Portugal vai pôr em experiência no terceiro ciclo do ensino básico o regresso à concepção do ensino de há meio século. A experiência-piloto anunciada no DN de hoje, que de facto só pode ser um teste à aceitação social da medida, contém todos os erros das concepções ultrapassadas de ensino vocacional:
1. Diz aos jovens que ir aprender uma profissão é sinal de insucesso escolar, em vez de promover as aprendizagens vocacionais de todos os alunos;
2. Cria a ilusão de uma certificação profissional sub-escolarizada, numa Europa em que já nenhum jovem é diplomado profissionalmente antes da conclusão do ensino básico;
3. Reforça a ideia de que o ensino profissional é "fácil" e é para jovens que não têm sucesso escolar, apesar do insucesso escolar ser essencialmente nas disciplinas que, por serem fundamentais, terão que continuar a existir nesses cursos. Ou imagina-se um diplomado do 9º ano que não saiba português e matemática por ser "profissional"? Dito de modo mais cru, já é bom certificar a ignorância se for numa via profissional?
A experiência trará prejuízos enormes para a orientação vocacional, para a imagem do ensino profissional e para o desenvolvimento de ensino profissional a sério, respeitado e procurado, com padrões de qualidade. Só não o vê quem não está preocupado com as aprendizagens profissionais mas com a redução do "contágio social" num ensino polivalente. Tal como nos anos sessenta da saudosa educação salazarista. Nessa altura, quem queria progredir, tinha que fingir que experimentava. Agora, finge-se o mesmo, mas para regredir.
Não sou imobilista e defendo que se experimente um novo terceiro ciclo do ensino básico, com uma forte componente vocacional, mas para todos. Defendo a socialização profissional dos estudantes e parece evidente que o nosso sistema de ensino básico, aliado ao modelo predominante de educação familiar, afasta o jovem de aprendizagens básicas - de saberes, como de relações sociais - do mundo das profissões. Gostava de ver experimentado a sério, no terceiro ciclo, um ensino em que todos tivessem experiências de iniciação profissional, em vez das tímidas aproximações actuais que pouco ou nada adiantam.
O objectivo da socialização profissional no ensino básico, no séc. XXI deve ser preparar os jovens para a diminuição da distância social entre profissões, para a realidade do mundo do trabalho e para a diversidade de competências necessárias a uma vida de sucesso pessoal. Deve ser, também, avisar todos que a democracia é feita de mobilidade social nos dois sentidos.
A experiência que hoje é anunciada no DN é toda ao contrário. Vai-se experimentar se é possível regressar ao passado, não se vai contribuir nada para a educação de futuro. Espero que todos os partidos de esquerda anunciem rapidamente que esta experiência terminará logo que caia o governo de direita que temos.
1 comentário:
Pois é este governo apresenta como novo, o regresso aos tempos de Salazar. Temos contudo de lhe reconhecer coerência. Se aumenta o fosso entre os mais ricos e os mais pobres , nessas cabeças cinzentas faz todo o sentido aumentar a distancia entre um electricista e um engenheiro. Esta é a via do empobrecimento colectivo. A criação de riqueza e competitividade faz-se pela aproximação de competências de cidadania e não por distanciamentos de classe. Tem que ficar claro que na cabeça do ministro não há duvidas, electricista é burro e engenheiro é dotado de neurónios privilegiados.
João Teixeira
Sou eletricista
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