3.10.12

A velha escola está de volta. Para já à experiência e com o nome de ensino vocacional que é apenas ocupacional.

O ensino de carácter profissional no ensino básico já está regulamentado (pela Portaria nº 292-A/2012 de 26 de Setembro). Depois da onda de protestos que o anúncio inicial provocou (e a que este blogue se juntou), substituiu-se a versão hard de um ensino profissional compulsivo para repetentes por uma versão soft de experiência-piloto de ensino voluntário para repetentes. Mas mantêm-se os equívocos e erros fundamentais da filosofia da medida.
Os cursos de carácter profissional no ensino básico são dirigidos exclusivamente a quem já teve retenções (têm como condição de ingresso ter 13 anos e pelo menos duas retenções).  Para contornar a responsabilidade política pelo estigma, a bola é passada para os psicólogos. A eles caberá desenvolver "um processo de avaliação vocacional (...) que mostre ser esta via adequada às necessidades de formação de alunos". Vejamos como reagem os técnicos ao mandato que lhes é, assim, conferido, de certificarem a não aptidão para as letras, como se dizia no tempo que inspiram esta contra-reforma educativa. Portanto, não se trata de oferecer uma formação vocacional a jovens, mas de carimbar uma inaptidão escolar compensada com uma via de educação light, que pode estender-se por toda a vida estudantil do básico e secundário.
A via criada e designada "cursos vocacionais" é oficialmente a nossa via pobre de ensino. Um ensino mais pobre e que todos antecipam que se destina aos mais pobres, aos filhos dos outros. Quem frequentar um curso destes no segundo ciclo pode progredir para o 3º ciclo "normal" se tiver aproveitamento nas originais provas finais nacionais do 6º ano, elas próprias um instrumento de selecção precoce que o neoelitismo criou, mas podem prosseguir na via "dos repetentes" se tiverem aproveitamento nas disciplinas "manuais" (componente vocacional) e em 70% dos módulos das vias "da cabeça". Para que a associação da nova (e tão velhinha) via ao ensino dos "fracos da cabeça" seja total,  pré-anuncia-se uma terceira via de ensino secundário que chegará, presume-se, daqui a três anos para acolher os que receberam o seuc ertificado de incapacidade escolar. Pois, de novo no fim do 9º ano, quem concluir com sucesso, pode ir para o "ensino regular" (recuperando uma linguagem que separa a o ensino profissional dos cursos cientifico-humanísitcos) ou para o ensino profissional. Os "burros certificados" vão para o novo "ensino vocacional de nível secundário".
O programa reaccionário contido nesta medida resolve pelo regresso ao passado equívocos que sempre existiram, em abono da verdade se diga, nos cursos de educação e formação. Mas esses, pelo menos em teoria, eram de carácter temporário. Agora está oficialmente a criar-se uma terceira via pobre, nem "académica" nem "profissionalizante", que se chama vocacional mas claramente se pretende ocupacional, para a qual se empurram os alunos com dificuldades, desistindo de os educar a par com os colegas.
Esta medida consagra inequivocamente que, como já uma vez aqui se disse, a versão Nuno Crato do eduquês é a de que pobre, a bem dizer, nem precisa muito de escola.
A estratégia da experiência é clara. Pretende-se entrar de mansinho para criar o clima propício à contra-reforma educativa. Claro que, em contexto de restrição orçamental nacional, há cerejas no bolo. Vai haver contratos-programa ( o que significa dinheiro) que podem bem atrair as escolas privadas e as escolas profissionais privadas atingidas pela crise.
Estamos perante a tentativa de institucionalização de uma via educativamente pobre, que certifica a incapacidade, se estende por todo o 2º ciclo, 3º ciclo e ensino secundário, criando um apartheid educativo por níveis de mérito escolar, em vez de tentar educar todos. Esta medida vai institucionalizar essa via ao contrário daquilo que os cursos de educação e formação deveriam ter sido sempre e apenas - soluções pedagógicas localizadas, minoritárias e temporárias.
Dois grupos são particularmente interpelados na sua responsabilidade profissional (os psicólogos escolares) e de projecto educativo (as direcções das escolas). São conhecidos os condicionamentos em que agirão e o poder que o Ministério pode ter sobre eles.
Resta aos que têm uma visão progressista da educação repetir o apelo que já aqui fiz, para que à esquerda se anuncie já que este regresso da velha escola cai com o Governo. E na Assembleia da República pode desde já dar-se sinais nesse sentido. Por exemplo, apresentando um projecto de resolução que recomende ao Governo a cessação imediata desta experiência de contra-reforma educativa no âmbito do processo reaccionário em curso na gestão da educação pelo Ministro Nuno Crato.

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