin doctor ou ambos são bons nisto.
As declarações do senhor Governador estão inseridas na catadupa de acções de terrorismo verbal em que, como bem identificou Estrela Serrano, estamos a receber todos os dias, como se fosse muito natural, bombas-relógio discursivas e dirigidas a adquiridos fundamentais do nosso pacto social.
Mas, neste contexto, o senhor Governador do banco de Portugal, inovou. O caminho que propõe é talvez o mais consequente de tudo o que se ouviu até hoje.
Não se pode rever a Constituição? Congela-se. Encontra-se formas de a contornar atingindo um número crescente de pessoas até que seja apenas um texto.Quando o senhor Governador diz que os contratos sem termo são um vício está a dizer que não concorda com uma das bases fundamentais do nosso edifício social. E quando diz que são um regresso ao passado, está a referir-se à constituição de 1976. Aliás, está mesmo a referir-se a um edifício que começou a ser construído já pela legislação laboral do marcelismo. Nessa recusa de regresso ao passado, o que o governador propõe é um  salto em direcção ao futuro que nos deixe algures no séc. XIX.

A flexibilidade que o senhor Governador defende é a que foi há muito denunciada pela frase "entre o fraco e o forte é a lei que liberta e a liberdade que oprime". O seu autor? Muitos pensam que é Brecht e outros que é o próprio Marx, mas é Lacordaire, francês da primeira metade do séc. XIX, padre católico, dominicano e político liberal, dos antigos.
O vício que incomoda o Governador e o regresso ao passado que quer evitar tem um racional ideológico, o da assimilação do trabalho a uma mercadoria regulada tanto quanto se consiga exclusivamente pela lei da oferta e da procura. É uma perspectiva enviesada pelo lado do patrão nas relações de poder e pela utopia (que já se revelou negra) da utopia do mercado pleno. Karl Polanyi já explicou há muito como esta forma de entender a economia fez parte do movimento que levou a Europa ao desastre nos anos trinta. Foi contra tudo isso que por toda a Europa se construíram instituições de mercado de trabalho que garantissem a especificidade do trabalho como actividade humana. Instituições que terão que ser reformadas, mas que será terrível se forem arrasadas.
Admito que o Governador esteja apenas preocupado com a solução para controlar uma rigidez excessiva da nossa legislação em certos aspectos. Mas, então, sem subterfúgios e truques de político imediatista, discuta-se abertamente a questão de fundo, aponte-se o que se acha errado na Constituição e na lei e construam-se as convergências para o resolver, na concertação social e no Parlamento.
A técnica implícita na proposta do governador é democraticamente reprovável.  Assenta na ideia de que podemos contornar a falta de consensos com uma habilidade institucional que crie factos consumados. Estou, aliás, convencido que o abuso dessa técnica ajudou a desresponsabilizar oposições por reformas necessárias e a aumentar a erosão dos governos que inventam medidas que escondem o que pretendem e criam factos consumados que as pessoas sentem depois de os viverem como enganos.
 


9.5.13

O fumo, o fogo, a montanha, o rato e o monstro. e porque não vamos atrás dele?

Conhecendo bem os efeitos devastadores que pode ter o adágio popular de que não há fumo sem fogo, nomeadamente quando aplicado à reputação de uma pessoa, recordo, a propósito de recentes notícias sobre casos judiciais e antecipando o uso de outro adágio, que, quando a montanha pare um rato, muitos presumem que a monstruosidade acontece no passo que leva da montanha ao rato mas o monstro se esconde frequentemente por trás da invenção da montanha. Que é, aliás, uma montanha de fumos espalhados pelo dito, apenas para que nos convençamos que há fogo. E porque nunca correms atrás do monstro? Medo, inacção ou má consciência por o termos alimentado no sono da nossa razão?

It takes two for tango (2) - o savoir-faire que lhes falta

O Reino Unido tem pouca experiência de governos de coligação e um sistema eleitoral que faz a sua formação ser algo de extraordinário. E tem, como Portugal, um governo em que o junior partner tem que lutar para garantir a sobrevivência do seu partido à crise de impopularidade do governo. Dá-nos por isso, boa oportunidade de comparação de comportamento.
A comparação entre o tratamento da discórdia sobre a questão da taxa sobre as pensões em Portugal e a reforma do número de crianças por sala nas creches no Reino Unido é esclarecedora.
Enquanto em Portugal tivemos um Primeiro-Ministro a anunciar solenemente que ia tomar uma medida, que na 25ª hora o seu parceiro de coligação diz, dramatizando, que quer fazer não acontecer, como se  trata ma discórdia do mesmo calibre na coligação do Reino Unido? Lá, "a BBC soube" que Nick Clegg fez saber nas reuniões preparatórias da medida que não apoiaria o plano. Por isso, "Whitehall", querendo dizer em abstracto e genericamente o Governo, está a à espera que o Primeiro-Ministro comece as negociações com o parceiro de coligação a ver se ele muda de posição. Entretanto, o porta-voz do líder dos Liberais-Democratas, declara, prudentemente que ele "ainda tem que ser convencido" da medida e que "a discussão continua". Já todos sabemos, com naturalidade, que há diferença de opiniões. E todos sabemos que alguém vai ter que recuar. E nenhum de nós sabe quem vai ser nem a troco de quê. Mas não houve episódios de opereta, com anúncios dramáticos em declarações ao país ou conferências de imprensa encenadas para maximizar o efeito da discórdia.
Porque não é assim que estas diferenças se tratam na coligação portuguesa de direita? Em grande medida porque a negociação política exige esforço e competência, requer o savoir-faire que lhes falta.

8.5.13

O enternecedor gosto pelo risco dos prestamistas modernos e o sucesso da nossa colocação de dívida pública

Emprestar dinheiro aos Estados costumava ser uma tarefa de alto risco. Conferia influência, podia ser um seguro de vida para uma minoria perseguida, mas também ligava o prestamista aos destinos do soberano. Agora, como evidência do gosto pelo risco dos empresários modernos, emprestar dinheiro aos Estados pode ser, como está agora a ser com Portugal, uma actividade em que um banco pede ao Estado (o BCE) para emprestar ao Estado (Portugal), paga o que pede a 0,5% e consegue cobrar 5,6% de juros.
E consegue esta margem emprestando dinheiro europeu a um país europeu, a um país que não está nem estará em guerra, está inserido numa zona monetária poderosa, sob governação condicionada à garantia do cumprimento dos compromissos externos e sob grande pressão internacional para honrar as suas dívidas até ao último cêntimo. O gosto das empresas modernas pelo risco é enternecedor.
 Responder-me-ão que há em Portugal risco de default e é esse que é medido pela taxa de juro que pagamos. É verdade. Mas esse risco não é independente da política do "nosso" Banco Central ser indiferente à saúde da nossa economia e da nossa capacidade de gerar emprego. A administração do condomínio monetário em que temos uma pequena fracção não quer saber das brechas na parte comum do edifício que nos pertence. E essa indiferença pode custar-nos, por exemplo, 1500 milhões de euros em 10 anos, só num empréstimo de 3000 milhões.
Em cada empréstimo com um diferencial de 5% entre os custos que nos cobram e os custos que o "nosso" banco central cobra a quem nos empresta, os erros de gestão do nosso condomínio monetário estão a ser pagos por nós. Quando a crise acabar e se alguém se der ao trabalho de comparar o diferencial de taxas entre o que o BCE praticou a quem nos emprestou e o que quem nos emprestou praticou em relação a nós, poderemos fazer o balanço de quanto a administração da União Europeia tirou dos bolsos das famílias portuguesas para entregar aos agiotas apátridas que presidem a bancos de não importa que nacionalidade.
Mas isto só muda mudando a União Europeia e criando um mecanismo que faça quem a governa ser responsável perante todos os Europeus e não apenas por uma fracção deles, fracção essa que pode até pensar que a sua fracção do condomínio  - já de si a mais espaçosa e confortável - não meterá água, nem sequer quando o prédio ameaçar ruína.
Já ouço à minha direita o aviso de que o BCE não tem mandato para o que pressuponho. Pois não. Uma das características da política é adaptar os mandatos das instituições sob responsabilidade pública à resposta às necessidades relevantes da sociedade. E se a Europa não está numa situação em que as instituições não estão a responder às necessidades sociais, então está em que situação?

It takes two for tango - mas têm que se coordenar





Dentro de certos limites, todas as coligações têm tensões, divergências, dificuldades. Não há par que dance o tango sem quaisquer sobressaltos. E nessa medida, só o facto de nos termos habituado a ter governos monolíticos nos faz exigir ao actual Governo que funcione a uma só voz, como se fosse um grupo de ajudantes do chefe e não houvesse espaço para a expressão de divergências sem quebra de solidariedade.
O que surpreende na coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas é que desde o princípio que funciona na base da ostentação dessa divisão e da ausência de mecanismos de concertação que a protejam da crueza dos seus desacertos. Recorde-se que logo na abertura da legislatura Passos não nomeou Portas para o Conselho de Estado, Portas inviabilizou pelo voto a eleição de Nobre para Presidente da Assembleia da República e Passos impediu Portas de ser - como era expectável - o Nº 2 da hierarquia do Governo. O que é anormal é que ao fim de todo este tempo, a coligação que nos governa não tenha encontrado mecanismos normais de canalização - e divulgação - das diferenças de opinião e continue a não ter uma metodologia de funcionamento que lhe permita ter unidade na acção.
Ao fim de não sei quantas maratonas de Conselho de Ministros, Passos comunica solenemente ao país a sua solução para fechar a 7ª avaliação da troika. O que faz Portas? 48 horas depois diz que um elemento não menor da comunicação de Passos não pode ser adoptado porque passa os seus limites.
Não é razoável que Passos ignorasse que estava a ultrapassar os ditos limites. E não é aceitável que recue depois de Portas falar em público se não esteve pronto para o fazer antes, sob pena de ser um Primeiro-Ministro sob chantagem na praça pública (ainda que eu aplauda se ele abandonar a medida) e Portas já saber o que tem a fazer para conseguir o que quiser.
Se as descoordenações numa coligação, dentro de certa margem, são aceitáveis, a este nível e com este formato aproximam-se de descredibilizar uma instituição fundamental que dá pelo nome de Governo da República. Ao pé do que se passa entre Passos e Portas, as trapalhadas que envolviam, salvo erro, Gomes da Silva e Henrique Chaves no governo de Santana Lopes parecem episódios de total irrelevância.
Se tivéssemos um guardião eficaz do bom funcionamento das isntituições, este episódio - do vamos introduzir uma taxa, não vamos não senhor, então vamos estudar se há alternativa - a que assistimos entre Passos Coelho e Portas tinha que ter consequências.
Esta divergência não é sobre um assunto da governação corrente mas sobre um aspecto estratégico do modelo de ajustamento prosseguido pelo Governo. Nem sequer é sobre algo que se possa fazer de conta que se faz (ou que não se faz). Ou vai ou não vai haver taxa. Alguém vai perder a face na praça pública. Ou quem disse que ela era indispensável ou quem disse que ela era inaceitável. Palavras ditas, deixou de haver meio-caminho,
Até que Portas ou Passos Coelho percam a face recuando sobre posições públicas totalmente contraditórias, os portugueses não têm unidade de comando no Governo, mesmo tendo pessoas a assinar diplomas legais.
Depois de um deles recuar, seja qual for, uma democracia saudável estaria de novo sem governo até que o PSD encontrasse outro Primeiro-Ministro ou outro parceiro de coligação, ou houvesse eleições.
Se depois deste episódio tudo fica no seu lugar, fica demonstrado que a crise em Portugal tem uma faceta nova, a de crise de dignidade das instituições democráticas. E esta última está completamente nas mãos do Presidente da República evitar. Mas não há razões para ter esperança que ele o faça. Pior, às tantas ainda o vemos a tomar posição no caso da taxa, para um lado ou para outro.

4.5.13

Em matéria de pensões, o Governo tem a ideologia aos comandos

Dizer que a Adminsitracao Pública Central teve em 2012 um défice de 7,1% do PIB e a Segurança Social um excedente de 0,2% (ver p. 21 do Doc de Estratégia Orçamental) é evidência suficiente de que a focalização do Governo nas pensões é ideológica? E se acrescentarmos que a projecção de longo prazo da União Europeia é de que o peso das pensões no PIB em 2060 será apenas 0,2% superior ao que era em 2010 (p. 38 do DEO)? O Governo, preguiçoso para reformar o Estado ou melhorar a cobrança de impostos não hesita em prejudicar a confiança na segurança social cortando de facto pensões, criando a ideia que aí residem os desequilíbrios da despesa pública e ameaçando pessoas cujas vidas não podem voltar para trás com o espectro de um empobrecimento inesperado e injusto. Só há duas formas de olhar para o seu comportamento. Ou está tão obcecado pelo curto prazo que é incapaz de avaliar os efeitos destrutivos de longo prazo da sua acção. Ou é capaz de os avaliar e quer aproveitar esta conjuntura para alimentar uma deriva liberal do nosso modelo social,usando a crise para disfarçar o lobo de Capuchinho Vermelho. Se houvesse Ministro da Solidariedade Social, o que se anunciou hoje não era possível. E se houvesse partido democrata-cristão no Governo também não. nem sequer era preciso que houvesse por lá pessoas com coração que batesse à esquerda.

3.5.13

A Máquina Especulativa fora da zona de conforto

O Porfírio foi para Tóquio. Se eu tivesse um jornal ou uma revista tentava persuadi-lo a escrever sobre a experiência que por lá está em curso de combater a crise com a terapia oposta da nossa. Como não tenho peço-lhe só que  nos vá mandando postais ilustrados do Japão se a inteligência artificial lhe deixar tempo para isso.

1.5.13

Os ministros devem poder ser como os melões, que só se conhecem depois de nomeados?

As performances parlamentares de Vítor Gaspar, de que o "eleito coisíssima nenhuma" é exemplar, deviam fazer o sistema político pensar na necessidade de introduzir audições parlamentares prévias à nomeação aos candidatos a ministros. Talvez alguns desistissem, mas sobretudo os restantes tivessem que estudar alguns princípios fundamentais que lhes orientassem o discurso político e nos evitassem ser agredidos com frases antidemocráticas dos que exercem o poder em nosso nome, queiram-no eles ou não e gostemos nós deles muito, pouco ou nada.

27.4.13

Se fizermos o que sempre fizemos, teremos o que sempre tivemos

Em 1988 entrei para a Comissão Nacional do PS, por indicação de Vitor Constâncio. Era então o seu mais jovem membro eleito em Congresso.
Fiquei por lá estes 25 anos, em que dediquei com maior ou menor intensidade uma parte da minha vida quotidiana à actividade partidária.
Há dois anos achei que o contributo que poderia dar para a cidadania activa deveria mudar de natureza, mas entendi também que deveria ter o meu nome ao lado de Francisco Assis, que apoiei e foi derrotado, até ao fim da sua candidatura. Não era o momento de sair completamente. Pedi-lhe apenas para sair da Comissão Política.
Agora, com o partido coeso em torno do seu Secretário-Geral eleito quase por unanimidade, iniciando verdadeiramente a caminhada do novo ciclo e preparando-se para o regresso ao poder, é o momento para serem dirigentes partidários aqueles que farão a alternativa que o PS propõe ao país.
Penso que quando como agora
se começam as caminhadas vitoriosas, é o momento natural para alguns saírem e outros entrarem.
Foi por isso que já há alguns dias fiz saber a quem foi mandatado para tratar do assunto que não queria ser indicado de novo para os órgãos nacionais do PS. É por isso que digo agora que o meu empenhamento político próximo passará pela energia que tiver e puder dar para que a esquerda se repense, o que farei fora dos palcos da acção partidária e acreditando que o país só muda para melhor, só sairemos da crise com mais progresso, liberdade e igualdade, se os partidos da esquerda mudarem.
Como diz um provérbio não sei de que origem, se fizermos o que sempre fizemos, teremos o que sempre tivemos.

20.4.13

O senhor diálogo social deixa a liderança da UGT

A liderança de João Proença foi marcante ao ponto de se confundir o líder e a central e não ser fácil saber onde começava e acabava a pressão de qual sobre qual.
A recente greve geral em que o sindicalista João Proença fez greve porque o seu sindicato a convocou, assim como a maioria dos sindicatos filiados na UGT, apesar de o Secretário-Geral João Proença se demarcar dela com palavras duras talvez tenha demonstrado que a fusão entre o homem e a organização tinha atingido limites paradoxais, mas." também simboliza a dificuldade das tarefas do sucessor.
Goste-se ou não do estilo, João Prornca foi o senhor diálogo social em Portugal nas últimas décadas. Nenhum acordo se fez sem a UGT, nenhum governo -excepto o actual - ousou governar sem ela ou contra as suas posições.
Contudo, quando João Proença assumiu a liderança não era o único a ambicioná-lá e tudo apontava para a insustentabilidade da subsistência da UGT como actor relevante. Tinha a sua imagem externa comprometida por suspeitas de fraudes com fundos, estava financeiramente estrangulada por dívidas, uma parte significativa dos seus dirigentes históricos tinham abandonado a actividade sindical . O próprio João Proença viu-se politicamente forçado, nas eleições de 1995 a desistir da histórica candidatura a deputado pelo PS.
Proença porfiou, terá cooptado e excluído, o "animal feroz", férreo, intrépido e implacável que surge por trás do ar simpático, fatigado e algo negligé fez vítimas pelo caminho. Mas João Proença foi sempre coerente na estratégia de defesa dos trabalhadores em que acredita, baseada em diálogo e influência. E foi sempre leal ao valor do diálogo. Pessoalmente, recordarei sempre que salvou um acordo comigo na concertaçao com um telefonema no último minuto.
A UGT é filha, como dizem alguns, da guerra fria ou, pelo menos, da reacção necessária - acho eu - à hegemonia radicalizada no PREC do PCP sobre a CGTP. A UGT é a única instituição portuguesa que subsiste em regime de Bloco Central. A UGT tem enormes fragilidades no sector industrial. Mas João Proença fez dela uma voz que continuou a contar contra todas as tentativas de a destruir, para alegria de alguns, incómodo de outros e frustração de outros ainda.
O seu sucessor, para se afirmar, provavelmente não pode tentar ser seu herdeiro. Mas vai actuar num quadro radicalmente distinto de João Proença. Perante um PCP sem Cunhal e uma CGTP sem Carvalho da Silva; com uma separação de águas crescente entre PS e PSD; com um centrodireita indiferente ao diálogo social e um PS sem agenda político-sindical, terá que construir um novo quadro de influência.
Se não tiver face ao antecessor a mesma liberdade criativa que João Proença teve em relação a Torres Couto, provavelmente não triunfará. Veremos.
Este fim de semana o único dado seguro é o de que o senhor diálogo social abandona o terreno da concertaçao. Mas muito me surpreendia se não o fossemos ver por aí. João Proença não me parece ter feitio para ir para casa escrever livros ou para a televisão fazer de senador da República. A política vai receber um quadro, de peso e de valor.

19.4.13

Charles Mingus & the Jazz Workshop, 19.4.1964, Liège


 The performance above is from Charles Mingus Live in ’64. It was recorded by Belgian television on Sunday, April 19, 1964 at the Palais des Congrés in Liège, Belgium. The band had unexpectedly been reduced to a quintet two nights earlier, when Coles collapsed onstage in Paris and was rushed to the hospital with what was later diagnosed as an ulcer. In the Belgian TV broadcast, Byard makes up for the missing trumpet parts on the piano as the band plays three Mingus compositions:So Long EricPeggy’s Blue SkylightMeditations on Integration“So Long Eric” was originally called “Goodbye Pork Pie Hat,” but Mingus renamed the tune in honor of Dolphy, who had announced before the band left America that he planned to remain in Europe when the tour was over. Sadly, Dolphy died in Germany only two months after the tour, when he fell into a diabetic coma. Mingus would later call the song “Praying With Eric.”

Enviesamento e miséria intelectual. O blogger, o jornalista e o Presidente pressupostamente de todos os portugueses.

José Mendonça da Cruz zurze no Corta-Fitas um jornalista que terá feito uma reportagem enviesada, colocando Saramago num pedestal de herói cultural dos pobres e encostando Graça Moura a uma escola privada de elite. Gosto da poesia de Graça Moura e não me agradam as militâncias estético-políticas, pelo que simpatizo com a crítica, embora não tenha visto a reportagem criticada para saber se me associo a ela ou não. Diz Mendonça da Cruz  "notícias culturais enviesadas, ressabiadas, medíocres e manipulativas".
Perante tão veemente crítica - e para estar seguro de que o crítico não sofria do mesmo mal - googlei-o em associação com as palavras Cavaco e Saramago para ler o que teria escrito sobre a enviesada, ressabiada, medíocre e manipulativa omissão de uma referência cultural maior de Portugal, premiada com um Nobel, num discurso de um Presidente pressupostamente de todos os portugueses. Não encontrei nada. José Mendonça da Cruz, diligente contra o jornalista não se insurgiu contra o Chefe de Estado. Indignado com o que deve informar alguns portugueses (os que o vêem), cala-se perante o que deve representá-los todos. Respeitinho, ou retomando as suas palavras, "miséria intelectual"? Enviesamento, certamente.

Rui Moreira e a candidatura ao Porto

A candidatura de Rui Moreira à Câmara do Porto vai ser a que tem melhor imprensa. Personifica o político-mediaticamente correcto do momento.
O candidato não vem dos partidos ou dos sindicatos ou do futebol, mas de uma associação empresarial, o que noutros tempos seria uma desvantagem porventura inultrapasável mas hoje lhe dá uma aura de vir do mundo real, talvez da única experiência que a maior parte dos eleitores não pode partilhar. Para empresário não se entra por militância, empenhamento cívico ou fé num clube.
O candidato já foi entronizado no comentário televisivo e na opinião jornalística. Faz política, mas não no terreno das realizações sempre discutíveis ou do contraditório do debate parlamentar. Nunca teve que gerir orçamentos públicos escassos e não há erros de escolha política pelos quais possa ser responsável. Não tem que ter obra, basta-lhe oratória de acordo com o espírito do tempo. E ele sabe bem situar-se nele.
O candidato é, como todos sabem, de direita. Mas enquanto cidadão com escolhas ideológicas, teve o azar político de se aproximar de uma direita com pouco valor no mercado eleitoral. Enquanto pessoa do seu espaço político natural, o CDS, nunca seria presidenciável. Mas como independente, com as mesmas ideias e o mesmo apoio partidário passou a ser. Consta que o CDS tentou que fosse seu candidato mas Rui Moreira foi mais inteligente que isso. Transformou o CDS no partido que apoia a sua candidatura. Faz muita diferença? Há situações em que mudar o ângulo da narrativa muda o conteúdo da notícia. Esta é uma delas e parece haver muita gente que não apoiaria o CDS com Rui Moreira disposta a apoiar Rui Moreira com o CDS. faz sentido no quadro político-mediático, prova que Rui Moreira é um homem inteligente que soube posicionar os seus interesses políticos e caracteriza-nos como eleitores tanto quanto a ele como político, que é nessa única qualidade que ele é candidato.

O delírio Cratico dos exames nacionais da 4a

Leiam o Pedro Magalhães aqui e aqui e mergulhem no delírio Cratico dos exames da 4a que está a acontecer numa escola perto de vós.

18.4.13

Perante os disparates governamentais até no Blasfémias se sente necessidade de defender a Constituição

Se Passos Coelho e Gaspar tivessem a mesma lucidez face ao nosso sistema democrático que leio no insuspeito de oposicionismo Blasfémias evitavam algumas dores de cabeça ao país. Mas temos que viver com o Primeiro-Ministro que temos enquanto aqueles de quem ele constitucionalmente depende lhes mantiverem confiança, a menos que o próprio perceba que os limites da sua legitimidade política se tocam, por exemplo, quando tenta atropelar recorrentemente a Constituição e as instituições encarregues de a proteger.

17.4.13

Governo sem salvação possível

António José Seguro não se deixou enredar no simulacro de compromisso que Passos lhe estava a oferecer. acho que fez bem. As convergências exigem muito trabalho prévio, para o qual Passos Coelho nunca mostrou grande abertura e disponibilidade para cedências recíprocas, coisa que a sua carta nem sequer fingia permitir.
O PS em caso algum pode sequer parecer que participa da salvação deste Governo. Todas as convergências de que o país necessita, até podem um dia ter que ser com um PSD liderado por Passos Coelho,  mas nunca no quadro da viabilização ainda que tácita deste Governo nem da continuidade da sua linha estratégica face à troika e ao processo de ajustamento do país.

Almada, eleições, inaugurações. A época está aberta.

Em Almada, ano de eleições é ano de inaugurações, tal como na Região Autónoma da Madeira e em todo o lado em que o planeamento não é feito por forma a melhorar gradualmente os serviços à população mas para obedecer a campanhas eleitorais de estilo manipulador.
Em Almada vem aí a inauguração do Quarteirão das Artes, que se saúda. Mas passaram mais quatro anos sem que todas as crianças do concelho tenham escola a tempo inteiro. Há 3 anos diziam que esta necessidade óbvia conflituava com o endeusado plano (no caso, a carta escolar). Três anos passados e a necessidade agudizada (até pelas crianças que regressam à escola pública), está tudo como dantes. Que pena não se ter inaugurado em tempo as salas de aula que faltam.

As idiossincrasias coimbrãs e os cosmopolitanismos provincianos

Não vi o debate entre Nuno Encarnação e João Galamba. Não sei se a invocação de Adriano pelo Nuno foi apropriada e nem me custa admitir que possa ter sido contraproducente para o autor. Escrevo motivado pelos posts e do Paulo Pinto e o comentário do Nuno Encarnação no Jugular. 
Paulo Pinto parece surpreendido pela idiossincrasia coimbrã que faz com que um deputado nascido e criado na direita do pós-25 de Abril se sinta à vontade com as letras e as músicas da balada coimbrã. Não ficaria tão surpreendido se tivesse presente que a direita coimbrã se apegou às "tradições" académicas, depois do 25 de Abril, aliás, à época contra a esquerda e incorporou no seu revivalismo praticamente todas as canções de Adriano, José e Afonso que obedecem aos cânones da "sua" música, algo que inclui quase todo o Adriano e pelo menos o José Afonso até ao início dos anos setenta.
Dentro dessa idiossincrasia reage Nuno Encarnação com uma - começa a ser recorrente - tentativa de ataque a que a esquerda se aproprie dos hinos que eram da esquerda. Pessoalmente felicito Nuno Encarnação por não se sentir incomodado com a Grândola ou a Trova, mas ele sabe melhor que eu que fora do ccírculo restrito dos jovens do fado de Coimbra não tem muitos companheiros no partido ou na coligação para essa batalha. Aliás, essa batalha só faz sentido para os filhos de Abril (e ainda bem que o tentam), porque a direita que érea adulta à época, mesmo quando hoje nos aparece pela esquerda, nunca consegue esconder bem a reacção cutânea a estas cantorias.
Infelizmente o Paulo Pinto precipitou-se porque o cosmopolitismo às vezes é um pouco provinciano em relação àqueles a quem não atribui pedigree e não reconhece linhagem. Porque haviam de ser os deputados do PSD mais parvenus que, por exemplo, os do PS ou do BE? Infelizmente anda por aqui um vestígio de complexo de superioridade que faz mal a debate democrático.

16.4.13

E agora, António José?

A carta de Passos Coelho a Seguro já deveria ser esperada, dada a sua estratégia de relegitimação após a decisão do Tribunal Constitucional.
Depois de Cavaco ter sido forçado a ter agenda num domingo em que tinha anunciado não a ter apenas para que se soubesse que dava o seu beneplácito ao governo, amarrando-se a ele, é a vez de Seguro.
Evidentemente que, depois de uma moção de censura e semanas a pedir a queda do Governo, não há qualquer margem de manobra decente para ele se deixar colar à estratégia de Passos e Gaspar. Mas a chantagem deve ser forte. Agora se vai ver de que é feita a capacidade de liderança de Seguro. Terá a força necessária para dizer que só se podem fazer novos consensos nacionais depois da demissão deste governo ou vai acabar a benzer tal como Cavaco, por omissão que seja, a dupla Passos-Gaspar?

10.4.13

É costume um credor pedir ao cliente para não realizar auditorias à sua gestão?

Há algo de original na capa do Record de hoje, como me assinalou um amigo. Não é todos os dias que é notícia que a banca exige a quem lhe pede crédito para "não realizar auditoria à gestão" da entidade, pois não? Ou é costume e eu é que ando distraído?

8.4.13

Como o massacre de Wiriamu chegou ao Congresso da Oposição Democrática -O Luís Costa conta

A MINHA PARTICIPAÇÃO NO CONGRESSO DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA REALIZADO EM AVEIRO DE 4 A 8 DE ABRIL DE 1973

Ao ler o Público de hoje deparei com um artigo titulado Em Aveiro, a 8 de Abril de 1973, assinado por Mário Vale Lima, médico, que recupera a sua memória da participação no 3º Congresso da Oposição Democrática que decorreu em Aveiro de 4 a 8 de Abril de 1973.

Faz hoje 40 anos e também lá estive o que também constituí a minha primeira visita à cidade de Aveiro.

Julgo que tem algum interesse e curiosidade, pelo que do fundo da minha memória e claro do fundo do meu baú, recupero e partilho parte do que guardo daquele dia memorável.

Em Abril de 1973 tinha 19 anos, vivia em Algés, estudava no então ISCSPU, tinha um trabalho de tarefeiro para fazer o recenseamento da Guiné no então Ministério do Ultramar, arranjado pelo Luis Magueijo, que era lá contínuo e meu conterrâneo, atividade que assegurava o meu sustento, depois de nos primeiros tempos em Lisboa, depender da ajuda familiar, completada pelos rendimentos que ia obtendo como estivador no porão do Madeirense e do Funchalense, situação intermediada pelo Manuel Prata, primo do meu pai, em cuja casa vivi nos tempos iniciais, que era Guarda Fiscal, responsável pelo bar na Rocha do Conde de Óbidos, muito frequentado pelos meus temporários colegas de estiva.

Na vida participativa, obviamente na esquerda do possível, com ligação não orgânica ao Partido e envolvido em actividades UEC, dirigente (não homologado pelo Ministério da Educação) da AA do ISCSPU, escrevia no jornal República, suplemento Técnica e Civilização, era responsável da secção de cinema do Primeiro Acto - Clube de Teatro em Algés e com ligações à base da CDE nesta localidade do concelho de Oeiras, na fronteira com Lisboa.

Em Algés havia uma classe média muito politizada com um centro de referência na baixa de Algés, polarizado pela casa da Silvina, mãe da Rita Blanco, por cima da pastelaria Nortenha. Aqui apareciam intelectuais, escritores, editores, músicos, as duas referências na crítica de televisão, Mário Castrim (Diário de Lisboa) e Correia da Fonseca (República) e membros do Coro da Academia dos Amadores de Música, incluindo o Maestro Lopes Graça, visita habitual da casa.

Em Algés de Cima havia um número considerável de pessoas, alguns casais, activas na oposicrática com actividade profissional na educação, na função pública, na propaganda médica, nos serviços. Estas duas realidades não tinham muitos pontos quotidianos de contacto, havendo uma espécie de ponte assegurada pelo, chamemos-lhe assim, Algés do meio, onde de resto fisicamente moravam o Madeira Luis, a Virginia e este vosso escriba.

Em conjunto assegurámos participação em diversas iniciativas da resistência, de que aqui recupero um grupo significativo no funeral do Ribeiro dos Santos, em Outubro de 1972 - fizemos o caminho a pé de Santos até ao cemitério da Ajuda a correr à frente da polícia - bem como na reunião da oposição em Benfica, no início de 1974, sob a alçada formal da Cooperativa Forja, de que resultaram dezenas de activistas detidos e levados para o Governo Civil de Lisboa no Chiado. Eu e a Isabel Tavares da Cruz, com o marido já retido em Paris com mandato de captura da PIDE, tinhamos saído momentos antes da invasão policial para irmos preparar o jantar em casa dela onde todos nos juntariamos depois. Afinal passámos o resto da noite em frente ao Governo Civil a protestar contra a repressão e a exigir a libertação dos detidos.

Foi neste caldo de cultura que se criaram as condições para participar no Congresso de Aveiro. Foi-me atribuída uma missão que executei com sucesso. Era tempo dos massacres em Moçambique (Tete), de que o rosto mais visível era o massacre de Wiriamu, na sequência das denúncias do padre Hastings. Chegou-nos um texto e a missão era disseminar a informação.

Nos terrenos em que me movia, arranjei 5 resmas de papel e 4 stencils. Pedi à Virginia para me emprestar a máquina de escrever. Letra a letra para ficar tudo direito e rentabilizar até ao limite os meios disponíveis, enchi as quatro folhas com o máximo de informação possível a partir do texto recebido.

Como era responsável na secção de cinema e tinha chave de entrada, na noite de sexta para sábado, de 6 para 7 de Abril, fui ficando no Primeiro Acto e quando fiquei sozinho comecei a imprimir no policopiador. À mão, página a página, cerca de 5000 impressões, frente e verso. A máquina estava junto à janela que dava para a rua e não devia fazer barulho. Tinha a luz apagada. Seguiu-se a operação agrafo. Deliberadamente só já de dia saí à rua com um saco de viagem recheado em direcção ao serviço de entrega.

No Domingo, 8 de Abril, fui pela fresca ter a casa do Moisés e da Milú para rumarmos a Aveiro. Ele era delegado de propaganda médica de uma multinacional alemã, ela trabalhava nos Hospitais Civis de Lisboa. No meio dos folhetos e das amostras lá ia uma boa parte dos documentos reproduzidos. Chegámos a Aveiro a meio da manhã (não havia ainda autoestrada...), já depois da carga policial que impediu a romagem à campa de Mário Sacramento.

Aveiro estava cercada pela força policial. Os automóveis não podiam entrar pelo que fomos a pé da estrada nacional até ao centro de Aveiro. Só mais tarde o Moisés pode ir buscar a viatura e entrar na cidade. Incorporámo-nos no Congresso já em fim de festa, num quadro de alguma euforia porque a repressão não foi capaz de travar o prosseguimento dos trabalhos. Teatro Avenida repleto, incluindo nos bastidores. Aí tomei contacto e falei longamente com o Malaquias Abalada de Alpiarça, oriundo do operariado agrícola e que viria a ser deputado na Constituinte onde protagonizou alguns debates que fazem parte dos anais parlamentares. Na minha (in)genuidade de jovem revolucionário sempre acreditei no princípio leninista da aliança operária e camponesa como motor da revolução...

Ao fim do dia apanhei o rápido (julgo que era assim o nome dos actuais combóios alfa) para Lisboa. A Milú tinha tirado férias e ia acompanhar toda a semana o Moisés no Norte na distribuição da propaganda...médica!

Foram feitas recomendações especiais a respeito dos regressos. A políca tinha tentado travar autocarros, dificultar a mobilidade, impedir que as pessoas chegassem a Aveiro. Era de recear actos repressivos nos regressos. Os comboios e as estações estavam rigorosamente vigiadas. Subi a Lourenço Peixinho até à estação de Aveiro. Naquele tempo a malta de esquerda usava uma bolsa, tipo alforge, antepassado histórico das mochilas. Eu tinha uma de camurça que mandei fazer num sapateiro. Vinha cheia de documentos que colhi no Congresso e um cinzeiro que guardo religiosamente e junto cópia em tamanho real A4.

Sem problemas em Aveiro. Discretamente instalei-me no combóio. Havia o aviso de que Santa Apolónia estava infestada de polícia e de pides. Aqui chegado, com alguma ansiedade e inquietude, avanço a passo largo e decidido para a saída em direcção ao Cais do Sodré onde apanhei o combóio para Algés. Pouco mais de 12 horas depois regressava ao ponto de partida. Missão cumprida. No meu registo memorial ecoavam ainda as palavras da carta-testamento de Mário Sacramento, lembradas por Lindley Cintra na intervenção com que encerrou o Congresso: Façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá...


Luís Costa


O Governo e o TC: um passo atrás, dois à frente

O Tribunal Constitucional forçou o Governo a dar um passo atrás na sua estratégia orçamental para este ano. O Primeiro-Ministro, na resposta que lhe deu e em que pôs em causa entendimentos que pareciam consensuais no nosso sistema democrático (como os papeis do Tribunal Constitucional e do Presidente da República), deu dois passos em frente.
A partir deste fim-de-semana o país dispõe de um governo de beneplácito presidencial, inovação política a meio caminho da iniciativa presidencial, que desvaloriza o Parlamento e joga a confiança do Presidente como tentativa de compensação da falta de entendimento parlamentar alargado para medidas contestadas. Se com isto Passos e Cavaco visam limitar o espaço de manobra do PS, como tudo indica pretenderem,  parecem não perceber que o efeito mais que provável é a quebra de qualquer amarra estratégica entre os partidos do consenso europeu a que gostam de chamar o arco da governabilidade. Esta vinculação do Presidente a um governo contestado poderia, se houvesse clarividência estratégica à esquerda, ter aberto a mais larga porta que alguma vez houve desde o 25 de Novembro para que o país tivesse soluções de governabilidade alternativas ao triângulo CDS-PSD-PS
A partir da declaração ao país de Pedro Passos Coelho, o entendimento do Governo sobre os objectivos do programa de ajustamento passou a incluir explicitamente o ataque frontal ao Estado Social que conhecemos, ameaçando deixar de o financiar adequadamente nos três pilares fundamentais da educação, saúde e segurança social. Fazê-lo num pais ainda com baixo nível educativo e já com elevados índices de desigualdade, pobreza e desemprego, é também a vinculação da terapia da troika à destruição dos equilibrios  - instáveis e frágeis, é certo, mas que asseguraram paz social - que se construíram desde a Constituição de 76, estreitando ainda mais a base potencial de apoio ao controverso projecto de ajustamento que já de si sujeitaria os portugueses a sacrifícios impostos por uma doutrina austeritária internacional que está longe de demonstrado que seja eficaz.
Os dois passos em frente hoje dados por Passos Coelho mostram que o seu derrube passou de uma mera questão de alternativa política para ser uma questão de regime. Oxalá os que não gostam do beneplácito presidencial aos governos e não apostam no corte missiva das funções sociais do Estado sejam capazes de o perceber e, sobretudo, de agir em conformidade.

4.4.13

Day after: Relvas, o cordeiro pascal da moção de censura

Miguel Relvas, foi de lobo a cordeiro pascal do PSD e, obviamente, demitiu-se. Fê-lo um dia depois da moção de censura do PS o que, por muito que venha aí argumentação racional desligando os dois factos, não pode ser politicamente verdadeiro. A política faz-se de decisões em que o tempo tem importância e este foi o tempo escolhido por ou imposto a Relvas, reforçando o gesto do PS, por muito que o venham a negar.
Esta demissão não corresponde apenas à saída de um ministro. O governo tal qual foi concebido inicialmente, deixa de existir hoje. Os equilíbrios e contrapesos dentro do PSD e entre o PSD e o CDS terão que ser refeitos para que não se assista apenas ao inexorável, rápido e porventura patético desmoronamento da coligação. 
Se Passos é ou não homem para se recompor da entrega da cabeça de Relvas, não sei. Mas sei, que se pensar que a coisa se resolve com uma promoção ou outra ou mesmo com uma mexida cirúrgica, caiu no dia a seguir à moção de censura do PS. A menos que.. acordemos um destes dias com uma remodelação tão extensa que seja, na prática, um novo Governo. 

A cruzada anti-bifes ganha mais um argumento

Deixemos Isabel Jonet e os bifes em paz. A verdade é que uma equipa da Escola Médica de Harvard diz que os idosos que têm mais ácidos omega-3 (os dos peixes gordos) no sangue reduzem o risco de mortalidade em 27%, o risco de doença cardíaca em 35% e aumentam a esperança de vida em 2,2 anos. Comamos peixe para uma vida mais longa, então.

3.4.13

CGTP e Cunhal: a central, o partido, os investigadores e as linhas vermelhas

A direcção da CGTP decidiu juntar-se a uma iniciativa partidária de evocação do seu dirigente histórico, ainda que transformando-a em iniciativa própria e com esse gesto recordou a quem se tivesse esquecido a ligação umbilical que a sua maioria tem ao PCP e quanto essa maioria preza hoje sequer as aparência de independência do calendário do seu partido.
Alguns colegas sociólogos que têm trabalhado as questões sindicais decidiram, em carta aberta, advertir "enquanto investigadores" a direcção da central sindical das consequências do seu gesto para a ideia de  independência do movimento sindical.
A mim, os gestos de ambos parecem-me paralelos no pisar de uma linha vermelha que deveria existir entre estatutos e níveis de acção. Nem  uma central sindical deveria ter agenda partidária tão explícita, nem investigadores deveriam, invocendo essa qualidade, intrometer-se na definição das estratégias sindicais "correctas". Ao fazê-lo, uns e outros mostram, assim, os seus posicionamentos, o que sendo clarificador não deixa de ser exemplar de que há  coisas fora do seu lugar na relação entre agendas de investigação, sindicais e políticas. Ou, voltando a uma tese cujo potencial explicativo de problemas actuais da sociedade portuguesa tem crescido no meu espírito, este episódio deve colocar-se entre os reveladores dos défices de institucionalização que atravessam os diversos níveis da sociedade portuguesa.

1.4.13

Politiquice na educação - morreram as novas oportunidades, continua a validação e certificação de competências

O envolvimento do então candidato a Primeiro-Ministro numa campanha contra a educação ao longo da vida, denegrindo as Novas Oportunidades, foi um episódio lamentável de uma atitude que dificilmente seria sustentável, dadas as carências educativas do país.
Passou o tempo suficiente para arrefecer o episódio e a realidade impôs-se, pelo que o executivo seguiu a via de baralhar e dar de novo para parecer que não entra em contradição. Embrulhados na narrativa do aumento da qualidade, o tipo de intervenção dos Centros Novas Oportunidades  é rebaptizado com o nome mais administrativo e vocacionalista do novo título de Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional.
A marca (que era boa) das Novas Oportunidades é desmantelada e volta a designação descritiva de reconhecimento, validação e certificação de competências (que até tinha sido usada pelo governo Guterres, para iniciar o processo).
Perdeu-se tempo, energia e recuou-se desnecessariamente para agora constatar a óbvia necessidade de prosseguir. A educação é muitas vezes acusada de experimentalismo. Desta vez foi vítima de um ataque de politiquice.  Oxalá já tenha passado.

30.3.13

Se o Estado não é uma empresa, porque se fala de insolvência?

Em fim-de-semana, paremos para pensar um pouco sobre a razão de ser e os limites da analogia entre Estado e empresas a propósito da ideia de insolvência:

 Creditor countries calling the tune by which debtor countries dance is not a new invention. But using the language of insolvency to do so is new. So when and why did it happen? The single European currency project, in depriving member states of the ability to issue their own currency, has created the conditions for something close to national insolvency when economies slump. With high debt-to-national output ratios, current account deficits, fiscal deficits, and, putting it mildly, shaky banking systems, the debtor countries of Europe look very much like insolvent firms to the markets. Their sovereign power to issue currency is gone, meaning only painful deflation through the wage channels are possible. Leaving the currency union is very, very costly. The solution is national austerity. Indeed, in some cases, like Cyprus, Ireland, and Italy, the banking systems are so big relative to the rest of the economy as to make the sovereign itself almost vestigial.
(Stephen Kinsella, no Blogue da Harvard Business Review)

28.3.13

Má notícia sobre eficiência da nossa despesa educativa




Este post de Eric Charbonnier e Etienne Albiser contém uma má notícia sobre a eficiência da nossa despesa educativa. Mostra que o nosso custo de professor por estudante, em valores absolutos, é o quarto mais alto da OCDE, a seguir ao Luxemburgo, à Bélgica, à Áustria e à Espanha e à frente da Dinamarca, da Alemanha e da Finlândia.
O custo dos professores por estudante é medido pela combinação do salário, da dimensão das turmas, do número de horas leccionadas e do número de horas de aulas dos estudantes.
Numa das quatro variáveis há algo que podia estar melhor e a questão-chave pode nem ser o salário. 

27.3.13

O meu balanço do regresso

O meu balanço da entrevista de José Sócrates: killing instinct, excesso de palavras estudadas, falta de selectividade nos ataques, algumas pistas.

Sócrates na RTP: metamorfose ou regresso?

José Sócrates, o comentador, regressa com uma entrevista ao ex-Primeiro-Ministro. Quem definiu este perfil deve ter ganho a liderança das audiências hoje, mas também contribuiu para a confusão sobre o estatuto do regressado.
Dizem que o comentador José Sócrates não vai ser remunerado. Acho mal. O comentário político é um trabalho. Tem utilidade social e valor económico. Como não há almoços grátis e José Sócrates não vai comunicar no âmbito de uma responsabilidade inerente a funções públicas ou de uma causa que defenda, mas prestar um serviço de análise, ele e a RTP deixam ficar implícito que vai ser pago em promoção da sua marca pessoal, a qual, em Portugal, tem essencialmente valor político.
Tenho curiosidade sobre o que o ex-Primeiro-Ministro tem a dizer sobre o actual estado do país e sobre o que o ex-Secretário-Geral do PS tem a dizer sobre a dinâmica do seu partido sob a liderança do seu sucessor. Mas, recordo uma resposta de António Costa na Quadratura do Círculo quando o pressionavam a falar sobre a sua então protocandidatura a Secretário-Geral do PS. Disse algo como 'não sou comentador para me comentar a mim mesmo'. 
Terá Sócrates a mesma sageza então demonstrada por Costa e deixarão as circunstâncias que a pratique? O setting montado pela RTP, o alarido das petições online e a enormidade do envolvimento do parlamento na questão por mão do CDS apontam em sentido contrário. Se Sócrates quiser surpreender, comentar-se-à a si mesmo hoje, mas não nos comentários posteriores, e vincá-lo-á logo a abrir a entrevista. Se não o fizer, independentemente do sucesso político e pessoal que venha a ter ser inferior ou superior ao que teve com os debates com Santana Lopes, presta um mau serviço à definição da fronteira conceptual entre política activa e comentário político. Uma fronteira tão necessária,  quanto está completamente esbatida no país dos ex-lideres que usam a televisão como estaleiro para os sonhos de regresso ao mar alto.
Se hoje houver regresso e não metamorfose, os que gostam dos combates políticos ganham um tema de conversa, mas a relação entre os media e a política, não perdendo grande coisa, não ganha nada.

26.3.13

A propósito de um artigo sobre Hitler na escola e Sócrates na RTP, de Esther Muznick

Quando comecei a ver no twitter referências a LSD e cogumelos mágicos a propósito de Esther Mucznik, fui à procura da causa. O que mais me impressionou é que vi no seu artigo apenas autenticidade, ignorância e mesquinhez.
Esther é autêntica na denúncia dos fantasmas que nos inundam o espírito sempre que vemos a língua alemã associada a sobrevivência, obediência e imagens de Hitler.  Por muito que as alunas daquele 12º C fossem apenas iconoclastas e pretendessem apenas  fazer um apelo atrevido e irreverente à frequência do curso de alemão, reagiremos assim à invocação do demónio nazi. Hitler e o nazismo não são relativizáveis e não é difícil ver o seu ponto.
Mas Esther é ignorante no que diz da escola democrática. Não pode não saber que se aprende hoje mais história contemporânea até ao 9º ano que quando ela foi estudante até à licenciatura. Não pode acusar o pós-25 de Abril de subalternização da formação humanística. Aliás, o argumento costuma ser exactamente o inverso, a coberto da denúncia da famosa "licealização" e, quanto a chamar ignorantes e de baixa cultura aos professores... bom, nunca Portugal teve um corpo de professores tão qualificado como hoje, por muito que não se goste deles.
Pior, contudo, é a mesquinhez que revela a propósito de Sócrates, no julgamento sumário e tentativa de banimento do espaço público. O que Esther tem a dizer sobre Sócrates é veneno puro e em versão rastejante.
Para ela, Sócrates não merece voltar a falar no espaço público, as portas da RTP não devem abrir-se-lhe e quem defenda o contrário tem o mesmo sentido da tolerância dos que construíram a estrada para Auschwitz. Ainda que reconheça que é exagerada na comparação, não lhe resiste.
Francamente, se jovens do 12º ano colarem uma fotografia de Hitler num anúncio de um curso de alemão pode ser reprovável, que uma intelectual madura faça esta associação é do domínio do abjecto. Esther devia saber que a intolerância nasce da demonização do outro e que a suspensão da humanidade do outro conduz sempre por maus caminhos.
Para embrulhar a sua recusa em raciocinar sobre José Sócrates, atribui-lhe sumariamente toda a culpa pelo Memorando de Entendimento (nunca houve votação do PEC IV, pois não?) e falsifica a história ao atribuir-lhe a fase de que as dívidas não são para pagar, quando bem sabe que - como ele disse -, nenhum país do mundo pagou nunca toda a sua dívida externa (perdão, Ceausescu pagou, matando o seu povo de fome, antes de morrer às mãos dos golpistas).

Esther Muznick acha mal que a RTP contrate Sócrates. É uma opinião, Mas se considera o convite imoral, teria que ter pelo menos um argumento para que assim seja. O único pecado que atribui a Sócrates é ter sido Primeiro-Ministro, o que nada tem de imoral. Quem não o percebe, parafraseando-a, não "entende nada nem de ética, nem de princípios, e muito menos de liberdade".

E porque me dou ao trabalho de escrever isto sobre tão alucinado texto de Esther Muznick? Porque me irrita o perigoso clima de que se alimenta e que alimenta, me preocupa o resvalar da divergência para o monopólio da moralidade, que sempre foi pasto para as derivas autoritárias. Desculpem, mas não aprendi a tolerância que Esther denuncia, que esconde indiferença, por muito que concorde que a indiferença a este texto da cronista era democraticamente salutar.



Lições de direitos sociais - uma década de direito à água na África do Sul

Não é preciso ser-se um país rico para valorizar e fazer respeitar direitos fundamentais, mesmo tratando-se de direito sociais, que implicam necessariamente despesa pública.
A África do Sul dá, no direito à água, lições. Há mais de uma década que, em cooperação entre o governo central e as autarquias locais, reconhece o direito de cada família a 6000 litros de água potável por mês, fornecida gratuitamente.
Se o acesso à água é um direito humano, como tal reconhecido pela ONU, perguntemo-nos, poucos dias depois do Dia Mundial da Água, que não acompanhei, absorvido pelo trabalho quotidiano,  se é correcto que seja negado em absoluto todo e qualquer fornecimento gratuito, pelo menos a quem se encontre em situação de pobreza absoluta.

23.3.13

A semana turca

Na mesma semana, o governo turco consegue do seu prisioneiro e líder do PKK um apelo aos seus guerrilheiros para um cessar-fogo e uma retirada para fora das fronteiras turcas, do primeiro-ministro de Israel um pedido de desculpas pelos acontecimentos da flotilha ao largo de Gaza e do Presidente dos EUA um esforço diplomático que conduzirá ao reatamento das relações diplomáticas com Israel.
Na corrida pela influência no futuro do Médio Oriente que a Primavera árabe abriu (ou expôs), a Turquia teve uma semana plena de sucesso, que não deve ter agradado nem ao Egipto, nem ao Irão, nem às monarquias do golfo. A Turquia parece estar de volta como principal aliado dos EUA na região. Vejamos se a Europa não sofre de um dos seus ataques endémicos de cegueira estratégica face a estes desenvolvimentos.

20.3.13

Os 0 votos no Parlamento cipriota

O acordo entre a troika e o governo não teve um único voto a favor no Parlamento cipriota. A dimensão desta derrota do Presidente por cuja eleição a troika esperou meses para intervir no país, diz bem do desprezo que o método de negociação que se segue nestes processos tem por regras básicas da democracia. Quem imaginou esta solução não achou necessário agir para reunir o apoio dos parlamentares? Não tratou sequer de ter um só aliado para defender o que assinou?
É evidente que foi dado por adquirido que os cipriotas não teriam alternativa. Mas ignorou-se que é um país habituado a ser um problema. Trata-se, além do mais, de um país que, pelos seus recursos naturais, pela sua localização, pela persistência do conflito que divide a ilha em que se situa, é desestabilizável, o que comporta riscos para toda a União. Os últimos dias demonstram que não é difícil consegui-lo. 
A fanfarronice da Gazprom deixa claro que a Rússia quer manter influência neste parceiro do Euro. E a zona Euro quer manter influência no país? Dá a sensação que ninguém na união monetária que partilhamos com o Chipre pensou nisso enquanto misturava a tentação de vampirizar os capitais russos, com toda a probabilidade duvidosos, com a sobranceria face a um povo inteiro e o desprezo pelos representantes eleitos do povo cipriota.