O Bloco fala como se Passos Coelho fosse uma marioneta da troika. Pelo contrário a troika é um aliado de ocasião das ideias que ele tinha antes de imaginar que ela chegaria a Portugal. Recomendo, pois, aos estrategas bloquistas a leitura deste documento da campanha de Passos Coelho contra Ferreira Leite, em Maio de 2008. Já então dizia abertamente pretender entre outras coisas:
- Focar a acção do Estado nos domínios de soberania;
- Promover uma concorrência sã, transparente e qualificada entre os sectores público, privado e social na organização e prestação dos cuidados de saúde, nomeadamente através de novos modelos de parcerias público-privadas e sociais;
- Promover a liberdade de aprender e de ensinar, por intermédio da iniciativa pública, particular e cooperativa, que entre si devem cooperar na manutenção de uma rede equilibrada e actualizada de ofertas educativas ao longo da vida, cobrindo, com qualidade, as necessidades de toda a população;
- Reduzir o papel que o Estado, directa e indirectamente, mantém na economia;
- Introduzir tectos para as contribuições e para as pensões que, mais do que gerador de equilíbrios orçamentais de longo prazo, favoreça a ideia de liberdade de escolha individual e de diversificação de riscos, de prevenção previdêncial das futuras gerações, libertando o Estado para apoiar as situações de maior dificuldade social.
O Bloco já ignorou uma vez o perigo de Passos Coelho chegar ao Governo em 2011, ao participar na tenaz esquerda-direita que derrubou Sócrates e fazer campanha com a ideia de que Passos Coelho não seria um Primeiro-Ministro diferente de Sócrates. Repete agora, acho, o erro ao ter como slogan "vencer a troika" estrangeira e não a direita caseira. Penso que já é visível para quem o queira, que há outra forma de ser interlocutor da troika e que vêm do próprio BCE e do FMI sinais de abertura para alternativas que Passos Coelho obstinadamente recusa em vez de esforçadamente procurar ampliar. Passos acredita na receita que está a aplicar, não está obrigado a ela. E esse é o nosso maior problema. A troika é apenas um problema sério, mas de segundo nível. Veja-se como, na própria direita europeia, Espanha gere de modo diferente a crise ou como os tecnocratas italianos procuram navegar nos interstícios de oportunidade que existem. Mas o Bloco prefere atacar a troika, consciente de que com isso se demarca inexoravelmente do PS em vez de atacar o PSD abrindo a porta a soluções políticas de entendimentos concretos com este.
Com o caminho que seguiu este fim-de-semana, o Bloco de Esquerda está em força nas primárias da esquerda populista, disputando ao PCP o apelo a um eleitorado que sofre as consequências destas políticas,sem lhes compreender as causas nem vislumbrar alternativas viáveis, mas retira-se do caminho da construção de uma alternativa de Governo de esquerda.
Dir-me-ão os amigos da maioria bloquista que não, que o Bloco anunciou o "verdadeiro" governo de esquerda. Esse que eles imaginam há-de chegar quando as massas revoltadas queimarem o Memorando em cerimónia pública no Terreiro do Paço e a insurreição popular generalizada na Europa tiver derrotado todas as comissões executivas da burguesia. Radio Tirana anunciava algo parecido há uma décadas.
Ao não perceber que a prioridade devia estar na construção de alianças concretas sobre políticas concretas e não na criação de zonas demarcadas de objectivos finais como a expulsão da troika, o Bloco auto-marginalizou-se do espaço das alternativas de Governo ao PSD-CDS e enfraqueceu a esquerda como um todo. Oxalá os portugueses não se enganem na avaliação deste erro crasso da nova liderança do BE e os que querem reforçar o espaço dessas alternativas tenham força suficiente e protagonistas capazes.
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