28.6.12

O Egipto pode estar nas vésperas de ser governado por uma direita democrata-islâmica

Middle East News Agency (MENA)/Handout/Reuters
Foto: Middle East News Agency (MENA)/Handout/Reuters in Time

Os sorrisos na foto, trocados entre os Bispos da Igreja Cristã Copta e o Presidente eleito, saído da Fraternidade Muçulmana, Mohamed Morsy, podem ser meramente de ocasião. Mas o facto de serem recebidos no Palácio Presidencial ainda antes da investidura do novo Presidente tem significado político. Os sinais de que a Fraternidade Muçulmana pode ter tido a evolução ideológica, a visão estratégica ou pelo menos a flexibilidade táctica para evoluir para uma força que ganha distância do islamismo sectário acumulam-se e são bons sinais. Não é impossível que no Egipto que se prepara haja uma grande direita democrática representada por um partido democrata-islâmico que se coloque no espectro político e nas relações com os valores sociais e as instituições como a democracia-cristã europeia se colocou no pós-II Guerra Mundial.
Essa evolução transformaria a Turquia actual de excepção em modelo seguido pelos países em que o seu modelo de direita democrática, representado pelo AKP,  se torne dominante. A Fraternidade Muçulmana parece querer ser o mais recente mas também mais forte aliado, pelo menos para já, desse modelo político.
Mas a chave do sucesso turco da corrente democrática-islâmica assenta muito no sucesso da política económica e aí, para já, o Egipto está numa situação muito diferente da Turquia, agravando as dificuldades de governabilidade do país.

Sabia que para receber o subsídio de desemprego é obrigado a revelar o estatuto laboral do seu cônjuge ou parceiro em união de facto?

De vez em quando deparamo-nos com umas pérolas legislativas que desafiam as ideologias. Por exemplo o que terá levado o PCP e Os Verdes a votar  a favor (e o BE a abster-se) num projecto-lei da iniciativa de CDS-PP que passou à história como a Lei nº 4/2010, na qual se diz no nº1 do artº 2º que "é obrigatória a actualização dos dados relativos à situação laboral do cônjuge ou equiparado por parte do requerente das prestações de desemprego"?
O CDS-PP tão avesso ao estatuto das uniões de facto, aqui não se importou de as reconhecer amplamente para criar uma obrigação aos desempregados. E o PCP e os Verdes deram uma de defensores da família como unidade básica da nação. Até podemos dar aos desempregados certos direitos relacionados com o seu estatuto familiar, mas o dever universal de declarar dados das suas uniões de facto e casamentos para receber o subsídio de desemprego a que ganhou direito pelo seu trabalho individual?

27.6.12

João Carlos Espada merece melhor

O Filipe explica na Jugular porque ler Henrique Raposo é uma pura perda de tempo. Ele nunca faz o trabalho de casa. Manda umas bocas e quando se aventura pela ficção nota-se mais ainda o rigor com que se dedica a merecer o salário do Expresso. este último, nos seus textos, sobe ao nível de análise política do Correio da Manhã e de literatura de uma das conversas de Alexandra Solnado com Deus.
Mas discordo radicalmente do Filipe num ponto. Ele pode ter algumas contas intelectuais a ajustar com os textos de João Carlos Espada, mas quando comparado com Henrique Raposo... Bom, será sempre um homem que bebeu algo com com Popper posto ao nível de alguém que gostaria de ter um autógrafo de Paulo Coelho.

Congresso Democrático das Alternativas: defender a República para o século XXI

Ao contrário do meu amigo Daniel Oliveira, limitei-me a juntar-me - e em cima da hora - à primeira vaga da onda do Congresso Democrático das Alternativas, cujo manifesto já está disponível no Arrastão.
texto da convocatória, desculpem-me os seus autores, não me entusiasmou e não o acho particularmente inspirado ou construído de forma a potenciar a máxima convergência possível. Há alternativas para além da denúncia que se presume unilateral do memorando de entendimento com a troika.
Mas sem discutir alternativas não se consegue sair dos simplismos dicotómicos e acredito que a necessidade da discussão está tanto ou mais no espírito da convocatória quanto a sua linguagem, excessivamente Syryza para o meu palato político.Quem quiser discutir o mundo em transformação não pode prender-se excessivamente ao ponto de partida de quem generosamente se prontifica a abrir a discussão. Pessoalmente, interessa-me menos saber qual é o ponto de convergência dos diligentes iniciadores do Congresso do que o conteúdo do debate que com o seu trabalho tornam possível.
Num ponto não tenho dúvidas em acompanhar o espírito do Manifesto que hoje é apresentado - tem que haver outras saídas para a crise. As postas em prática na Europa desde a derrota de Gordon Brown no Reino Unido não funcionam e empobrecem-nos colectivamente.
Também não gosto do Memorando de Entendimento e preferia que ele nunca tivesse existido, mas sem esquecer as responsabilidades partilhadas por toda a esquerda portuguesa, do PS ao PCP e ao BE, na criação da crise política que o tornou inevitável.
Acresce que a crise mudou desde o tempo em que o Memorando foi assinado. Não é  uma crise localizada num pequeno grupo de países com problemas orçamentais e de despesa pública, mas uma crise de ausência de respostas europeias e de mecanismos que sustentem a sua moeda. Também não é uma crise devida às maldades da existência do Euro, mas aos erros institucionais com que nasceu.
Em Portugal a intensidade da crise económica e social foi agravada, não é demais repeti-lo, pelo derrube do governo minoritário do PS, em que BE e PCP caminharam de braço dado com a direita, porventura inconscientes das consequências do seu gesto. Ninguém à esquerda pode passar por cima deste "incidente", a meu ver trágico, da percepção do que o tornou possível e de como se formou e evoluiu nesse caminho, se pretende sair da retórica das acusações recíprocas para  a busca real de alternativas. Com a esquerda bloqueada e fracturada entre pragmatismo excessivo e maximalismo inconsequente não haverá alternativa nenhuma à solidez política dos governos de direita. Ou talvez haja uma, o bloco central que ninguém quer.
Noutro ponto essencial comungo do espírito e da letra do Manifesto - é necessário um resgate democrático de Portugal. Teremos, concerteza, divergências significativas sobre o conteúdo de tal resgate. Mas, uma coisa é certa, sem resolver os impasses da esquerda ele não acontecerá. E àqueles que pensem que o caminho é o do "milagre" grego recordo que com o PASOK encostado à direita e enfraquecido, o Syryza apenas conseguiu comandar a oposição. Para mim, é fraco consolo para uma esquerda progressista e transformadora assistir impotente à sua fragmentação e dispersão de campos. 
O caminho para que  procuro contribuir é o oposto do grego, é o da geração de alternativas que alimentem plataformas de pensamento que possam corporizar um governo diferente. É por acreditar que haja no Congresso mais gente com quem partilhe essa motivação, ainda que divirja em muitas coisas concretas, que  lá estarei no cinco de Outubro da República cuja comemoração este governo considerou um luxo dispensável. 
Na minha visão, o que importa é defender a República para o século XXI. Quaisquer outras agendas para a iniciativa são legítimas, não sendo as que me movem. Aliás, quem pensou a iniciativa tem toda a legitimidade para puxar por elas.. Eu apenas não acho que partilhá-las seja um pré-requisito para procurar as convergências que mais cedo ou mais tarde desbloqueiem a esquerda portuguesa e façam das actuais esquerdas uma força de governo com importância política proporcional aos eleitores que nela confiam. 
Quem for por outro caminho, acho eu, terá bons soundbytes - que nos promotores há muita gente inteligente capaz de os inventar e dizer - e proclamações gloriosas, mas pouco impacto na transformação progressista do país. 
Cumprimento, antes de mais, a coragem de abrir as portas ao debate entre as esquerdas que os iniciadores tiveram e aproveito também para dizer aos que se fecharem nas muralhas das suas certezas que cometem o erro de pensar que o futuro da esquerda em Portugal se pode fazer pelas linhas do século XX. Tudo aponta noutro sentido.

26.6.12

Será o Uruguai o próximo case study na luta contra a droga?

Marijuana

Portugal foi pioneiro na mudança de métodos de luta contra a droga. A nossa abordagem, primeiro foi violentamente criticada, depois passou a case study e influencia hoje muitos países. Mas, como por toda a América Latina se vai dizendo, o combate ao tráfico tem que procurar também novas soluções.
O Presidente José Mujica do Uruguai  deu o passo seguinte, ao propôr ao Congresso uma medida que com justiça considera ser de luta contra o crime organizado e visa legalizar e controlar a venda de marijuana. A Time estima que o mercado negro desta droga no país vale 750 milhões de dólares, que assim serão subtraídos ao narcotráfico.
Não faltará quem repita os clássicos argumentos sobre a ingenuidade, a perversidade e o risco de atitude tão fora do tom do consenso global. Mas também ninguém pode, olhando para a Colômbia e o México ou - a outra escala - a Guiné-Bissau, dizer que a política do combate policial e militar diminuiu ou enfraqueceu as redes mundiais de tráfico. 
Caso Mujica consiga fazer passar a sua lei no Congresso e vencer as poderosas forças que se lhe oporão, vindas de diversos lados e com motivações díspares, talvez seja daqui a uns anos o país que substitui Portugal como case study do passo seguinte no processo de luta contra o falgelo da droga.

Meanwhile in US: Relax... The President says we're doing fine

Time. Best Cartoons of the Week. 

25.6.12

Egipto: o processo negocial em curso

Mohamed Morsi foi declarado vencedor das eleições presidenciais do Egipto e com ele a Fraternidade Muçulmana.  Esta, depois de vencer folgadamente as eleições parlamentares que serviram de base também à designação dos constituintes, tem claramente a legitimidade eleitoral do seu lado, pelo menos neste momento.
Mas esta não chega para que Morsi e a Fraternidade tenham para já o poder. A dissolução do Parlamento ordenada pelo Supremo Tribunal que sobreviveu da ditadura e a ausência de uma constituição tornam o poder real do Presidente completamente incerto. A estrutura militar que teoricamente assegura a transição revolucionária (o Supremo Comando das Forças Armadas) tem consigo a legitimidade da força, que já demonstrou estar disposta a usar (e já usou) bem como o controlo sobre várias àreas do poder real do país. O tempo que demorou a declarar vencedor Morsi e a declarar derrotado o último Primeiro-Ministro do regime "deposto" é indício suficiente de que há no Egipto um processo negocial em curso e um equilíbrio de poderes ainda indeterminado.
A que constrangimentos teve que submeter-se Morsi para conseguir a Presidência? O tempo dirá, mas a clara reafirmação das alianças internacionais do Egipto no discurso de posse deixa claro que é tempo de pragmatismo para a Fraternidade.
Tal pragmatismo só surpreenderá, no entanto, os mais afastados da evolução dessa força política. Tudo aponta para que a proximidade com Recep Tayyip Erdoğan não se confine às semelhanças de siglas partidárias (Partido da Justiça e da Liberdade no Egipto e Partido da Justiça e do Desenvolvimento na Turquia). Se Morsi abraçar o caminho de Erdoğan, a sua relação com os militares será tensa mas constante e  do equilíbrio tenso entre negociação e confronto entre as duas forças resultará o perfil do regime futuro.
Neste jogo de cúpula, os derrotados serão provavelmente os sectores mais cosmopolitas que acreditaram na força da Praça Tahrir. Por desagradável que seja, nada que não costume acontecer na recuperação institucional de processos revolucionários. É mesmo bem possível que alguns desses sectores sejam chamados a manter-se dentro do pacto que parece desenhar-se, por exemplo integrando o Governo que há-de formar-se e que deles nasça a esquerda do novo Egipto.
O quadro pós-Primavera continua em desenvolvimento, mas nos seus traços gerais,  o quadro de nova guerra fria mediterrânica sobre que escrevi em Fevereiro parecem manter-se e - inclusivé na questão síria continua a ser um desfecho provável aquele em que, como então escrevi, Egipto e Turquia fariam uma dupla hegemónica sobre a região que geraria, para o melhor e o pior, um novo parceiro político na discussão do Médio-Oriente, hegemonizado por um parceiro da NATO e suportado em dois exércitos altamente profissionalizados e com treino ocidental.

22.6.12

Pode a polícia municipal ter sido injuriada e agredida antes de o ser? Indispensável ler Óscar Mascarenhas, amanhã, no DN.

No Arrastão, Sérgio Lavos conta um episódio que Porfírio Silva, muitissimo bem, classificou entre as coisas que desgraçam uma democracia. Portanto, já está tudo dito, basta clicar e ler e eu nada tenho a acrescentar a propósito de o Diário notícias ter impresso, três horas antes de acontecer, o relato de uma intervenção da Polícia Municipal do Porto em que esta teria sido alvo de injúrias e agressões.
Apenas venho ao assunto para avisar que Óscar Mascarenhas, Provedor do Leitor do DN  - que já disse que pediu "esclarecimentos urgentes à Direção do DN, sendo certo que a notícia parece sustentar-se em informações fornecidas pelas forças policiais" - faz amanhã a análise do que aconteceu (como se lê, também no Arrastão).
Veremos se o que parece - ou seja que a Polícia Municipal difundiu  que tinha sido injuriada e agredida num evento que ainda não acontecera - é. Se for é muito grave. Da parte de uma polícia que minta antecipadamente e da parte de um jornal que difunda acriticamente tal comunicado como se de notícia se tratasse e sem sequer ter a cautela mínima de identificar a fonte. Mas, em matérias tão sensíveis, prognósticos só no final do jogo. Indispensável ler Óscar Mascarenhas.


8.6.12

Bons na polícia, maus no ensino?

Que futuro devemos esperar para um país em que  a "capacidade para o trabalho" por sectores demonstra que as forças policiais são o sector mais capaz e o menos capaz é o ensino? E o que nos pode dizer isto sobre o nosso presente?