4.10.12

Gaspar anunciou uma tragédia social, mas fê-lo em português técnico, não como Pedro a correr para Nini

No essencial foi-nos  anunciado pelo Ministro das Finanças que a estratégia do Governo para 2013 incide em aumento - que o próprio considera brutal - de impostos, cortes no investimento e nas prestações sociais.
O aumento de impostos implicará que o peso do IRS no rendimento das famílias terá um agravamento de 42,5% em 2013 face a 2012.
O corte no investimento agravará a tendência do país para não se preparar melhor para o futuro (e contribuirá ainda mais para o agravamento da crise). Tenha-se presente que o valor do investimento público será em 2012 igual a 41% do que foi em 2010. E terá, em 2013, nova redução.
O corte nas prestações visa seguramente os suspeitos do costume, embora ainda não se saiba em que se materializa.
Mas desta vez as medidas foram-nos apresentadas em português técnico e não em palavras de Pedro a correr para Nini. O Governo deixou caír a TSU na rua, algures entre a Praça de Espanha e o Palácio de Belém e sabe que a bravata da "desvalorização fiscal" correu mal.
Na conferência de imprensa foram apresentados os efeitos na concentração do rendimento da mexida no IRS. Sabendo-se que os mais pobres não pagam IRS, naturalmente que esta mexida sozinha não pode aumentar as desigualdades. Manipulando este facto, Gaspar fez-se paladino da redução das desigualdades. Mas e se juntarmos ao efeito do agravamento do IRS o do corte (de sinal contrário) que ficou por definir nas prestações sociais? E a redução de rendimentos que resulta de os segmentos de mais baixos salários estarem mais expostos ao desemprego e ao desemprego de longa duração, logo à perda dos benefícios com o arrastamento da crise? E a provável continuação da queda dos níveis salariais que o Governo tem elogiado? Estará Gaspar disposto a calcular e distribuir o efeito combinado destas variáveis na curva de Lorenz e no índice de Gini, admitindo-se que o efeito fiscal é aquele que anunciou?
Tudo o que podemos saber para já é que em 2013, a classe média vai pagar mais IRS, os segmentos mais carenciados vão perder prestações sociais, o desemprego vai subir e o país vai investir menos no seu futuro.
Nesta segunda partida para o OE 2013, o discurso de Gaspar está cheio de justificações para aplacar o Tribunal Constitucional. A sobranceria deu lugar à modéstia. Mas, se o corte de dois subsídios e duas pensões violava o princípio da igualdade, o corte de um subsídio e 0,9 pensões já não viola? Fiquemos à espera da jurisprudência.
Gaspar aderiu por completo ao (neo)corporativismo. Sabemos que nada perguntou na preparação das medidas à oposição, mas declara que foram recolhidos contributos dos parceiros sociais. Talvez por pressão de Belém, o Governo vai tentar jogar a concertação social contra a democracia representativa, a CIP contra o CDS e a UGT contra o PS, provavelmente. Conseguirá? Provavelmente só Cavaco Silva e João Proença sabem a resposta.
Face aos partidos, a sobranceria é total. Se os parceiros sociais mereceram o cumprimento de que "a continuação do diálogo contrutivo  en sede de concertação social é um elemento chave para o sucesso do ajustamento em Portugal", sobre a convergência parlamentar paira o manto do silêncio. O Governo reincide em afastar, nomeadamente o PS, da convergência  para o cumprimento do programa de ajustamento. E o PS, parece-me claro, deve deixá-lo seguir sozinho, façam a CIP e a UGT o que fizerem em relação a cada uma das medidas do OE 2013.
Os pormenores podem obscurecer a leitura do dado mais claro de todos. Tínhamos austeridade excessiva sem compensações de nenhum tipo. Agora prometem-nos austeridade ainda reforçada face à que já tinhamos. Vamos tê-la num clima internacional que se prevê que esteja degradado, teremos consumido 80% do actual programa de apoio, mas um milagre que ocorrerá, pelas contas do governo, lá para Abril de 2013, alterará os nossos indicadores no fim do ano, como se vê no quadro macroeconómico para 2013..
Como os milagres são raros, o mais provável é que a coligação PSD-CDS que Governa com um Programa que já não tem legitimidade eleitoral porque já nada tem em comum com a plataforma que apresentou aos portugueses, nos apareça durante o ano de 2013, lá pelo Santo António, com a explicação científica da necessidade de um segundo resgate financeiro. A menos que - e também pode acontecer - o mundo volte a mudar antes disso e o espartilho externo que Passos Coelho adopta por adesão ideológica, o deixe isolado.
O Governo anunciou que vai apresentar na Assembleia da República um Orçamento impossível de cumprir e que se fosse cumprido teria efeitos económicos e sociais muito mais devastadores do que os que anuncia e que fariam de 2012 um ano fácil. Cada um esbugalha ou fecha os olhos perante esse facto a gosto.
Era melhor dizer aos portugueses que já calculamos que o Memorando de Entendimento tem que ser substancialmente revisto para que Portugal saia da crise sem morrer da cura. Mas os crentes nos segredinhos de Estado acham que isso seria uma enorme fraqueza.



1 comentário:

António Nunes disse...

É mesmo isso.
Relativamente ao Presidente, o discurso do 5 de Outubro acabou com a minha secreta esperança de termos um Presidente para todos os portugueses.
Relativamente à UGT, ou muito me engano, ou o João Proença vai continuar a encontrar motivos para não alinhar com a CGTP.
A greve de 14 de Novembro será uma grande, grande incógnita: tanto poderá provocar o isolamento da UGT (obrigando-a a uma posição mais firme de defesa dos trabalhadores), ou provocará, pelo seu eventual fracasso, o anti-clímax da contestação dos cidadãos na rua.
À esquerda deste governo (a esquerda tradicional, o centro-esquerda e o centro democrata cristão) a convergência é impossível se, em vez do que diferencia, não se procurarem os tais denominadores comuns.