29.2.12

Da primavera árabe ao Inverno Sírio: uma nova Guerra Fria?


A Primavera árabe surgiu aos olhos ocidentais como um movimento jovem, urbano e de descontentamento social que gerou uma corrente de simpatia e esperanças de um novo período no Médio Oriente, menos centrado no pragmatismo maquiavélica das doutrinas dos interesses nacionais e mais ancorável na solidariedade entre os povos.
A evolução dos processos diferenciados de que estes movimentos de insurreição geraram em diferentes países deve deixar-nos menos optimistas, embora também não conduza a um balanço globalmente negativo.
A primeira mudança imediata nos regimes políticos da região é a da expansão de regimes pluripartidários com eleições competitivas e razoavelmente livres. Os processos assim ocorridos na Tunísia, em Marrocos e no Egipto atestam que é possível gerar processos democráticos em países árabes sem sobressaltos excessivos.
Concomitantemente, esses processos eleitorais fizeram surgir um novo quadro político-ideológico, com a reconversão das velhas fraternidades muçulmanas num novo demo-islamismo. O movimento demo-islâmico parece vir a preparar-se para ocupar o lugar do centro-direita na política dos países árabes minimamente estabilizados. Mais, este centro-direita, inspirado pelo partido AKP da Turquia, vai transformar o sistema turco de excepção que muitos julgavam visceralmente ligada à história laica do país no século XX no centro ideológico hegemónico no novo quadro político do Médio-Oriente.
Provavelmente, haverá um conjunto de países que arriscam tornar-se em novos Líbanos, retalhados pro guerras civis sangrentas de base étnica e religiosa. O derrube de Saddam já tinha arrastado o Iraque para essa situação. Mas seguramente a Líbia terá a sua prolongada guerra pelo controlo do poder e, tudo o indica, assim acontecerá também com a Síria, havendo o risco de a desestabilização da Síria arrastar o Líbano, embora possa ter também o efeito inverso. Com a Líbia, o Iraque a Síria desestabilizados, a frente que foi anti-americana na região fica desfeita, mas também razoavelmente imprevisível.
O desfecho do processo do Egipto tem ainda alguns níveis de incerteza. Fazendo um paralelo com o Portugal de 1974, o Egipto ainda não atingiu o seu 25 de Novembro, a partir do qual se definirá a natureza do novo regime. Tudo aponta para que se junte aos novos regimes demo-islâmicos, depois de a revolução ter devorado na sua energia os militantes urbanos, laicos ou das minorias religiosas. A ser assim, Egipto e Turquia fariam uma dupla hegemónica sobre a região que geraria, para o melhor e o pior, um novo parceiro político na discussão do Médio-Oriente, hegemonizado por um parceiro da NATO e suportado em dois exércitos altamente profissionalizados e com treino ocidental.
Há, contudo, sinais de que o eixo Turquia-Egipto e a nova corrente demo-islâmica não está sozinha no terreno. O apoio do Qatar aos rebeldes na Líbia, depois na Síria e, agora, a espectacular transferência doa liderança do palestiniano Hamas de Damasco para o emirado sugere que no Golfo há quem tenha outra agenda.
O comportamento do eixo do Golfo desde a Primavera árabe apenas se compagina com a agenda Ocidental na tentativa de isolamento regional do Irão. Esse mesmo Irão que na última década armou e pagou o Hamas.  Em tudo o resto diverge. O Golfo não se mexe por pulsões democráticas ou reformistas no islamismo. A repressão da insurreição no Bahrein - a que nunca fez grandes reportagens na AL Jazeera, nem se viu que extensão terá realmente tido - está aí para o recordar. Por outro lado tem ligações no mínimo polémicas com sectores que foram pelo menos próximos da Al-Qaeda e que integraram as milícias no Iémene, na Líbia e agora na Síria. 
A transferência do Hamas para o Qatar seria impensável há uma década e teria provocado uma forte condenação americana que agora se não viu.
No novo xadrez regional, Israel não está melhor acompanhado do que antes. A parceria com o Egipto corre sérios riscos de ser desfeita como a boa relação com a Turquia está comprometida já desde os antecedentes do assalto à flotilha em Gaza. Israel vai ter que reconstruir a sua visão da região e fazer escolhas. Parece-me claro que a mais segura é a de uma relação discreta mas diplomaticamente sólida com as novas forças demo-islâmicas, ou seja com o eixo Turquia-Egipto. Mas para isso é necessário que o Egipto não fique desestabilizado e as potências do Golfo sejam neutralizadas. Tal implica, infelizmente, que não haja desfecho rápido na situação da Síria.
Neste quadro. o Irão acabará totalmente isolado externamente, depois de ver a legitimidade do regime enfraquecida internamente. Parece-me o mais perigoso dos cenários quanto à manutenção da paz. Em quadros destes, a tentação bélica é enorme. E para onde cairá o Hezbollah? Continuando fiel ao Irão, como   se comportará dentro do Líbano e na guerra com Israel? Custa-me a ver essa frente manter-se calma por muito tempo.
 E no dia em que o Ocidente afirmar/reconhecer que o Irão está na iminência do ponto de não retorno nuclear? 
Terá Israel informações, força e interesse em substituir-se aos EUA num ataque cirúrgico ao Irão, apesar dos riscos de retaliação? Eu diria que sim, até porque a fractura entre a Turquia e o Golfo não deixará de ser paralizante de qualquer manifestação de força que vá além das palavras.
Mas pode também ser, oxalá seja, que o redesenho das tensões políticas no Médio Oriente ponha a regi~~ao numa dinâmica do tipo Guerra Fria. Talvez fosse o melhor, pensando em geopolítica. E ajudava a que nos sentíssemos reconfortados por saber que, no rescaldo da Primavera árabe, é verdade que há alguns povos que conquistaram a democracia .

27.2.12

De Napoleão aos Kim, passando por Alves dos Reis?

A semana passada a Time deu conta de novo de uma história que põe a Coreia do Norte a seguir o método Alves dos Reis de fabrico de notas. Simplesmente, fazer notas verdadeiras "apenas" não emitidas pela Reserva Federal. Mas, afinal Alves dos Reis tinha antecessores de peso, incluindo Napoleão... e o método faz parte do arsenal de técnicas de guerra conhecidas:


The “super” moniker does not stem from any particular talent on the part of the North Koreans. It’s a matter of equipment. The regime apparently possesses the same kind of intaglio printing press (or presses) used by the U.S. Bureau of Engraving and Printing. A leading theory is that in 1989, just before the collapse of the Berlin Wall, the machines made their way to North Korea from a clandestine facility in East Germany, where they were used to make fake passports and other secret documents. The high-tech paper is just about the same as what’s used to make authentic dollars, and the North Koreans buy their ink from the same Swiss firm that supplies the US government with ink for greenbacks.
Forging $100 bills obviously gels with the regime’s febrile anti-Americanism and its aim to undercut U.S. global power, in this case by sowing doubts about our currency. State level counterfeiting is a kind of slow-motion violence committed against an enemy, and it has been tried many times before. During the Revolutionary War, the British printed fake “Continentals” to undermine the fragile colonial currency. Napoleon counterfeited Russian notes during the Napoleonic Wars, and during World War II the Germans forced a handful of artists and printing experts in Block 19 of the Sachsenhausen concentration camp to produce fake U.S. dollars and British pounds sterling. (Their story is the basis for the 2007 film “The Counterfeiters,” winner of the 2007 Oscar for Best Foreign Language Film.)

13.2.12

Aqui (Fernando Assis Pacheco) [em Villanueva do silêncio/ del Fresno]

Porque o mataram com um tiro
nas costas, em Villanueva.
Aqui, aqui - não fosse falar.
Porque o mataram em Villanueva,
isto é, longe. Ficou sem voz.
Os olhos parados, girassóis
na névoa. Breves pulsos
desatados. Em Villanueva,
com um tiro nas costas.
Não fosse falar, mover-se
pelas estradas - isto é, perto.
Em Villanueva del Fresno.

Olha o mapa. É aqui.
Este pequeno ponto
quase imperceptível.
Aqui, aqui - mostro
a quem quer ouvir-me.
No silêncio do Outono.

Em Villanueva do silêncio
del Fresno. Com um tiro.

Assim se mata longe, perto.

(Francisco Assis,Pacheco, Poemas Livres 3, Porto, Edição dos Autores, 1968, 94 páginas. Coordenação dos Autores. (s/ Depósito Legal; s/ ISBN)).


Nota: A 13 de Fevereiro de 1965, em Villanueva del Fresno, Humberto Delgado foi assassinado pela PIDE).

9.2.12

Ilusionismo orçamental: acção social no Ensino Superior

"O que estava no OE para o Fundo de Acção Social para 2011 era uma verba do fundo social europeu de 103 milhões que não existiram, não se concretizaram. Não vamos comparar números que não existiram"
(João Queiró, Secretário de Estado do Ensino Superior, na Assembleia da República)

Esta declaração é puro ilusionismo orçamental. Como não existiu a verba do Fundo Social Europeu? O planeamento do FSE é plurianual. Se o dinheiro não existiu é porque o Minsitério não se candidatou a executá-lo ou se candidatou e depois, por qualquer motivo, o não executou. Qualquer das duas explicações desta explicação carece de ser explicada.