O Despacho Nº 5106-A/2012 que não é assinado pelo próprio Ministro mas pelos seus Secretários de Estado, para o efeito funcionando como seus guarda-costas, tem vários aspectos que são lançados de uma penada e que não são, efectivamente, de mera organização dos serviços, fazendo com que esta forma de legislar por despacho se subtraia a qualquer controlo democrático. Com efeito, o princípio da "liberdade de escolha" do estabelecimento escolar (que foi preparado com muita discussão, por exemplo, no Reino Unido), ou a dimensão das turmas são mais do que simples aspectos formais e burocráticos. Mas, note-se, Crato não é o primeiro nem será o último Ministro da educação a fazer mudanças de peso por despacho.
O que me motiva especialmente a escrever este texto é, contudo, um ponto do referido despacho escrito em puro eduquês e que reza assim:
"5.10 - Na formação de turmas deve ser respeitada a heterogeneidade do público escolar, podendo,
no entanto, o director perante situações pertinentes, e após ouvir o conselho pedagógico, atender a
outros critérios que sejam determinantes para o sucesso escolar"
Este ponto é uma obra de arte do eduquês. Tal como nas obras de arte cada um pode ler lá o que entender e o criador oferece a quem o recebe liberdade de interpretação. Mas neste caso tal liberdade corresponde a dar poder discricionário sobre a realização do princípio fundamental da igualdade de oportunidades na educação. Os tais critérios serão determinantes para o sucesso escolar de quem? Esses tais critérios não têm limites materiais?
Dou alguns exemplos de onde pode levar o ponto 5.10. Pode uma escola decidir separar turmas de rapazes e raparigas? De brancos e negros? De portugueses e estrangeiros? De "bem" e "mal" comportados? Com e sem necessidades educativas especiais? De ricos e pobres? O despacho abre a porta a isto tudo e muito mais.
Sempre houve rumores sobre a organização encapotada de "boas" e "más" turmas nas escolas. Agora deixa de ser um pecado dos decisores nas escolas para ser uma prática legitimável por acto ministerial.
Tudo isto acontece em Portugal mais de seis décadas depois da decisão histórica do Supremo tribunal Americano que considerava a segregação escolar violadora da igualdade de oportunidades e muitas décadas depois das históricas conclusões de James S. Coleman de que na "mistura" escolar o que os "bons" alunos podem perder é muito menos do que aquilo que os "maus" ganham. Mas que se importa o neoelitismo de Nuno Crato com tais alunos? O Ministro tem a escola para todos numa consideração igual à dos ministros pré-Veiga Simão.
O eduquês que se traduz no ponto 5.10 não é só hermético, é reacionário e combatê-lo devia ser uma prioridade de todos os espíritos progressistas que acreditam na escola democrática. De facto, dar menos educação a quem tem maiores problemas resolve o assunto a quem ache que pobre, a bem dizer, nem precisa muito de escola.
4 comentários:
Sempre atento, Paulo. Peço licença para transcrever parcialmente e "linkar".Abraço.
O ponto 5.10 só me diz que os Directores das escolas e os conselhso pedagógicos passam a ter mais autonomia e por sua vez autoridade para resolver as questões da sua escola.
Não era isso que se andava a reivindicar há bem pouco tempo atrás??????? A não ser que haja outros pontos que contextualizem o dito para assim qualquer leitor entender o conteudo total.
Este Governo, e em especial este ministro da educação (o pior do Portugal democrático), nem sequer sabe o que quer.
Basta ver a resposta MEC (Nuno Crato) a uma petição entregue na AR sobre a temática da liberdade de escolha.
Ver relatório final, página 4, ponto a).
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePeticao.aspx?ID=12117
Está convocado pelo seu último parágrafo Mário Nogueira.
Entretanto para os índices escolares dos anos 60, Crato vai no bom caminho.
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