A crise social em que Portugal entrou e vai permanecer por uns anos vai afectar as instituições políticas e sociais e as que não souberem interpretar bem como devem posicionar-se em cada momento sofrerão consequências, riscos de erosão e, no limite, de fractura.
O quadro institucional do sistema político e de representação de interesses em Portugal é, com pequenas adaptações, o que resulta da gestão do PREC e do 25 de Novembro. Os grandes partidos vêm do pacto MFA-Partidos, os parceiros sociais da sua institucionalização nos anos setenta.
O nível de exposição à crise de cada uma destas instituições é variado, mas significativo. O abalo sofrido na UGT a propósito da Greve geral de 14 de Novembro é, talvez, o sinal mais forte até agora recebido do risco que refiro.
A liderança da UGT, a última instituição em Portugal gerida numa lógica de bloco central, tem apostado em manter as pontes com o governo que estão inscritas no seu código genético de sindicalismo apostado no diálogo. Mas este governo afastou-se do quadro neocorporativo que comandou o PS, a AD e os governos de Cavaco e Barroso. Não tem ministro com força e jeito para o diálogo social e não tem Primeiro-Ministro com simpatia por ele. Consequentemente, a postura dialogante da UGT tem obtido escassos resultados fora da relação com o Ministro da Segurança Social, que por sua vez foi amputado dos dossiers mais relevantes e está entre a espada do défice e a parede do seu próprio conservadorismo.
Coerente com o seu posicionamento de sempre, a liderança da UGT é muito prudente e rema contra a corrente em radicalizações de conflitos para os quais não se antevê projecto de solução e que se esgotam no simples protesto. Tem razão essa liderança quando pensa que a radicalização, no caso sindical, é protagonizada à luz do dia pela CGTP mas emana na sombra da estratégia política do PCP. Na linguagem típica da UGT esses são os protestos motivados por razões politico-partidárias. E quando recorre a essa linguagem para os classificar, demarca-se deles.
A greve convocada pela CGTP para 14 de Novembro foi classificada como greve geral, o que entre nós já só quer dizer greve em que se apela a todos os sindicatos que se associem e não em que se tenta paralizar o país. A UGT, coerente com o seu quadro de pensamento permanente desde a sua fundação, demarcou-se dela e não me surpreenderia que nos bastidores esteja em simultâneo a procurar algum ganho de causa com a negociação bem sucedida de algum assunto relevante.
Mas, como diria José Sócrates o mundo mudou. Os portugueses já não apostam na minoração dos efeitos das medidas deste governo. Passaram para o lado de lá da vedação, o da aspiração de que seja derrubado e as suas políticas substituídas por outras. E a densidade institucional da UGT e o peso da sua liderança sobre a organização já não é o que era. É
hoje notícia que mais de metade dos sindicatos da UGT aderem à greve que a central repudia. Tal "rebelião" contra a estratégia da liderança era impensável antes do início desta crise. Pode ser apenas o sinal do ciclo de transição interna de poderes? Pode. Mas parece mais o resultado da descrença no modelo neocorporativo em que a UGT hegemonizada pelos sindicalistas do PS e do PSD foi a ganhadora estratégica mesmo sem ser nunca maioritária entre os trabalhadores. Descrença que o governo instiga pela sua insensibilidade ao diálogo social.
De facto, é a atitude do governo e a ofensiva neoliberal que comanda que está a mudar as regras do jogo das instituições democráticas e de representação de interesses em Portugal. A concertação social pode ser a penas a sua primeira vítima. Assim como o consenso com os parceiros sociais dialogantes foi deitado no lixo, os consensos institucionais com as forças políticas foi reduzido a manobres de diversão na praça pública, sem aviso prévio, preparação adequada nem vontade real de construir qualquer aproximação de posições.
No plano sindical, tudo isto resulta numa vitória táctica da CGTP e, através dela, do PCP, que era inimaginável há dois-três anos. A erosão da credibilidade da moderação da UGT, abandonada pelos seus próprios membros, deve servir para os próximos, os partidos, porem "as barbas de molho".
Quando a luta aquece, ainda ninguém sabe o que, neste ciclo, acontece. E seria terrível se aos malefícios deste governo sobre a economia e a sociedade se juntasse a colonização do espectro partidário da esquerda (e talvez a seguir da direita, mas falarei disso noutra altura) por correntes que, perdido o referencial revolucionário e sem projecto para Portugal como sistema democrático no quadro do capitalismo, são meramente oportunistas e populistas.
Oxalá me engane, mas vejo no horizonte o espaço aberto para uma ofensiva populista sobre a esquerda que só um repensar sério dos seus papeis na sociedade portuguesa por parte das forças da esquerda democrática e dos movimentos sociais não radicalizados pode conter. A UGT pode estar a ser só e ainda, apesar de tudo ao de leve, a primeira vítima.