9.9.10

Agora Salazar era um democrata(-cristão) convicto. A patetice vende jornais?

Quem acredita que Salazar era "um democrata cristão convicto" teria pelo menos que acrescentar que era não praticante.
Já há muita investigação séria sobre a relação de Salazar com os movimentos católicos, com os fascistas, com os democratas. Por outro lado, os democratas-cristãos convictos tiveram um papel na reconstrução da democracia na Europa que não merece ser confundida com a ditadura que, por exemplo, falsificou os resultados de Humberto Delgado.
Na fase final do regime, os democratas cristãos convictos e praticantes da sua convicção tiveram aliás uma força intelectual, ainda que sem expressão orgânica, importante no desmoronar do regime. Há sobre tudo isto investigação demais para que uma frase pateta, mesmo que não seja fiel ao espírito do seu autor, faça primeira página de um jornal que não seja o Correio da Manhã, o Diabo ou o Sol que, em matéria de democracia, pertencem a outro campeonato.
Para dizer que Salazar não foi o líder fascista típico não é preciso atirar tanto ao lado.
Já agora e à margem, a redução da PIDE a uma política secreta que combateu uma organização clandestina, o PCP também é caricatural. Mais uma vez, a investigação conhecida já foi muito mais fundo que isto e cinco minutos de atenção ao que foi feito aos opositores não comunistas chegariam para perceber o disparate.
A questão que me preocupa, no entanto, é outra. Sabendo que as primeiras páginas são feitas a pensar que vendem os jornais e que o I procura desesperadamente ser vendido, quer isto dizer que chamar democrata a Salazar vende em Portugal em 2010?
Num ponto, o entrevistado toca numa questão profunda do Portugal de antes e depois de Salazar que pode ter a ver com esta primeira página: o povo, muito dele, quer a sua vidinha e que não o importunem. Esse lado da "democracia cristã" de Salazar sobreviveu-lhe e é bem verdade que há gente que vive feliz em democracia mas não viveria excessivamente desconfortável no regime do "democrata cristão convicto" da notícia.
Talvez ande por aí a alimentar as vendas de jornais gente aberta a "democratas cristãos convictos" da estirpe daquele, mas moldados para o século XXI. Felizmente, não se vislumbram, mas a história produz monstros a uma velocidade que nem sempre se antecipa.

1 comentário:

Carta a Garcia disse...

Caro Paulo,
Muito bom...Vou fazer link para "A Carta a Garcia".
Abraço,
OC