28.7.12

A dupla insularidade de Timor-Leste

Terminei hoje uma semana intensa de ensino de política social em Timor-Leste, no âmbito da cooperação entre o ISCTE-IUL, a Universidade Nacional de Timor Lorosa'e e o Ministério da Solidariedade Social da República Democrática de Timor-Leste. Da reflexão e discussões havidas resulta no meu espírito a ideia de una dupla insularidade Timorense no que diz respeito ao modelo social que pretende desenvolver. Á sua insularidade geográfica acrescenta-se uma insularidade institucional na região da Ásia e pacífico. O modelo social para o qual apontam a Constituição e até os programas já em vigor têm uma inspiração institucional que podemos encontrar na América Latina (sobretudo no Brasil) e em certos países africanos (por exemplo nos PALOP), bem como reminiscências da social-democracia e da democracia-cristã europeias. Mas isola o país, rodeado de países com modelo social liberal (como a Austrália) ou produtivista-conservador (como quase todo o sudeste asiático). Se a isto juntarmos a fragilidade da base económica do país e a sua dependência das rendas públicas dos recursos naturais, resulta uma insularidade institucional que faz do país um caso de estudo, nos seus sucessos e dificuldades. Ao mesmo tempo, coloca algumas questões sobre o impacto que possa ter no desenho das instituições ainda em curso a entrada na ASEAN e um eventual mergulho nos mares institucionais dos países vizinhos. Em que resultará a dupla insularidade de Timor-Leste?

16.7.12

Tempos eléctricos

Tempos eléctricos
(ouvindo um solo de John Lord no dia da sua morte)


Eram crisálidas.

Ainda usavam ao pescoço os fios com cruzes penduradas 
que as mães lhes tinham dado, talvez na comunhão.
Mas dormiam com as namoradas e
tocavam de tronco nu e
deixavam crescer os cabelos 
(elas rapavam-os) e 
de tacão alto e 
boca de sino
começavam todas as noites
o tempo novo que ninguém antes começou.

Os heróis da colunas Marshall,  
transformaram nesse tempo eléctrico
o rock em jazz frenético.


Agora morrem
estas borboletas exuberantes.
A plenitude é efémera.

15.7.12

Produção de bem-estar ("welfare production") um tema de investigação fora de moda, quanto aos humanos

Ao pesquisar numa base de dados científica as publicações sobre "welfare production" deparei-me, com alguma surpresa, com a anémica produção recente de artigos sobre bem-estar humano (é certo que compensada quando introduzido o tópico qualidade de vida) e a florescente investigação sobre produção de bem-estar animal.

12.7.12

Organizem-se e respeitem-nos

Caiu-me no mail uma mensagem do Sindicato Nacional do Ensino Superior de que sou sócio, narrando o que julgava impossível nos dias que correm.
Diz o SNESUP que o Ministério da Educação respondeu a uma proposta sindical com folha de rosto timbrada do Secretário de Estado do Ensino Superior e mais onze páginas com o timbre... do Ministro dos Assuntos Parlamentares. Diz ainda que estava prevista para ontem, na Direção-Geral do Emprego Público, uma reunião de conciliação na discussão de um Acordo Coletivo para as Carreiras Especiais Docente Universitária e do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico a que o Governo... faltou.
Acho a cooperação entre departamentos do governo louvável, mas a resposta de um Minsitério com papel timbrado dem outro é de um atabalhoamento inexplicável. Também acho que o Governo tem direito a recusar sessões de conciliação, mas, simplesmente, faltar a reuniões, não é aceitável. Organizem-se e respeitem-nos.


PS. Para os incrédulos, anexo o comunicado do SNESUP:


Encontra-se aberto, nos termos do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, um processo de celebração de um Acordo Coletivo para as Carreiras Especiais Docente Universitária e do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico:


Decorre neste momento na Direção-Geral do Emprego Público, sob a presidência de uma magistrada judicial, o respetivo processo de conciliação.

O Ministério da Educação e Ciência recusou-se a cumprir as datas acordadas em reunião anterior e nem sequer compareceu à reunião agendada para ontem, pelo que a juíza presidente marcou para 19 de setembro nova reunião.

Na véspera havíamos recebido no nosso fax um texto, impropriamente qualificado de "contraproposta", em que se dedicava a maioria das páginas a uma tentativa de provar que as matérias da nossa proposta não podiam ser objeto de Acordo Coletivo. Curiosamente apenas a primeira das doze páginas vinha em papel timbrado do Secretário de Estado do Ensino Superior, vindo as restantes onze em papel timbrado do Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas. Desconhecíamos que o papel de coordenação deste Ministro dentro do Governo já abrangesse o ensino superior.

Confirma-se assim a impressão que já nos deixara a recusa, por falta de oportunidade, de introdução de alterações pontuais no ECDU e no ECPDESP e nos respetivos regimes transitórios:  a presente equipa do Ministério não quer colaborar na resolução dos problemas que vêm sendo criados ao ensino superior e às carreiras, antes constitui ela própria um fator de bloqueio.

10.7.12

OS "unitários" e os "comunistas": episódios de uma guerra sobre autonomia sindical

Há uma séria divergência no espaço sindical comunista sobre a autonomia em relação ao seu Partido. Embora passe relativamente despercebida, em alguns sindicatos tornou-se no conflito central. É o caso do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa. Daí que não seja surpreendente ao observador com alguma proximidade que Paulo Sucena, antigo Presidente do Sindicato escreva sobre as recentes eleições:


A Lista A, afecta à anterior Direcção, amplamente unitária, venceu as eleições para os diferentes órgãos do Sindicato com cerca de 1000 votos de diferença relativamente à Lista B, composta por independentes e filiados no PCP.


Bem pode Paulo Sucena lamentar a divisão e pudicamente não referir em público as raízes do conflito que lamenta na página da Renovação Comunista. Mas, a actual direcção do PCP não tem dúvidas de que toda a autonomia tem que ser combatida. Infelizmente para a CGTP, não abundam comunistas que sejam antes do mais sindicalistas, como acontece no SPGL.

9.7.12

Timor-Leste: Xanana ganha, Partido Democrático é o fiel da balança da governabilidade

Xanana - elegendo 30 deputados - ganha e fica bem posicionado para formar coligação maioritária, este parece ser o resultado das legislativas timorenses. A FRETILIN - com 25 deputados - ficou em segundo lugar e apenas mais dois partidos elegeram deputados: o Partido Democrático (8 deputados) e a Frente Mudança (2 deputados).
Xanana parece ter boas condições para formar uma coligação maioritária. Mas, como já aqui prevíramos, o Partido Democrático de La Sama e apoiado por Ramos Horta, é o fiel da balança. Formalmente, quer o CNRT quer a FRETILIN poderiam formar maioria absoluta, embora a desta última fosse só de um lugar.
Dos 21 partidos concorrentes, apenas estes 4 passaram a barreira dos 3%. Um quinto, o partido KHUNTO, ficou-se pelos 2,97% e perdeu por uma unha negra a hipótese de eleger dois deputados. Veja os resultados no blogue La'o Hamutuk

No Barómetro social: o desemprego veio para ficar. O que vai mudar?

O Barómetro Social da Faculdade de Letyras da Universidade do Porto pediu-me um contributo para a discussão sobre o desemprego. Eis o que acho:
Mais tarde ou mais cedo perceber-se-á que a crise do emprego implica uma crise das actuais políticas de emprego. Se a minha visão não estiver errada, o novo desemprego veio para ficar.
As instituições do mercado de trabalho que se cuidem ou não evitarão que os dinamismos sociais cuidem delas. Resta saber se haverá reformas antecipatórias e proactivas ou meramente reactivas e depois de tensões sociais de que tipo e intensidade. 


Pode ler o texto na íntegra, no site do Barómetro.

5.7.12

Não é o bosão e pode dar origem a piadas de mau gosto, mas é uma descoberta portuguesa

Uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro descobriu quatro novas espécies animais, para enriquecer o nosso conhecimento da biodiversidade, que reuniu na designação de Lumbrineris lusitânica.
Sim, o que agora mostrámos ao mundo são quatro novas espécies de vermes marinhos. O que se anda a descobrir entre nós não é o bosão de Higgs e pode até dar origem a piadas de mau gosto, mas é um avanço cientifico nosso.

PS. Obrigado aos que me chamaram a atenção para o - entretanto corrigido - erro ortográfico do "z" em bosão.

4.7.12

Também lhe pedem para pagar em cash nos consultórios médicos?

Carlos Medina Ribeiro, no Sorumbático, queixa-se de duas realidades desagradáveis em consultórios médicos. Uma delas é ter que pagar em cash. A que será devida essa fobia dos clínicos aos novos meios de pagamento?


Trunfo diplomático turco: 16 MNE, incluindo Portugal, defendem novo impulso no processo de adesão à UE

A 28 de Junho, poucos dias antes de começar o semestre da presidência cipriota, que a Turquia não reconhece, na sequência do conflito que divide a ilha, a diplomacia turca conseguiu um trunfo de alguma relevância sob a forma de um texto assinado por 16 Ministros dos Negócios estrangeiros da UE, incluindo Paulo Portas.
O texto foi publicado pelo jornal turco em língua inglesa Hürriyet Daily News. Como se lê no parágrafo final (clicando tem acesso ao texto na íntegra):

We represent countries that have not always shared the same view on how to realize Turkey’s European perspective. But we are united in seeing the accession process as a vital framework for cooperation and a powerful stimulus for reform. Injecting new momentum into the process will benefit both the EU and Turkey. That must be our ambition in the months ahead.

Os signatário são os MNE da Bulgária, Estónia, Finlândia, Alemanha, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Espanha, Suécia e Reino Unido.     

3.7.12

Agenda. Tanto Mar, hoje, 18h30, na Bertrand Chiado.

Não estivesse eu do outro lado do que já foi o mare nostrum e lá estaria, na Bertrand do Chiado, a dar um abraço aos autores (e comprar o livro, já agora).

1.7.12

"Não crês no amor? Cala-te estupor": sobre a mística de certos casamentos

Não crês no amor?
?
Não ouves?
?
Não crês no amor?
Cala-te estupor.


 Passadas algumas décadas continuo a reter estes versos do POEMA DO AUTOCARRO (Um de quinze tostões. Campo de Ourique.) do António Gedeão por via da cantata em que o maestro César Batalha, com o Coro de Santo Amaro de Oeiras, reinterpretou soberbamente o tema. Julgo guardar algures ainda o respectivo vinil. Amor é uma palavra pouco comum no meu vocabulário. As palavras gastas e usadas por tudo e por nada sofrem profunda erosão e tornam-se ásperas, amargas, frutos do acaso. Sosseguem. Não vou teorizar (melhor: especular sobre o tema). Vem tudo isto a propósito de neste último dia de Junho, final do Semestre europeu, expressão a conquistar lugar no dicionário das (in)utilidades, realizaram-se dois casamentos, a larga distância um do outro, de pessoas do meu território afectivo que tiveram a particularidade de sair do quadro normal instituído.
Algures em Sintra, a Ana e o Nuno foram à igreja! Eu explico: já estão casados, têm uma filha a caminho de ir para a primária e a Ana entendeu que deveria ter um casamento católico. O Nuno aceitou na condição de só ela fazer os respectivos votos e, consequentemente, ficar desobrigado dos santos sacramentos da igreja. Não é fácil de explicar, mas de uma forma simples, a Ana casou sozinha pela igreja. Disseram-me que o padre tudo faria para que na cerimónia não fosse visível este desiderato. A esta hora não sei ainda como as coisas se passaram, mas desejo-lhes boa sorte. Eles merecem! 
Aqui em Tirgu Mures, na Transilvânia romena, cidade onde a população é metade hungara e a outra metade romena, realizou-se o casamento da Lavinia com quem trabalho, no âmbito de um projecto de transição escola vida activa, há cerca de ano e meio. Na última reunião de trabalho e de coordenação propôs que a próxima se realizasse a 2 de Julho, anunciando que se ia casar no sábado 30 de Junho e procedendo ao convite/exigência de marcarmos presença no acto. Mas não vais de lua de mel, retorquimos. Não, só vou depois, na segunda vamos trabalhar. E assim foi! 
O que tem de especial é o facto de a Lavinia casar pela igreja ortodoxa com um muçulmano da Jordânia e, tal como a Ana, na prática casar sozinha... com o Ahmed! Ao fim de dez horas de maratona casamenteira, eis o balanço. O casamento religioso realizou-se ao ar livre no jardim do hotel/restaurante Atlântico, tendo a mesa/altar sido instalada em cima da relva no meio das ameixoeiras, macieiras e cerejeiras. Só estas já não tinham fruto e as outras ainda estavam em processo de maturação. Belo local, excelente ambiente. Coloquei-me numa posição estratégica - debaixo de uma cerejeira, àquela hora, meio dia aqui, dez horas em Lisboa, os termómetros nos 30 - de modo a poder observar todos os passos essenciais do acto. De onde estava via de frente todos os passos. O padre, homem para 1, 90 metros e uma volumetria bastante para lá da centena de quilos, revelou-se patusco e bem disposto e respeitou todas as fases em que o Ahmed deveria ficar fora de cena: não jurou sobre a Bíblia, não foi confrontado com a necessidade de beijar os livros sagrados e o acto final envolvendo os padrinhos foi também ajustado à circunstância. Isso não impediu que na prédica final o padre não passasse algumas verdades, como o facto de o direito religioso como o direito civil romeno acautelar exclusivamente o casamento monogâmico. Depois produziu alguns ensinamentos sobre os deveres de obediência e de lealdade, os filhos... Tudo isto foi claramente perceptível porque o padre falava em romeno muito pausado porque como o Ahmed não sabe (suficiente) romeno a Lavinia ia traduzindo em inglês para ele as palavras do padre. No final o padre deu um abraço efusivo e beijou o noivo e a noiva e quando me aproximei para os cumprimentos da praxe, o pregador fez questão de me dizer em surdina que era um rapaz especial. 
O banquete marcado para as duas ainda continuava às dez da noite quando procedemos à retirada. Non stop. Comida, bebida, dança, música. Não muito diferente do que se passa nas nossas paragens. 
Momento marcante: O marido da Lavinia tem feições próximas do Sidney Poitier daí do tempo das Sementes de Violência, quando, como o Ahmed hoje, tinha menos de 30 anos. Quando o DJ pôs a rodar o tema principal da telenovela brasileira O Clone, passada entre o Brasil e Marrocos e que eu via na televisão romena em 2007, quando cá vivi, a Lavínia e o Ahmed tomaram de assalto a parte central do espaço de dança. Naquela fracção de segundos pude ver o brilho dos olhos, os gestos cúmplices, o deslizar das mãos, o agitar dos corpos, os lábios que se tocam. Uma e outras vezes. 


Ó música. 
Em tuas profundezas 
Depositamos nossos corações e almas. 
Tu nos ensinaste a ver com os ouvidos 
E a ouvir com os corações. (Gibran Kahlil Gibran) 


 LMC
( Das crónicas que envia aos amigos e eu respigo para o Banco)