8.1.10

Classe média: um conceito não tão inútil como isso

O Pedro Magalhães entrou "à sociólogo" no debate blogosférico sobre classe média iniciado pela Fernanda Câncio (que presumo não tinha a intenção de entrar no debate académico dos sociólogos) e o Luis Aguiar Conraria. O Pedro chamou ao debate o (des)interesse do conceito de classe média e a dimensão do recurso dos estratos intermédios da sociedade a serviços domésticos. Por hoje, deixo o segundo contributo de lado. Lá irei mais tarde, especificamente e sem pré-conceitos.
 Discordo da ideia de que o conceito de classe média "é demasiado vago, impreciso e denotativo de realidades completamente heterogéneas para dispor de utilidade descritiva ou explicativa" e não me parece que esta frase de Pedro Magalhães seja acompanhada pelos investigadores das duas escolas sociológicas que mais se dedicam ao estudo das classes sociais em Portugal. Convoco, em defesa desta posição dois exemplos, ambos acessíveis na net.
Elísio Estanque, da FEUC, sociólogo de raíz marxista e representante português da abordagem de Olin Wright, embora não considere a classe média sequer uma classe no sentido marxista do temo, reconhece-lhe importância na esfera do consumo e na estruturação dos estilos de vida. A classe média, escreveu ele: "é um corpo intermédio da estrutura social que se reproduz através de recursos pré-existentes, mas que se expande nas sociedades em desenvolvimento, permitindo o acesso das camadas mais escolarizadas filhas de trabalhadores manuais e de pequenos proprietários tradicionais (da agricultura, do artesanato ou do comércio). O seu impacto na sociedade estende-se muito para além da estrutura produtiva, tocando as representações, ambições e expectativas de amplos sectores da classe trabalhadora, nomeadamente através da esfera do consumo e na estruturação dos estilos de vida". 
António Firmino da Costa, do ISCTE, e os membros da sua equipa  que viram na expansão das novas classes médias uma das maiores tendências de mudança na composição socioprofissional da União Europeia, concerteza que também não o acompanham. Escreveu ele, num texto conjunto com Rosário Mauritti e Susana da Cruz Martins, que  "no que respeita aos processos de recomposição socioprofissional, o aspecto porventura mais saliente, para a União Europeia como um todo, é o aumento rápido e significativo, verificado entre meados dos anos 80 e o início do século XXI, do peso percentual atingido pelas duas categorias melhor posicionadas na estrutura social: os “empresários, dirigentes e profissionais liberais”, situados no topo das distribuições sociais de recursos, poderes e status, e os “profissionais técnicos e de enquadramento”, basicamente as novas classes médias assalariadas, dotadas de níveis significativos de qualificações (técnicas, científicas e culturais) e/ou ocupando lugares intermédios nas hierarquias organizacionais. Em conjunto, representam agora 40% da população com actividade profissional. Em meados da década anterior pouco passavam dos 20%."
A discussão sobre a classe média não é em torno de um conceito tão inútil como isso. Ponho mesmo a hipótese contrária, de que se trata de um conceito de grande utilidade para perceber as identidades sociais nas sociedades contemporâneas.
O Pedro Magalhães discorda quer de mim quer - parece-me que posso dizê-lo com base nestes textos - do Elísio Estanque e do António Firmino da Costa. Prometo acompanhar os argumentos que quiser aduzir em defesa da sua posição. Aos que quiserem entrar agora no tema da investigação sobre classes sociais em Portugal, sugiro ainda que comecem pela leitura deste paper de Nuno Nunes. Por mim, não vi lá o desprezo pelas classes médias que atingiu o Pedro.

2 comentários:

Unknown disse...

Olá. Aprecio a argumentação, mas o meu ponto não muda: dizer que a "classe média" em Portugal é caracterizada pelos atributos a, b, ou c é uma afirmação que nos obriga a fazer uma de duas coisas:

- incluir nesse definição de classe média situações tão distintas como profissionais técnicos ou de enquadramento/gestores/nova burguesia assalariada; pequenos proprietários e/ou trabalhadores independentes de vários tipos; e assalariados "não manuais" com baixa/média qualificação. Fazer afirmações sobre este grupo tão vasto e heterogéneo de pessoas é possível, claro, mas a generalização que se fizer sobre este grupo vai ter sempre um interesse muito limitado. De resto, a sua citação do texto AFC et al vai precisamente nesse sentido: ele não indica um crescimento da "classe média", mas sim de um segmento muito particular dela.

- circunscrever a definição de "classe média" a um segmento particular dela. De resto, suspeito que é exactamente isso que foi feito por Fernanda Câncio, mesmo que inconscientemente. A classe média de que julgo que ela fala, e de que o Paulo falou no seu post anterior sobre o assunto, é não o conjunto da "classe média". Não inclui os assalariados dos serviços com baixas qualificações e rendimentos, não inclui os pequenos proprietarios nem uma parte importante dos trabalhadores independentes. Aquilo que eu imagino que inclua é o o segmento superior dela, precisamente as "novas classes médias assalariadas" de que AFC fala no texto que cita (ou a Nova burgesia assalariada de Goldthorpe, por exemplo). Mas isto é tomar a parte pelo todo. No todo, a "classe média",a afirmação de Fernanda Câncio, como já demonstrei à saciedade com dados empíricos, terá certamente de ser falsa.

É para evitar estas confusões que, creio, a sociologia que conheço sobre estas matérias não divide a sociedade em três classes (alta, média e baixa) mas sim em segmentos com maior capacidade de discriminação. Falar sobre a "classe média" sem dizer sobre o que se está a falar é como fazer afirmações sobre "os partidos de esquerda" em Portugal sem distinguir o PS do PCP, nem estes do BE, nem estes do MRPP: para algumas questões, poderá fazer sentido, mas na maioria dos casos representa um nível de agregação demasiado elevado.

Abraço,
PM

António Parente disse...

Caro Pedro Magalhães

Desculpe lá, mas é excessivo afirmar que demonstrou "à saciedade com dados empíricos". Citar 2 ou 3 estudos meio obscuros e efectuar inferências de Espanha para Portugal não me parece demonstração nenhuma.

Fernanda Câncio tem uma percepção empírica do que é a classe média que me parece bem melhor do que a sua.

Pode sempre usar argumentos de autoridade dado que tem um doutoramento e a Fernanda Câncio é jornalista mas quem está de fora percebe, à saciedade, que o Pedro Magalhães não demonstrou nada.

Pode continuar convencido que tem razão e eu mantenho a minha opinião.