15.12.10

Qual a diferença entre Ana Gomes e um rotweiller?

Um rotweiller ataca quando o dono ordena, Ana Gomes morde, se for preciso, quando a consciência lho exige.

Juntos contra o neocaritativismo? O ladrão de bicicletas Alexandre Abreu e eu estamos menos longe um do outro do que parece

Alexandre Abreu volta ao tema da inovação social, para rebater uma crítica minha a um anterior texto dele. Acha ele que não rebati os seus dois argumentos principais: a ideia da progressiva transformação do debate em redor da ‘inclusão social’ numa problemática cada vez mais técnica e menos política; (...) a tese de que o elogio da descentralização da política social, que acompanha habitualmente o discurso acerca da inovação social, deslegitima a acção do Estado e legitima a sua reengenharia em moldes neoliberais.
Vamos a ver se os rebato agora de modo satisfatório para o crítico.

1. A "tecnicização" do debate da inclusão social

Discordo de que estejamos a assistir a uma "tecnicização" do debate da inclusão social. Em Portugal estamos é a assistir ao desaparecimento do tema. À escala mundial, estavamos a assistir até à grande crise e talvez ainda estejamos, goste-se ou não, à maior redução da intensidade da pobreza de que há memória, sobretudo por obra dos sucessos económicos da China e da Índia, independente do que pensemos sobre a natureza desses regimes.
A inclusão social é muito mais vasta que o combate à pobreza, mas é nesse âmbito qu Alexandre Abreu se coloca e por ele ficarei. Para mim, a questão não é a de saber se iniciativas filantrópicas (como a dos milionários do manifesto de Bill Gates e Warren Buffett) são ou não "funcionais" ao capitalismo, é a de saber se mudam alguma coisa e mudam, mesmo que não mudem o "modo de produção". Mas, de novo, é outra história que estará em causa: queremos discutir a possibilidade da revolução, a inclusão social ou a redução da pobreza? Para acabar este ponto, não vejo nenhuma tecnicização nova no debate da inclusão social e seguramente o microcrédito (aliás, alvo recente de violentas e aparentemente justas críticas) não faz parte de tal tecnicização.
As iniciativas cívicas de redução da pobreza - ditas da sociedade civil - têm séculos e o microcrédito é apenas uma versão recente desse movimento antigo. Só que como nunca esperei que o microcrédito salvasse os pobres do capitalismo também me não desiludo por não o fazer nem me abstenho de saudar os que salva da pobreza, mesmo sabendo todos os seus limites.

2. A descentralização "deslegitima" a acção do Estado

Aqui, Alexandre Abreu passa completamente ao lado do fulcro do problema. A descentralização não deslegitima coisa nenhuma. Grande parte da acção do welfare state mais desenvolvido é descentralizada, o problema está na privatização da política social, no recuo no reconhecimento de direitos que acompanha o que tenho chamado de neocaritativismo e não na descentralização. Por mim, defendo mais Estado local na acção a favor da inclusão social - claro que com mais recursos - e maior empenhamento, entre nós, das autarquias. Mas, devo dizer, o risco de clientelismo do Estado local é o maior problema, não é a funcionalidade neoliberal nem a deslegitimação. Aliás, pensanso no caso português, o que mais deslegitima o Estado é a delegação num sector integralmente sem fins lucrativos, dominado pela Igreja, cheio de boas intenções mas renitente a reconhecer direitos sociais. Para que se perceba do que falo, estou a falar das poderosas IPSS que transformam recursos públicos em aparentes iniciativas privadas. Mas, seguramente, não são neoliberais. Serão conservadoras? Concerteza, mas é outra coisa, têm tanto horror ao liberalismo quanto o Alexandre para não dizer que fogem dele como o diabo da cruz.
Pergunto-me muitas vezes porque o Estado local em Portugal se interessa tão pouco pela inclusão social e vou encontrando algumas respostas. Na minha limitada experiência de autarca já me apercebi que o apetite pela delegação das funções sociais por parte das autarquias nas IPSS é tão grande na Almada da CDU como nos municípios do PSD ou do PS. E não paro de me interrogar porque há tão pouca iniciativa autárquica na àrea social. Basta pensar em Espanha para ver como tudo pode ser diferente.
Para ser claro, o que é funcional ao neoliberalismo é a privatização das funções sociais e a sua entrega ao mercado. Mas não é isso que está na moda em Portugal (nem nunca esteve).

Tudo isto dito, mais conceito marxista menos conceito marxista, mais marxismo mecanicista menos marxismo mecanicista, Alexandre Abreu tem um ponto forte no seu argumento: com o microcrédito pode começar-se pobre e acabar-se falido. Mas isso também é verdade para o crédito dado pelo Estado. Enquanto governante perdi uma batalha (perdida até hoje) para que o IEFP não pratique usura e accione hipotecas sobre beneficiários das suas medidas cujos negócios falham (mas sempre o fez, ainda o faz e não é privado nem instrumento do neoliberalismo).
Tem um segundo ponto ainda mais forte: o microcrédito só tira da pobreza uma pequena fracção dos pobres. Mas aí reside uma forte contradição do argumento. Se tem utilidade limitada, não é inútil. E cada uma dessas pessoas que sai da pobreza, vale uma medida. Sem pieguices, quando conhecemos o rosto dos pobres e os casos individuais de sucesso, às vezes devalorizamos o estruturalismo excessivo e o fatalismo dos que acham que só o que muda quase tudo vale a pena. Talvez seja essa a minha maior divergência com Alexandre Abreu. Porque no resto - e é muito - estamos mais próximos do que ele avalia e talvez os meus textos reflictam.

Acho, contudo, que em matéria de heresias sobre este tópico, há outras mais flagrantes para desenvolver. Por exemplo, a moda portuguesa recorrente de confundir luta contra a pobreza com ajuda alimentar, que vai da Conferência de São Vicente de Paula à associação patronal da restauração, passando pelos muitos bancos alimentares. Com o Natal à porta, Alexandre, vai ver a força que essa assimilação simbólica tem. E se há medida supostamente contra a pobreza que seja "funcional" ao neo (e ao paleo) liberalismo, é essa.

13.12.10

Fernando Mendonça, um protagonista discreto

No dia em que alguém voltar a olhar parao sector cooperativo como uma realidade a desenvolver e adaptar os seus ideias de solidariedade e fraternidade às duras condições de competitividade do séc. XXI terá que estudar como o movimento cooperativo agrícola no sector leiteiro em Portugal resistiu nas últimas décadas à ofensiva das multinacionais do sector e triunfou sobre elas, mantendo um predomínio no mercado português, que é raro actualmente no sector cooperativo e não é, infelizmente, acho eu, acompanhado por nenhum outro ramo do sector
Nesse dia terá que estudar-se o papel de alguns personagens discretos mas eficazes, ligados aos seus projectos e sonhadores mas pragmáticos, capazes de manter a vinculação aos seus associados locais mas sem medo de enfrentar os desafios da globalização.
Fernando Mendonça, que ontem morreu subitamente, será um protagonista incontornável nesse estudo. Conheci-o apenas no exercício de funções públicas, no quadro de dois grandes desafios - a adopção do Código Cooperativo e a organização do primeiro congresso cooperaivo em muitas e muitas décadas. 
A discussão do primeiro implicou a exigência do reconhecimento da especificidade do sector, mas também a sua disponibilidade para se interrogar sobre as suas fronteiras exteriores com os outros sectores da economia.  A do segundo implicou a capacidade de ultrapassar as fronteiras interiores entre ramos cooperativos, nascidos em diferentes movimentos históricos e com diferentes conotações ideológicas. Em ambos os desafios, Fernando Mendonça foi um aliado de peso, de grande estatura moral e política.
Dele, em todos os momentos posteriores, apenas recebi respeito e consideração, que sempre retribui com admiração e orgulho.
Partilhámos a certa altura o sonho de ver eliminadas as restrições à constituição de bancos cooperativos, para além das espartilhadas caixas de crédito agrícola mútuo, mas o sector não tinha e não tem músculo financeiro para tanto e não é matéria em que se possa tentar aventuras inconsequentes. Mas, como todos os projectos começados com alma, este e outros projectos cooperativos encontrarão novos protagonistas, se bem que, sendo todos nós substituíveis, há ns mais substituíveis que outros e, no sector cooperativo, Fernando Mendonça se encontra entre os que não têm substituto fácil.

10.12.10

A favor ou contra um fundo para financiar o custo do despedimento? Depende.

A ideia da criação de um fundo para financiar os custos do despedimento não me perturba e vejo até nela algumas potencialidades, ao contrário de outros. Como sabemos, quando uma empresa está em dificuldades, o custo elevado do despedimento pode construir uma situação absurda: sem despedir pode matar a empresa com prejuízos elevados; despedindo, pode não ter dinheiro para manter viva a empresa sem liquidez.
Como em muitas ideias, o diabo são os pormenores. Nada contra que uma empresa desconte desde o primeiro dia em que contrata um trabalhador para financiar o custo que terá com a indemnização caso venha a ter que o despedir. Nada contra que esse fundo seja gerido de modo a minimizar os custos extraordinários no momento em que ocorre o despedimento, tornando o custo de cada despedimento menor e, sobretudo, menor no momeno em que a empresa já está em dificuldades. Tudo contra que o Estado ou a Segurança Social co-financie esse fundo com um euro que seja, porque não é papel do Estado pagar o custo do despedimento, apenas apoiar os desempregados, depois de o serem e, mesmo aí, só em conjunto com empregadores e trabalhadores, excepto no caso dos desempregados pobres.
A torre Beyazit de Istambul presta um novo serviço público aos residentes e turistas, anunciou o Hürryiet: previsão meteorológica. É iluminada de azul se amanhã se previr sol; amarelo se estiver enevoado; verde se chover e vermelho se nevar. Que torre lisboeta poderia prestar o mesmo serviço?

9.12.10

Da autópsia da retórica do facilitismo ao momento de erguer a taça num brinde à política educativa de Lurdes Rodrigues

A autópsia da retórica do facilitismo na política de educação está feita, de modo definitivo, pela Câmara Corporativa e pela Jugular. Olhemos, ainda, para os resultados do PISA, mas de outro ângulo.
Numa entrevista, Maria de Lurdes Rodrigues disse (cito de memória), que gostaria de ser avaliada pelos resultados que conseguisse. O problema é que, em política e em políticas que buscam mudanças estruturais em particular, o tempo da produção de resultados é mais longo do que o tempo das batalhas mediáticas, impulsionadas - legitimamente - pelos seus adversários. Algo que me faz lembrar dois paralelismos.
Há um paralelismo entre as boas reformas políticas e as boas restruturações empresariais. Produzem dor, eventualmente perdas no curto prazo, mas melhoram os resultados a longo prazo. No capitalismo dependente dos especuladores em bolsa, estas reformas são mal vistas, porque os investidores querem resultados já e podem destruir as empresas com essa sede de lucro.
Há também um paralelismo entre as boas reformas políticas e os bons vinhos. Quando jovens, já se nota a diferença, mas ainda não é significativa, envelhecendo vão melhorando e o sabor atinge o seu ponto máximo, mas o consumidor apressado já desperdiçou a oportunidade.
Maria de Lurdes Rodrigues já não é ministra quando as suas reformas estruturais começam a ter efeitos visíveis. A contestação de que foi alvo foi mesmo vista como um factor de enfraquecimento eleitoral do PS nas útimas legislativas, dada a exploração, à esquerda e à direita do longo e duro conflito com os sindicatos. Ela não teria toda a razão e, evidentemente, não terá tomado todas as decisões certas em todos os momentos.
Mas há algo que agora todos esses ferozes adversários deveriam agora, com distância, ser capazes de reconhecer. As suas políticas estavam orientadas para a melhoria da escola pública, se necessário contra tudo e contra todos. E a escola pública está a melhorar.
Há-de chegar a altura de saborear o vinho destas políticas amadurecidas, se o consumidor não se precipitar e os equivalentes dos especuladores bolsistas não conseguirem uma contra-reforma.
Chega sempre o momento em que o bom enófilo e o bom CEO podem saborear a sensação de que cumpriram a sua missão, apesar de todas as agruras que sofreram e mesmo que tenham sido levados a abandonar a empresa em que a cumpriram. Por isso, também, chegou o momento de fazer um brinde a Maria de lurdes Rodrigues e à sua equipa. 

PS. Aos que se apressarem a desvalorizar este texto por eu ser, com orgulho, amigo de Maria de Lurdes Rodrigues digo apenas que a minha filosofia de vida é a de ser mais duro com os próximos do que com os distantes e que, se a amizade nunca me cegou na hora de criticar, também não a deixo tolher-me na hora de reconhecer o mérito.

8.12.10

"Por nossas mãos, por nossas mãos". Pois, Porfírio, tens razão.

A transformação social não é outorgada, já sabemos. O Porfírio comentou uma réplica minha aos Ladrões de Bicicletas sobre o papel actual de coisas como microcrédito e concordo com o seu ponto. O neocaritativismo é um adversário e não um aliado dos que defendem mais emancipação e justiça social. Se do que escrevi não resulta claro que penso assim, o inferno está no detalhe do texto.
Tenho andado tão absorvido por outras coisas que nem as discussões que me envolvem sigo. Por isso chego com vários dias de atraso ao texto do Porfírio. Mas o essencial está no que ele, escrevendo, recordou: "por nossas mãos, por nossas mãos". Pois, Porfírio, tens razão. Serão muitos os que não o esqueceram?

25.11.10

Faz hoje 35 anos, houve aqui alguém que (se) enganou


Para que não haja dúvidas sobre a escolha desta canção, penso que o sonho de que José Mário fala estava tão cheio de contradições e tensões intrínsecas que se desmoronaria mais cedo ou mais tarde e poderia ter sido de modo bem mais terrível. Assim como estou absolutamente convicto de que a democracia que se consolidou depois do 25 de Novembro foi, em geral, um regime bem melhor do que se poderia esperar dos outros desfechos possíveis do PREC.
Nada disso retira a esta canção a enorme energia romântica sem a qual a política é o pão sem sal dos mangas-de-aplaca transitoriamente inchados pela sensação de poder.
Nada disso retira mérito à interrogação sobre quem se enganou a respeito do que aconteceu faz hoje 25 anos: um golpe frustrado de sectores radicais e alheados da realidade? Uma traição dos sectores ligados ao PCP, apenas 14 dias depois da declaração de independência de Angola? Uma gigantesca e bem sucedida manobra de contra-informação?
Há episódios, importantes nos destinos de um país, em que a história demora a libertar-se da poeira da intoxicação e da actualidade. Mas acabará por lá chegar, se os historiadores mantiverem interesse o assunto. É sempre assim com a história, desde que o interesse se mantenha, vencerá as mentiras conjunturais.
No entanto, nada disso foi decisivo na convocação para aqui, hoje, de José Mário Branco. Simplesmente, a canção fez-me lembrar de modo agudo, num dia histórico, que vale muito mais o que dão ao mundo os homens sem sono que os homens sem sonho.

24.11.10

O inferno está é cheio de grandes teorias que nada mudaram

Atacar a moda da inovação social não é uma heresia, ao contrário do que escreve Alexandre Abreu. Todas as modas nascem, criam agendas, sofrem ataques e, muitas delas, passam. Importa-me mais o que deixam. E, do microcrédito à inovação social, passando pelo empowerment, tenho uma visão completamente diferente de Alexandre Abreu do que deixaram.
Nenhuma delas tornou o mundo pior do que era e se nenhuma delas provocou a revolução que alguns desejam, também não vejo onde integraram a ortodoxia neoliberal, que as olha da altura do poder com um misto de desdém e simpatia condescendente. Mas mudaram vidas. Poucas? Algumas. Mesmo assim, talvez milhões, um número que nunca me parece pequeno.
O equívoco está em pensar que as ideias "de moda" têm que ser as que as classes dominantes desejam. Ecoa o sentido de que as ideias dominantes são as das classes dominantes. Esse marxismo mecanicista, como diriam os próximos do próprio, leva a deitar muitas vezes o menino fora com a água do banho. Não podem os blocos sociais de transformação ganhar hegemonia, como já o defendia há quase um século o bom velho Gramsci? De qual destas modas pode um dia saír uma alternativa? Não sei. Mas sem tentar ninguém muda.
Dizer que ideias como empowerment e inovação social podem servir o actual modelo de acumulação e as "ideias neoliberais" é não dizer nada, com franqueza. Até a crítica do capitalismo por Marx e a do imperialismo por Lenine podem ter ajudado estes a reforçar-se, retroagindo criticamente sobre eles. E daí?
Mais, desprezar as experiências localizadas, tratadas como "funcionais" ao modelo actual é negar o poder das pra´ticas minoritárias e alternativas, localizadas e diferentes e, se o inferno está cheio de boas intenções, está ainda mais cheio de retóricas e grandes teorias que nunca conseguiram inspirar nenhuma acção transformadora.

23.11.10

No dia da cimeira da NATO quantos conceitos estratégicos mudaram?

O Rui Herbon pergunta-se, com grande capacidade prospectiva, se a Rússia aceitará um papel periférico no sistema que estamos a construír. O que levanta a questão de saber para onde está a caminhar o centro e onde estará ele em 2050? No Oceano Índico, quem sabe?
Mas o que me parece mais importante salientar é que, ao que parece, em Lisboa não mudou um conceito estratégico, mudaram dois: o da NATO e o da Rússia. Mesmo se, a NATO e a Rússia têm já algum tempo, como bem recordou Alexandre Guerra, um relacionamento menos frio do que parece. Contudo, a Rússia quis vir a esta Cimeira dar muitos sinais e Obama quis aproveitá-los para consumo mundial e doméstico. Se somos parceiros cada vez mais próximos e pensamos em defender-nos em conjunto, que ameaças comuns temos e/ou imaginamos? Diria que o fundamentalismo islâmico é um perigo sério, mas de curto prazo e nunca uniu tão estreitamente a NATO e a Rússia como agora ambas parecem desejar, pelo que me parece necessário procurar noutros lugares e noutros sistemas de pensamento a razão desta parceria reforçada.

Parabéns ao burro, que o país nem sempre merece.

Cinco dentes e bastantes coices, alguns muitissimo bem dados,. Parabéns ao burro, que o país nem sempre merece.

11.11.10

Mais notícias da crise como "grande sincronização": a emigração baixou

Dois investigadores que citei em tempos, aqui, salientaram o factor sincronização na intensidade da crise mundial. Segudo eles, já várias regiões do mundo tiveram crises idênticas ou mais grvaes mas nunca tantos tiveram crises tão graves em simultâneo.
Hoje, o Rui Pena Pires salienta uma outra dimensão dos efeitos da grande sincronização: A emigração baixou mas não foi só aqui: quando as crises são globais as migrações baixam sempre. E se os destinos também estão em crise, escapa-se da daqui para ir para onde?
Há uma resposta que explica a outra descoberta do Rui, de que o fluxo para Angola escapa à regra e está a aumentar. É o efeito na emigração portuguesa do crescimento em mercados emergentes. Só que não temos grande tradição de emigrar ou investir nesses mercados emergentes. Mas também aí, Angola é uma excepção no comportamento dos portugueses. Algo mágico ou não abertamente contado nos atrai para esse país emergente, que chamar-lhe mercado é um uso metafórico da palavra.

9.11.10

Um défice de que ninguém fala

Há muito tempo que penso que um dos maiores problemas do nosso país poderia chamar-se défice institucional, isto é que as pessoas que protagonizam as instituições encarnam insuficientemente o estatuto que adquirem enquanto as protagonizam e que a fragilidade que daí resulta as desfoca, diminui a sua eficiência e, no limite as paraliza, quando não as leva a pulsões auto-destrutivas.
A dignidade institucional é um pilar da democracia e não dos menos importantes.
Na actual conjuntura de crise, os diversos orgãos de soberania e os media parecem concorrer para dar razão à minha tese. Da greve de titulares de orgãos de soberania ao homicídio cívico recorrente de primeira página, do aprova mas desaprova o Orçamento de Estado ao Presidente-candidato que não quer que haja campanha, condição mínima de pluralismo eleitoral em eleições por sufrágio universal, os exemplos abundam.
Se os políticos fossem os únicos culpados do défice institucional, já havia um sindicato de deputados e uma associação sindical de membros do Governo e estariam a debater se aderem ou não à Greve Geral ou já teriam aderido.
O que eu não sei é se este défice institucional é o resultado do voo da borboleta ou de design inteligente, mas a ciência política há-de um dia dedicar-se a esse capítulo que me transcende

5.11.10

Se chove, todos acabam por molhar-se

Tudo aponta para que Portugal tenha em 2011 o ano mais difícil desde 1985 e os indicadores de clima económico e de confiança em Outubro demonstram que os agentes económicos e os cidadãos se aperceberam disso.

No ano que vem, a economia portuguesa vai sofrer sincronizadamente os efeitos de vários factores adversos.
Os especuladores descobriram um buraco na concepção do sistema financeiro europeu que nos sorve diariamente milhões de Euros.
Quem governa a Europa escolheu uma política orçamental imune a qualquer veleidade Keynesiana. Na leitura que o Governo do PS fez desse diktat, houve necessidade de cortes na rede básica de protecção social (subsídio social de desemprego, RSI, prestações familiares), de redução de custos com saúde, de congelamento de pensões, de suspensão de investimento público e, mesmo, de redução nominal dos salários na administração pública.
O sistema político português encontra-se triplamente bloqueado. Não pode haver eleições legislativas. Não há soluções maioritárias de Governo. O Presidente da República não tem influência sobre os grandes partidos.
Na melhor das hipóteses teremos um Orçamento de Estado viabilizado tacticamente, em contexto de campanha eleitoral para eleições antecipadas.
Como podemos estar optimistas? Acreditando nos efeitos de arrastamento do crescimento económico da Alemanha e dos mercados emergentes e dando valor ao labor do Governo no comércio externo.
Essas boas notícias reflectir-se-ão nas empresas exportadoras e nos trabalhadores do sector privado que não percam o emprego e consigam aumentos salariais iguais ou superiores à conjugação da inflação com a subida dos impostos.
Mesmo no melhor dos cenários, haverá tantos desempregados como hoje. Os sectores mais pobres da população serão menos apoiados e os índices de pobreza subirão, nomeadamente entre as crianças e as famílias jovens activas. As elites da administração pública terão uma redução drástica de poder de compra, agravando factores de perturbação institucional e desfuncionamentos da administração.
Tanta sincronia só pode ter uma consequência. Tal como a chuva, acabará por molhar todos, embora menos os que tenham guarda-chuva e gabardina. A cereja em cima do bolo? Seis meses em crise política ou eleições no Verão sem os partidos mudarem de perspectiva sobre a governabilidade do país e nem PS nem PSD-CDS terem maioria absoluta.
Em momentos destes no século XIX havia um levantamento militar. Em 2011? Ficaremos a saber se à frente dos destinos do país temos uma geração de estadistas ou apenas um punhado de pessoas com, digamos assim, sentido de oportunidade agudo.

(publicado no Diário Económico de 29 de Outubro de 2010)

26.10.10

Telemóveis? Inventem um acessório para os guardarmos a mais ou menos 2 cm do corpo, já.

Faço parte dos que não dão muita importância aos anúncios catastrofistas sobre os efeitos das radiações dos telemóveis na saúde, mas, como se dizia antigamente sobre outras coisas, "vemos, ouvimos e lemos" e reconheço que este artigo da Time me deixou preocupado, a mim, viciado em andar com o telemóvel no bolso. Usa iPhone? Sabia desta instrução de segurança do iPhone 4?

When using iPhone near your body for voice calls or for wireless data transmission over a cellular network, keep iPhone at least 15 mm (5/8 inch) away from the body, and only use carrying cases, belt clips, or holders that do not have metal parts and that maintain at least 15 mm (5/8 inch) separation between iPhone and the body


O artigo diz coisas semelhantes sobre instruções do Blackberry e da Motorola. Afinal, deviamos proteger o telefone do contacto connosco, para nos protegermos do contacto com o telemóvel e, pelo menos eu, não sabia. Ou será histeria mediática? No caso, não parece. Não haverá ninguém a desenhar um acessório para guardar o telemóvel a 1,5 a 2,5 cm do corpo? Designers, ao trabalho, já.

19.10.10

Mário Murteira aponta os verdadeiros dilemas da nossa política economica

Enquanto muitos se perdem na espuma do curtissimo prazo, já nem vendo as àrvores, mas apenas alguns dos seus ramos, há quem se dedique a pensar os nossos problemas estruturais e os nossos verdadeiros problemas de fundo.
Mário Murteira, na Areia dos Dias (obrigado Acácio por me ter chamado a atenção para o link), reflecte sobre as dificuldades estruturais que nos criou a integração no capitalismo da hoje Europa alargada e que muitos, mesmo entre os que se movem profissionalmente de modo exclusivo no triângulo educação-formação-relações de trabalho ainda não viram.
Há um conflito, dificilmente superável, do curto e do longo prazo, como horizontes da Política Económica Nacional. Ou, dito doutra forma, entre a gestão precipitada da economia nacional, à beira do colapso financeiro, em ambiente de crise económica mundial, e a gestão prudente do desenvolvimento dos recursos humanos nacionais, com correspondentes reformas no sistema educativo e nas condições actuais do «diálogo social», implicando além do mais uma verdadeira metamorfose sindical.

Conseguir alguma forma de conjugação eficaz destas duas visões da Política Económica, parece ser o principal desafio da Política «tout court», no Portugal de hoje.

O problema, caro Professor, é que a metamorfose necessária para resolver esse conflito é bem mais ampla do que a sindical, é patronal, é político-ideológica, é a reinvenção dos caminhos nacionais e nem a simples gestão dos constrangimentos nem a apetência de poder de um sector liberal sem tradição e, julgo, sem futuro a médio prazo em Portugal vão por aqui.

15.10.10

Crise: uma oportunidade para redistribuir o rendimento?

Em altura de discutir alternativas para que a economia volte a crescer e com discussões orçamentais à porta, volto a citar o último livro de Joseph Stiglitz (cuja leitura já tinha recomendado aqui). Há por aí alguém à esquerda, ao centro ou à direita que se reconheça nas seguintes frases sobre os EUA e queira tirar conclusões sobre a sua transferibilidade para as opções que Portugal terá que tomar, agora, em 2011 e nos anos seguintes?

"In the end, deficit-financed stimulus spending alone remains a temporary palliative, especially as pressures mount in many countries, including the United States, over the growing debt. Critics argue that the country has simply gone from debt-financed private consumption to debt-financed public consumption. While such spending can hel spur the restructuring of the economy that is necessary to ensure longterm growth, too little of money is directed at that goal - and too much has been spent in ways that preserve the status quo.
There are other policies that could help sustain the economy - and replace the debt-financed consumption bubble. For total American consumption to be restored on a sustainable basis, there would have o be a large redistribution of income, from those at top who can afford to save, to those below who spend every penny they get. More progressive taxation (taxing those at top  more heavily, reducing taxes at the bottom) would not only do that but also help stabilize the economy . (Stigilitz, Joseph, Frefall, Londres, Allen Lane, 2010, p. 75)

Afinal, pode a crise ser uma oportunidade para redistribuir o rendimento num país que anda entre os campeões europeus da desigualdade?

Kim to Kim: it's time to pass the torch

Fonte: Time, cartoons of the week

11.10.10

Um golpe na credibilidade de quem?

O PCP considera que a atribuição do Nobel da Paz deste ano a Liu Xiaobo é um golpe na credibilidade do galardão. A ser um golpe na credibilidade de alguém, este comentário do PCP sê-lo-ia na do Partido que o escreve, se alguma tivesse em matéria de defesa dos Direitos Humanos.

Que partido, quando e a propósito de que greve escreveu esta frase?

"Face à greve______, o Partido _________ tem o dever de alertar os trabalhadores e o povo português para as implicações políticas e sociais dela decorrentes, no contexto da complexa situação que o país atravessa". Leia a resposta, querendo, aqui.

2.10.10

De links bem abertos: restrições necessárias

Um governo masoquista? (Francisco Clamote recorda que um forte ataque à dívida soberana pode ser explcação suficiente para estas medidas).
Estado de Necessidade (Não deve surpreender ninguém a extensão do meu nível de concordância com a análise de Ana Gomes sobre o que há a fazer em relação às medidas durissimas anunciadas).
A despesa, o desperdício e os funcionários (João Ricardo Vasconcelos propõe que se pergunte aos funcionários públicos que despesa cortariam no seu serviço. Não é necessário partilhar das suas premissas bloquistas para compreender que há mecanismos participativos que dão origem a grandes ideias e andamos a precisar de algumas).
Samba de uma nota só (Rui Namorado fala sobre o pluralismo do Plano Inclinado da SIC/N).

1.10.10

Anti-sindical, eu? Deixe-me rir, Tiago.

Há uma malta na blogosfera que confunde o seu alinhamento acrítico com os locais de onde vem com o comportamento dos outros.  Por vezes surpreende, às vezes irrita, outras vezes diverte. A frase que Tiago Mota Saraiva me dirige é do terceiro tipo e por isso até a repito aqui para que os leitores do Banco possam sorrir comigo:

Daqui até 24 de Novembro, seguirá a dança de cinzentos engravatados catastrofistas a proferir ameaças e a repetir chavões anti-sindicais, nos termos e moldes utilizados pelo disciplinado Paulo Pedroso, eterno actor de um certo discurso de esquerda sebastiânica que varre os socialistas em tempos pré-eleitorais.


Acontece que tenho o péssimo hábito de dizer o que penso. Às vezes irrito uns, às vezes irrrito outros. Mas não tenciono mudar e, caro Tiago Mota Saraiva, postura anti-sindical a longo prazo, como já se sente no Portugal de hoje, acaba por ser a de quem pensa que os sindicatos podem ser por muito tempo pavlovianos cães de qualquer partido, seja ele qual for, fosse ele o seu ou o meu.

A areia dos dias, nasceu um novo blogue.

O Grupo de economia e sociedade da Comissão Nacional Justiça e Paz decidiu abrir o blogue A areia dos dias. Conhecendo os percursos de vida e o nível de intervenção cívica do seu grupo de autores, a blogosfera em português acaba de receber um reforço de peso, se eles levarem este compromisso tão a sério como levaram tantos outros nas suas vidas.

Ao trabalho, camaradas!

Vitor Dias sabe bem e há muito que a espontaneidade das massas dá muito trabalho ao Partido. Jerónimo de Sousa já tinha feito pré-anúncio ontem, mas respeitando, claro, as decisões que aí viriam. Contudo, Vitor Dias é cauteloso e eu até acho que tem boas razões para baixar as expectativas a certos camaradas.

Os ateus sabem mais sobre Deus que os crentes?

Os ateus sabem mais sobre Deus que os crentes? Na Esquerda Republicana fala-se de um estudo nos EUA que diz que sim.

20.9.10

Coreia do Norte: mais um passo para entronizar Kim III

Ainda há alguém que chame àquilo socialismo? Em Portugal, ainda há dois anos havia: o Comité Central do PCP. Aliás, ainda pode comprar nas Edições Avante este livro anunciado como conseguindo explicar porque o socialismo sobreviveu na Coreia do Norte, "pelo menos numa certa forma".

18.9.10

Ainda não temos informações suficientes?

Antes da queda do Muro de Berlim, quando os comunistas portugueses não conseguiam condenar um gesto dos regimes com que tinham vinculações fortes mas também não conseguiam encontrar um argumento para os defender, refugiavam-se sempre, no momento de tomar decisões, na ideia de que ainda não dispunham de informações suficientes, de que ainda era preciso aguardar um apuramento definitivo do que tinha ocorrido e... votavam objectivamente em defesa de coisas incríveis, refgiados em argumentos esfarrapadissimos.
Mas os comunistas de então não têm o monopólio desse tipo de embaraços. Quando se trata de ponderar o peso na balançapolítica  dos direitos humanos de uns punhados de ciganos romenos ilegais contra o superior interesse nacional de não aborrecer o Presidente da República Francesa, o velho argumento recicla-se com grande facilidade, como se viu hoje na Assembleia da República.

15.9.10

De links bem abertos: fobias políticas

1. Uma boa maneira de olhar para uma coima estúpida, inventada em França: Em discussão está também, o recurso ao uso simultâneo de suspensórios e cinto, o que prova da insegurança do seu portador. Relativamente aos saltos altos é provável que a legislação aprove, já que Nicolas Sarkozy é um fervoroso adepto do referido acessório. No Leva de mar.
2. Uma maneira que parece chocante, mas equilibrada, de falar das raízes fundas e de manifestações recentes de um racismo que a França quer capitanear, mas não fundou, historicamente até combateu e hoje não pratica nada sózinha: há mais coisas que saber sobre ciganos do que a deportação selectiva de imigrantes ilegais. No Jugular.

Agenda social? Valha-nos Stiglitz, Krugman e... o FMI

O documento conjunto apresentado na Conferência de Oslo pelo FMI e pela OIT vai em contra-corrente com as receitas que estão a empurrar a transformação da crise económica em crise social e o risco de desemprego em desemprego prolongado. O que levou Paul Krugman a dizer que deve haver uma cláusula de sanidade na carta do FMI perante a falta dela por parte da OCDE e do BCE. Leia o post de Krugman, mas sobretudo não perca The challenges of growth, employment and social cohesion, o texto de que fala, apenas cometendo o pecado de omitir que é também da OIT. Mas que esta costuma ter este tipo de preocupações já nós sabiamos.
Para quem pensa que a Europa está sempre na vanguarda das agendas sociais, dá que pensar que quem agora puxa por uma resposta favorável ao emprego e à coesão social sejam dois economistas americanos que há uma década definiriamos como centristas e... o FMI.

14.9.10

Joseph Stiglitz, a entrada e a saída da crise mundial. Leitura obrigatória.

Ainda não cheguei ao fim das trezentas páginas e posso ter algum desilusão com a parte final, mas para abrir o apetite a quem esteja curioso, talvez estes dois parágrafos da parte inicial do livro ajudem:

This book is about a battle of ideas, about the ideas that led to the failed policies that precipitated the crisis and about the lessons that we take away from it. In time, every crisis ends. But no crisis, especially one of this severity, passes without leaving a legacy. The legacy of 2008 will include new perspectives on the long-staning conflict over the kind of economic system most likely to deliver the greatest benefit. The battle between capitalism and communism may be over, but market ecoonmies come in many variations and the contest among them rages on (Preface, p. xii)

"As the Unites States entered the first Gulf War in 1990, General Colin Powell articulated what came to be called the Powell doctrine, one element in which included attacking with decisive force. There should be something analogous in ecoonmics, perhaps the Krugman-Stiglitz doctrine. When an ecoonmy is weak, very weak as the world economy in early 2009, attack with overwhelming force. A government can always hold back the extra ammunition if it has it ready to spend, but not having the ammunition ready can have long-lasting effects. Attacking the problem with insufficient ammunition was a dangerous strategy, especially as it became increasingly clear that the Obama adminsitration had underestimated the strength of the downturn, including the increase in unemployment" (Chapter 2, Freefall and its aftermath, pp. 34-35)


Stiglitz, Joseph, Freefall, free markets and the sinking of the global economy, London, Allen Lane, 2010.

10.9.10

Esta semana vieram ao Banco Corrido à procura de

1. Agora Salazar era um democrata(-cristão) convicto. A patetice vende jornais?
2. Greve na PSP: o Governo, o direito e o bom senso.
3. O que é bom para a economia americana é mau para a nossa?
4. De passagem pelo Banco, o Luis Costa recomenda
5. Fidel voltou a dar entrevistas a torto e a direito.
Fonte: Blogger

Qual é a cobra não venenosa? Lula explica.

O marketing político no Brasil é fascinante. Lado a lado com técnicas sofisticadas, apenas comparáveis às americanas, fazem-se as campanhas mais kitsch e inacreditáveis.
Esta diversidade não é acidental. No Brasil, campanha é mesmo para procurar voto, todos os votos, de todos os eleitores, de todas as condições sociais. Campanha não é coisa que obedeça ao politicamente correcto, procure impressionar elites já decididas ou perca tempo com mediadores que não chegam ao povão..
Mesmo as figuras de primeiro plano arriscam na linguagem a níveis inimagináveis em Portugal e descem a um vocabulário que este país que só acha credíveis políticos que falem como doutores destruiria nos media.
Por cá, para pedir que votem no nosso candidato, apresentamos-lhe o currículo, as boas ligações, etc. Uma vez por outra lá se diz que é necessário separar o trigo do joio, distinguir a boa da má moeda, ou algo assim. Mas, para os protagonistas do primeiro plano (excepto Paulo Portas em dia em que perca o controlo) não passa disso. Coisas bíblicas ou da teoria económica, são o máximo defigura de estilo a que chegamos sem que os comentadorres zurzam nos políticos.
Mas no Brasil a campanha dói mais. E gostei de ler no blogue de Richard Widmark que Lula, ele mesmo e não qualquer político de terceira linha, explica assim em campanha em Belo Horizonte como devem os eleitores procurar decidir o seu voto:

 “Daqui a pouco, a gente não tem noção, colocam 10 cobras na nossa frente, e a gente não sabe qual é a venenosa e qual não é venenosa”.

Lula anda pelo Brasil, a explicar que cobra evitar, a ver se o eleitor morde o isco que lhe lança. E eu, que o acho um grande Presidente da República, sorrio a imaginar Cavaco ou Alegre a tentarem dizer coisas destas por aí.

9.9.10

Agora Salazar era um democrata(-cristão) convicto. A patetice vende jornais?

Quem acredita que Salazar era "um democrata cristão convicto" teria pelo menos que acrescentar que era não praticante.
Já há muita investigação séria sobre a relação de Salazar com os movimentos católicos, com os fascistas, com os democratas. Por outro lado, os democratas-cristãos convictos tiveram um papel na reconstrução da democracia na Europa que não merece ser confundida com a ditadura que, por exemplo, falsificou os resultados de Humberto Delgado.
Na fase final do regime, os democratas cristãos convictos e praticantes da sua convicção tiveram aliás uma força intelectual, ainda que sem expressão orgânica, importante no desmoronar do regime. Há sobre tudo isto investigação demais para que uma frase pateta, mesmo que não seja fiel ao espírito do seu autor, faça primeira página de um jornal que não seja o Correio da Manhã, o Diabo ou o Sol que, em matéria de democracia, pertencem a outro campeonato.
Para dizer que Salazar não foi o líder fascista típico não é preciso atirar tanto ao lado.
Já agora e à margem, a redução da PIDE a uma política secreta que combateu uma organização clandestina, o PCP também é caricatural. Mais uma vez, a investigação conhecida já foi muito mais fundo que isto e cinco minutos de atenção ao que foi feito aos opositores não comunistas chegariam para perceber o disparate.
A questão que me preocupa, no entanto, é outra. Sabendo que as primeiras páginas são feitas a pensar que vendem os jornais e que o I procura desesperadamente ser vendido, quer isto dizer que chamar democrata a Salazar vende em Portugal em 2010?
Num ponto, o entrevistado toca numa questão profunda do Portugal de antes e depois de Salazar que pode ter a ver com esta primeira página: o povo, muito dele, quer a sua vidinha e que não o importunem. Esse lado da "democracia cristã" de Salazar sobreviveu-lhe e é bem verdade que há gente que vive feliz em democracia mas não viveria excessivamente desconfortável no regime do "democrata cristão convicto" da notícia.
Talvez ande por aí a alimentar as vendas de jornais gente aberta a "democratas cristãos convictos" da estirpe daquele, mas moldados para o século XXI. Felizmente, não se vislumbram, mas a história produz monstros a uma velocidade que nem sempre se antecipa.

Fidel voltou a dar entrevistas a torto e a direito

Ana Margaria Craveiro acha surpreendente que, na mais recente entrevista de Fidel Castro, este tenha zurzido o antisemitismo de Ahmadinejad. Mas verdadeiramente surpreendente é ele voltar a dar entrevistas a torto e a direito.
Algo se passa em Cuba e não é por Fidel dizer o óbvio sobre o Holocausto ou "arrepender-se" agora das perseguições aos homossexuais que há qualquer coisa de novo. A metamorfose é uma velha capacidade do homem que talvez nunca tenha sido comunista e até queira hoje dizer que achou desagradável ter sido ditador. Mas o seu regime foi ambas as coisas, comunista e ditadura.
Yoani Sanchez já se tinha apercebido disto no início de Agosto. O activismo recente de Fidel é perigoso. Dizia ela: Fidel watchers now see him as unpredictable, and many fear that the worst may happen if it occurs to him to rail against the reformers in front of the television cameras.
Sanchez conclui que Fidel não regressará nunca. Oxalá tenha razão, mas quando os velhos ditadores não se conseguem calar e não conseguem passar o poder, lançam frequentemente confusão.
Não sei o que se passará com Fidel, mas pode bem ser que ainda seja tentado a voltar a ser protagonista da história de Cuba. Nesse caso, como na velha frase de Marx, a sua participação ocorreria uma primeira vez como tragédia e uma segunda como farsa. Para mal dos cubanos.

8.9.10

De passagem pelo banco, o Luis Costa recomenda

Acabei de ler o livro da Leonor Figueiredo SITA VALLES Revolucionária, Comunista até à Morte (1951-1977). Devorei-o num ápice e, reconheço-o, mexeu muito comigo.
Conheci a Sita aí por 72/73 era eu dirigente (eleito Vice-presidente da Direcção, mas impedido, como todos os membros da lista, de tomar posse pelo Ministério de Veiga Simão) da única associação de estudantes de Lisboa (ISCSPU) "controlada" à data pela UEC/PCP na academia de Lisboa, como de resto se evidencia no livro, quando a Sita emerge no movimento associativo de Medicina e, depois, em todo o movimento estudantil de Lisboa. Eu era delegado à RIA e tinhamos contactos espúrios.
Para cuidar da vidinha e pagar a renda de casa, eu tinha um biscate no Ministério do Ultramar, arranjado pelo meu conterrâneo Luis Magueijo, que era lá contínuo, que começou por ser a contagem manual das fichas do recenseamento da Guiné e depois foi evoluindo para organizar uma biblioteca especializada em publicações da FAO e para apoiar a equipa que produzia regularmente um boletim de conjuntura, de circulação reservada, com a informação real sobre a economia das "províncias ultramarinas". Obviamente que, pelos canais adequados, chegava sempre uma cópia aos meus contactos estudantis ligados aos movimentos de libertação.
Um belo dia, aí por Setembro de 73, por altura das "eleições", a Sita foi ter comigo ao Ministério do Ultramar. Chega ao edifício do Restelo, onde hoje funciona o Ministério da Defesa, anuncia-se na recepção, toma o elevador até ao 4º andar, avança pelo longo corredor até ao gabinete que partilhava com dois colegas funcionários, na Direcção-Geral de Economia. Exuberante como sempre, saia curta como normalmente, sobressaia na lapela do casaco o emblema da CDE, aquele a que chamavamos na gíria o "pé de galinha". Obviamente que fiquei à rasca e transmiti-lhe subtilmente o incómodo. Mas pronto, eu também não era dos mais prudentes na pureza (ingenuidade?) dos 20 anos e ali à volta a minha conotação com o "contra" já era sobremaneira conhecida.
Esta Sita timorata que eu conheci está impecavel/implacavelmente retratada no livro.
Depois do 25 de Abril perdi-lhe praticamente o rasto. Ela era da UEC e a minha ligação era com o Partido. Embora continuasse a estudar e pertencesse aos orgãos sociais da associação de estudantes, a minha ligação partidária era em Algés onde morava e sobretudo enquanto membro do organismo de direcção da função pública. Soube mais tarde que tinha rumado a Angola. Depois vieram as notícias do esmagamento da "Revolta Activa" e do seu bárbaro assassínato. Ainda me recordo das discussões feitas em reunião de célula quando questionávamos o Partido sobre o que se tinha passado, bem como a pouco inteligível posição do "grande colectivo" sobre os acontecimentos.
O livro abre pistas, ajuda a enquadrar os factos, permite compreender o posicionamento dos actores, regista silêncios, mas obviamente que muito há ainda por esclarecer, até porque o exercício do direito do contraditório revela-se impossível, porque os "revoltosos" foram todos aniquilados.
Em síntese: leitura recomendada.
Boas leituras.
Luis Costa

Greve na PSP: o Governo, o direito e o bom senso.

Um dos sindicatos da PSP decidiu entregar pré-aviso de greve para, nem mais nem menos que os dias da Cimeira da NATO e da Cimeira EUA-Europa. A TSF noticia que o Governo entende que os polícias nem sequer têm direito à greve e informa que até Garcia Pereira, que não é propriamente um juslaboralista favorável a restricções a direito tão fundamental dos trabalhadores recorda que o conceito de serviços mínimos numa greve de polícias significa que todas as actividades que se prendam com a salvaguarda de Direitos Fundamentais dos cidadãos e do assegurar das funções da ordem pública não poderão deixar de ser prestadas.
Por tudo isto, o SINAPOL deu um tiro no pé que prejudica mais a sua reivindicação de direito à greve do que mil discursos securitários dos adversários a que tal direito exista na polícia. Se uma direcção de um sindicato de polícias não percebe que os dias de uma cimeira que reunirá dezenas de chefes de Estado e de uma aliança militar implicam redobradissimos esforços para a garantia das funções de ordem pública, então revela que não está à altura de reivindicar o próprio direito à greve.
Não é preciso ser polícia para perceber que tais acontecimentos pressupõem operações especiais e mobilização vultuosa de recursos para garantir a segurança pública, nem é preciso ser membro do governo para perceber que em dia de risco de manifestações e contra-manifestações, de atentados à segurança de chefes de Estado e coisas assim não se pode deixar que uma greve de polícias seja factor de perturbação da ordem pública.
O bom senso mandaria que este sindicato testasse a sua ideia de direito à greve noutra altura. Caso contrário, terá que se aplicar com mão férrea ou a proibição do direito à greve ou uma lista muitissimo máxima de serviços mínimos.
O SINAPOL não é nem pode deixar-se confundir com um movimento alterglobalista que tenta boicotar acontecimentos que as autoridades legítimas dos seus países decidem convocar, mesmo que algum dos seus dirigentes possa ter simpatia ou antipatia por este ou aquele acontecimento ou iniciativa.
Sou um defensor de que todas as restrições aos direitos sindicais e em particular ao direito à greve  têm que ser muitissimo bem justificadas, mas este caso parece-me tão óbvio como o de um cirurgião que queira declarar-se em greve na hora de fazer uma intervenção cirúrgica ultra-urgente cuja não realização implique a morte do paciente.
Se dirigentes sindicais com tanta falta de bom-senso conseguirem mobilizar a classe, o sindicalismo não irá longe. Por isso, vale também a pena ouvir o que dizem de semelhante disparate os outros sindicatos de polícias e esperar que os associados do sindicato tenham o bom-senso que faltou a quem entregou este pré-aviso.

7.9.10

Cabo Verde assume responsabilidade plena pelo apoio alimentar nas escolas.

O Programa Alimentar Mundial chamou-lhe uma história de sucesso. Cabo Verde deu mais um passo na sua luta pelo desenvolvimento social. É desde hoje o primeiro país da África Ocidental a assumir plena responsabilidade pelo programa de apoio alimentar nas escolas, após três décadas de dependência do Programa Alimentar Mundial.
Convém recordar a quem pense que este é um sucesso menor, que o combate à malnutrição infantil é um dos grandes problems dos países menos desenvolvidos e que esta é um dos grandes obstáculos ao seu desenvolvimento humano de longo prazo.
É mais um passo, mas tendo estado recentemente em Timor Leste, pensei muitas vezes em Cabo Verde. Se Timor souber seguir por uma via com o mesmo sucesso e não se deixar embebedar pelo petróleo pode ainda ser o caso de sucesso da sua região.

6.9.10

O que é bom para a economia americana é mau para nós? Pergunta muito bem a Carta a Garcia. A resposta da Senhora Merkel é clara como àgua: é. E nós não temos alternativa a beber do seu remédio. Mas, das duas uma, ou a economia europeia não precisa de estímulos, está pujante e a gerar emprego a bom ritmo, ou o que é bom para a economia americana, em combate com a estagflação e o desemprego também devia ser bom para as economias europeias em risco de recessão.

Ouvindo João Gilberto & Caetano Veloso em meditação (Buenos Aires, 2000)

5.9.10

ETA. será cedo para bater palmas, mas Zapatero está de parabéns.

O anúncio de um cessar-fogo unilateral por parte da ETA pode ser só o resultado de um momento de confusão, em que a organização precisa de dar a si mesma uma pausa técnica, depois do rude golpe que tem que ter representado a vaga de dezenas de prisões dos seus membros.
Manda a prudência que, em casos destes, se aguarde algum tempo antes de dar o anúncio por bom. Ele tanto pode a qualquer momento ser interrompido com o regresso à violência anterior, como pode qualquer crise na necessariamente fragilizada liderança da organização conduzir a nova estratégia quiçá ainda mais destrutiva que a anterior.
Mas essa prudência não pode e não deve impedir-nos de ver que a ETA foi forçada a perceber a dimensão do seu erro quando regressou à violência depois da oferta de Zapatero nem deve impedir-nos de aplaudir a estratégia do Governo espanhol que conseguiu uma série de sucessos no plano policial que não pode ser estranha a esta decisão.
Oxalá a ETA tenha agora a estabilidade que permita ao que resta da organização perceber que as suas convicções têm que ser defendidas no quadro da democracia europeia do século XXI. Se assim não for e uma nova vaga de jovens cegos pelo sectarismo voltar à estratégia assassina (e suicida para a sua causa) para a organização, terá sido cedo para batermos palmas. Mas que este cessar-fogo é uma boa notícia, lá isso é e que o governo Zapatero merece parabéns por ter forçado a organização a ele, parece-me óbvio.

2.9.10

Prescreveram dívidas fiscais iguais a 5 vezes os cortes "indispensáveis" nas prestações de apoio ao mais pobres?

Na resposta à crise, temos sido inundados com anúncios de redobrado rigor na gestão das prestações sociais, que a par com os cortes dos montantes, vai permitir ao Estado poupar umas centenas de milhões de Euros. 
Esta é mesmo a bandeira do rigor orçamental no ano de 2010. O risco de fraude dos pobres e o perigo de descontrolo na gestão das despesas com protecção social (e com saúde, e com educação, já agora) tem sido zurzido na praça pública, perante um silêncio estranhamente embaraçado, quando não um aplauso discreto, de vários membros do governo, que julgam encontrar aí uma chave importante para a contenção do défice. Relativizar o peso da fraude dos pobres passou a ser politicamente incorrecto e sinal de apoio a um inaceitável laxismo público, conhecido pelo nome de despesismo.
Mas, no mínimo, é tão mal gasto o dinheiro que o Estado deixa de receber por inércia perante os contribuintes faltosos quanto o que quer deixar de pagar a recebedores que manipulem o sistema de prestações sociais. Diria mesmo que, no plano moral, é mais aceitável um erro de mesma dimensão numa prestação a pobres que numa cobrança de dívida a abastados, mas ao dizê-lo afasto-me excessivamente da retórica do Dr. Portas para o palato actual do debate político entre governo e oposições. Contudo, os mil milhões de dívida fiscal prescrita que a IGF terá encontrado em Lisboa e Porto e o Público noticia hoje correspondem a cinco vezes o corte que o governo achou necessário fazer nas transferências sociais para os mais pobres como medida de combate ao défice excessivo.
Repito a pergunta: queremos uma sociedade de transparência e rigor para ambos os extremos da pirâmide social? Até agora, não se tem ido por aí e a severidade para com os mais pobres não aprece ter equivalente noutras paragens.
Será pedir muito a um país que tem recursos para ocupar técnicos de emprego a fazer de polícia em entrevistas de emprego, que tem recursos para chamar dois milhões de pessoas a provar os seus rendimentos para corrigir eventualmente as suas prestações numas dezenas de euros e que tem desempregados a ter que apresentar periodicamente carimbos comprovando que foram a essas entrevistas, que consiga organizar-se para ter recursos para que dívidas fiscais de mil milhões de euros não prescrevam?
De repente veio-me à memória um tópico da sociologia do direito, o da selectividade da actuação do Estado no enforcement das suas próprias prescrições normativas.

Que se passa em Maputo?

Do que li até agora na blogosfera, pareceu-me interessante reter três interpretações em confronto: As manifestações são o reverso do projecto de transformar a FRELIMO em partido-sociedade, como defende José Flávio Teixeira ?   O resultado de uma visão tradicional e africana do poder, como sustenta Paulo Granjo ?  A consequência das desigualdades profundas da sociedade moçambicana, que Vitor Ângelo identifica?
Á distância, consigo imaginar a tese do Flávio a materializar-se. Sempre que uma sociedade não encontra forma de institucionalizar formas de conflito e divergência, o protesto também não tem formas alternativas às inorgânicas de se expressar. Depois, é esperar que surjam os rastilhos e que sejam cometidos erros por quem tenta gerir os episódios de conflito.
Mas espero, com alguma atenção, pelo desenvolvimento das explicações para o que se passa, por parte de quem, ao contrário de mim, conhece Moçambique.

29.8.10

Parabéns pela coragem de falar por si, Ermelinda.

"Em Almada, a subserviência do Bloco de Esquerda à CDU revolta-me e indigna-me. Por uma questão de honra e dignidade pessoal, não posso pactuar com este defraudar das expectativas que criámos nos nossos eleitores". 
Esta frase vem na carta dirigida aos eleitores por Ermelinda Toscano, que foi eleita pelo BE para a Assembleia Municipal de Almada e para a Assembleia de Freguesia de Cacilhas e reflecte o estado de espírito de quem acreditava que votar no BE era votar contra o domínio asfixiante da CDU sobre o concelho.
A divisão entre os que queriam a afirmação de independência e autonomia do BE e os que o usam para prolongar e dar conforto ao marasmo do poder da CDU já era evidente há bastante tempo. Eu próprio já tinha perguntado quantos Blocos de Esquerda há em Almada e tinha denunciado que o Bloco devolveu à CDU através da sua vereadora o que os eleitores lhe tiraram, a maioria absoluta.
Também se percebia que havia eleitos do BE embaraçados com o servilismo ao PCP de alguns dos seus camaradas. Mas não se sabia o desfecho. Agora soube-se. Vamos ter mais três anos de BE atento e venerando à grande irmã CDU.
Mas não se perde tudo. Acredito que as vozes independentes da CDU hão-de fazer ouvir-se nos seus partidos, incluindo dentro do BE. Os que acreditam na construção de uma plataforma de mudança no concelho, vindos de vários partidos, sabem também que Ermelinda Toscano, liberta do espartilho da facção filoCDU do BE local, vai ser uma voz ainda mais importante do que ja é na denúncia dos desmandos do círculo do poder de Maria Emília de Sousa. Os textos mais recentes no blogue Infinitos são indicadores inequívocos de que assim será.  Parabéns pela coragem de falar por si, Ermelinda.

(Publicado também no blogue Por Almada)

19.8.10

Pour Sarko, James Bond Theme by Fanfare Ciocarlia (Romania)

JAMES BOND THEME by Fanfare Ciocarlia

São apenas ciganos romenos

Primeiro foi a Itália, agora a França, o "racismo de Estado" - como lhe chama alguém não identificado na notícia - recrudesce na Europa.


Bem sei que é fácil não ter simpatia por ilegais instalados em acampamentos e que há muito lip service nos protestos internacionais. Assim como é seguro que haverá muitos eleitores que aprovam sem reservas este tipo de medidas.

Mas o Estado escolher para deportação em função de um grupo étnico ou de um tipo de alojamento provisório é um indicador de que uma doença séria já tomou conta das nossas democracias. Que o faça sob aplauso popular diz-nos que os sintomas de tal doença tendem a agravar-se.

Para muitos de nós são apenas ciganos romenos, presumíveis criminosos, embora não tenham sido acusados de nenhum crime em concreto. Et voilá.

6.8.10

Partnerships are based on trust



Fonte: Time, cartoons of the week

Uma sociedade de transparência e rigor para ambos os extremos da pirâmide social?

Não conheço os fundamentos nem o sentido da opinião que o Presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados tem sobre as novas regras em relação aos benefícios sociais e que o Diário Económico hoje noticia, portanto nada posso dizer sobre o mérito da sua posição.
Não me surpreenderia que estivesse em causa o aspecto que muitos consideram menor de um pobre que se candidata a um apoio social ter que fornecer à segurança social informação que um rico que tente evitar pagar impostos não é obrigado a fornecer ao fisco. E até tendo a achar que ambos devem ser obrigados a fornecê-la e que isso é que é justo.
Mas posso dizer que gostava de ter a certeza que as regras de transparência e moralização que se quer impôr aos muitos pobres serão aplicadas com rigor equiparável aos muitos ricos que tenham a veleidade de fugir ao fisco. Assim teriamos uma sociedade da exigência e do rigor, que não deixaria escapar quem deve contribuir nem deixaria abusar quem deve ser apoiado. Caso contrário, estaremos perante uma terrível dualidade de critérios, em que é aceite que os bafejados pelo sucesso não assumam as suas responsabilidades perante a colectividade enquanto se vigia atenta e severamente os que já foram prejudicados pela roda-da-fortuna (chamemos-lhe assim) do capitalismo. Como se no equilíbrio das contas públicas apenas contasse o que cortamos na coluna dos pagamentos e não o que falta na coluna dos recebimentos.

5.8.10

Uma maneira de ver a nova condição de recursos nas prestações sociais #2

Um aspecto que tem sido pouco visivel na nova lei da condição de recursos é a adopção de uma fórmula mais restritiva (agora uniforme) de capitação dos rendimentos para efeitos de acesso a prestações sociais.
No texto anterior sobre esta questão usei, para uma demonstração sintética, o valor de 100% do Indexante de Apoios Sociais (IAS), demonstrando que o efeito da nova fórmula para a capitação sobre o rendimento máximo de uma família de 2 adultos e 2 crianças para que possa aceder a benefícios sociais implica um retrocesso de vários anos, mesmo descontando a inflação entretanto ocorrida.
Chamam-me a atenção para que esta demonstração genérica pode induzir em erro, porque até ao momento cada prestação social tinha regras específicas, quer quanto à percentagem do IAS considerada, quer quanto ao modo de cálculo da prestação. Importa, pois, voltar ao tema, agora olhando para as principais prestações abrangidas.
Reapresento, pois, o meu argumento, exemplificando agora com os casos contretos do Rendimento Social de Inserção (RSI), dos Subsídios de Parentalidade no âmbito da Solidariedade Social (SSP) e do Subsídio Social de Desemprego (SSD).
O RSI é atribuído com base em 40% do IAS e para uma família de 2 adultos e 2 crianças o valor máximo de rendimento de uma família para ser elegível era de 1,2 IAS (0,4 por adulto e metade desse valor por criança) até 31 de Julho. O SSP e o SSD é atribuído com base em 80% do IAS e, para a mesma estrutura familiar, o valor máximo do rendimento de uma família elegível era de 3,2 IAS (0,8 per capita, independentemente de ser-se adulto ou não).
A partir de 1 de Agosto, no caso do RSI desce de 1,2  para 1,08 IAS. No caso do SSP e do SSD desce de 3,2 para 2,7 IAS por força da nova fórmula unificada de capitação que valoriza dentro de uma família o segundo adulto em 70% (e as crianças em metade) do primeiro adulto.
Esta harmonização foi feita sem revalorizar o IAS nem qualquer outra medida compensatória eo seu resultado prático é baixar o valor máximo de rendimento de uma família para que seja elegível para os apoios sociais mínimos do Estado aos cidadãos, à parentalidade e aos desempregados.
Mais, esta alteração é acompanhada de outras medidas como a decisão administrativa de "fixar" os adultos co-residentes ao agregado familiar, cujo impacto não consigo estimar, mas pode ser destrutivo para alguns percursos de autonomização de jovens pobres e para algumas dinâmicas familiares e cria uma taxa real de imposto sobre os rendimentos dos jovens adultos de famílias pobres elevadissima que pode desencorajar fortemente a procura de trabalho e ampliar a armadilha da dependência de apoios sociais.
Que efeito tem a "tesourada" nas capitações sobre estas prestações sociais?
O quadro demonstra que o limiar de pobreza para acesso de uma família com 2 adultos e 2 crianças a prestações sociais de solidariedade desce abaixo do valor que tinha em 2006. No caso do desemprego e da parentalidade, a redução é ainda mais drástica e o limiar de acesso descerá agora para 75,5% do que era em 2005.
Esta redução do limiar de protecção nestas situações para um valor nominal actual anterior ao valor de 2006 terá também consequências imediatas na redução do número de beneficiários que podem ainda não estar disponíveis mas serão apuradas rapidamente, na medida em que as prestações a cortar ou a reduzir por força desta dimensão da nova condição de recursos já foram cortadas ou recalculadas com efeitos a partir de 1 de Agosto e as famílias estão agora, certamente, a ser notificadas do facto.  Por essa via, terá um impacto financeiro na redução da despesa, autónomo do que resultará das noticiadas medidas de moralização, porque será imediato, enquanto o outro ainda dependerá de acções a tomar psoteriormente.
Finalmente e acima de tudo terá um efeito de aumento da pobreza em quantidade, intensidade e severidade que os estudos só demonstrarão daqui a uns anos, mas que pode ser simulado retrospectivamente e me dizem que já foi simulado num trabalho académico ainda não disponível.

Este Verão, o ping-pong de Londres é mais agradável..

A mesma organização que espalhou pianos pela cidade, teve agora esta ideia fantástica e espalhou mesas de ping-pong por todo o lado, chama-se Ping! Festival e o barulhinho das bolas de ping-pong aqui e ali é mesmo engraçado e dá à cidade um ar sempre em festa, escreve  Paula Tomé e imagina-se com facilidade como deve ser agradável. Para animação, é incomensuravelmente mais divertido e mais saudável do que o ping-pong lisboeta deste Verão.

"Mas quantos é que eram?". Que importa?

O problema verdadeiramente sério da investigação criminal não é a guerra entre o SMMP e o PGR

A guerra de palavras entre o SMMP e o PGR de que o comunicado de ontem é um lamentável episódio pode tentar disfarçar o óbvio, mas não consegue. De facto, a direcção do sindicato julga-se o soviete do ministério público e entendeu que chegou o momento de tentar o seu golpe de Agosto. Mas a guerra de palavras entre PGR e SMMP a propósito do despacho com a discursividade do combate político que fechou o processo FREEPORT é o menor dos problemas que estão em cima da mesa.
O problema verdadeiramente sério é o de que quando a incompetência, a tentação política e a pulsão mediática se juntam e toldam o distanciamento crítico que o estatuto de magistrado impõe, não é o magistrado A ou B ou o ministério público como corpo que sai prejudicado, é a justiça e, por essa via, a democracia. Quem pensa que estamos perante um epifenómeno de Verão ou apenas perante um incidente sobre o teor infeliz de um despacho de um magistrado não percebe o que se está a passar. Aquilo a que estamos a assistir é a mais uma erupção de um vulcão que é um problema estrutural da nossa democracia, vulcão esse cuja existência deve fazer todos os cidadãos sentirem-se inseguros e encorajar as instituições a actuar, não apenas irritar os visados em cada afloramento do problema.
É certo que os problemas do mau funcionamento da investigação criminal em Portugal só se discutem a sério de cada vez que os visados, para além de estarem inocentes, têm visibilidade mediática, mas a quantos cidadãos anónimos tais pulsões, quando vencem o profissionalismo dos magistrados, destruirão as vidas sem que ninguém dê por isso, mesmo quando a justiça acaba em última instância por se fazer, como em regra acontece?

3.8.10

Pinto Monteiro com a coragem e frontalidade que não tem sobejado na hierarquia do MP

Se tomar consciência de um problema for o primeiro passo para o resolver, a entrevista de hoje do PGR ao DN será uma pedrada no charco. Se assim não for, o rei continuará nú como vai há muito e ficaremos à espera das próximas vítimas, com a indiferença com que temos vivido quanto ao que significa para a democracia o risco de captura de orgãos fundamentais do sistema de justiça por interesses particulares.
Agora que houve quem decidisse fazer abertamente política com despachos judiciais as coisas entram mais que nunca pelos olhos dentro. Se o sistema político -  governo e todas as oposições incluídas -  decidir mantê-los fechados, que ninguém se queixe quando voltar a acontecer. Por hoje leia-se Pinto Monteiro com a coragem e frontalidade que não tem sobejado no tratamento destes assuntos:

É absolutamente necessário que o poder político (seja qual for o governo e sejam quais forem as oposições) decida se pretende um Ministério Público autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se prefere o actual simulacro de hierarquia em que o procurador-geral da República, como já vem sido dito, tem os poderes da Rainha de Inglaterra e os procuradores-gerais distritais são atacados sempre que pretendem impor a hierarquia.
É imperioso que se diga que modelo se deseja para o País:
Se um sistema em que o Sindicato quer substituir as instituições ou um Ministério Público responsável. É preciso que sem hesitações se reconheça que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público é um mero lobby de interesses pessoais que pretende actuar como um pequeno partido político.
É essa a questão que o poder político deve esclarecer de forma inequívoca, não sendo lícito defender uma posição enquanto poder e outra enquanto oposição.  

Por razões diferentes, fico curioso, muito curioso, quanto às reacções que PSD e PCP terão a esta entrevista.

2.8.10

Uma maneira de ver a nova condição de recursos nas prestações sociais

Uma maneira de ver a nova condição de recursos nas prestações sociais é a seguinte: todas as famílias de dois adultos e dois menores que têm um rendimento mensal entre 1131,894 euros e 1257,66 euros tinham até 31 de Julho direito ao subsídio social de desemprego, ao RSI e a prestações sociais de parentalidade e perderam-no a 1 de Agosto (ver gráfico). Com isto, o limiar de acesso das famílias carenciadas a estas prestações caíu para um nível inferior a 2006 (mesmo em termos nominais e sem contarmos com a inflação desde esse ano). Não sei quantas famílias perdem os apoios por ter baixado o limite de rendimentos para lhes aceder mas, como as prestações já estão a ser cortadas, quem o pergunte ao Instituto de Segurança Social não terá difícudade para saber. E isto nada tem que ver com combate à fraude ou aperfeiçoamento na verificação de rendimentos que o spin eficaz fez tomar conta das notícias sobre o assunto. É apenas a parte da tesourada na despesa com estas famílias, que o governo entendeu dar ao introduzir uma fórmula de cálculo mais restritiva sem actualizar o Indexante de Apoios Sociais. São escolhas.

6.7.10

Giddens: new labour as such is dead.

"New Labour as such is dead, and it is surely time to abandon the term itself." Anthony Giddens faz uma excelente autópsia de um dos últimos grandes impulsos renovador da social-democracia europeia. É certo que em Portugal nunca teve boa imprensa e que esta morte não é alheia aos seus problemas congénitos, mas a estratégia que o Labour desenhou para chegar de novo ao poder continua a não encontrar muitas fórmulas vencedoras de sucesso que com ele rivalizem, à excepção da via escandinava que todos citam mas ninguém tentou seriamente seguir. E quem queira procurar as novas vias para a social-demcoracia europeia não pode simplesmente fechar os olhos e fazer de conta que a terceira via nunca existiu. Pelo contrário, foi um ente de sucesso e se tem muitas culpas no cartório, tem também alguns resultados para mostrar. Quem melhor que um dos seus mentores para fazer a sua autópsia? Lendo, verá que não teve medo de expôr as feridas nem se afastou do que sempre julgou serem as forças daquela via.
Na hora de pensar de novo o futuro da esquerda democrática como projecto político de poder, é mais importante ler os que têm a coragem de dizer o que pensam do que os que apanham sempre a última moda com a facilidade de quem muda de roupa em cada estação.

1.7.10

Hello, dolly!

Durante muito tempo, ouvi nesta canção um hello, darling que não existe, mas que também fazia sentido no refrão e continuou a fazer. Haverá por aí actores/músicos para fazer mais uns musicais assim? (Aqui, a canção com que Armstrong destronou os Beatles do top, vai num excelente superdueto e em versão cabaret com Barbra Streisand).

PS quer que a Assembleia Municipal debata o futuro da política de estacionamento e circulação em Almada

"O Partido Socialista irá apresentar um requerimento para a marcação de uma Assembleia Municipal extraordinária para um debate profundo sobre o modelo de gestão e funcionamento da Empresa Pública Municipal ECALMA. Vamos pois debater aqui se queremos ou não que haja uma empresa de gestão de estacionamento e circulação em Almada, e em que é que ela deve ser diferente da ECALMA que a CDU tão mal ergueu.", disse, em declaração política na AM, a 29 de Junho, Ana Margarida Lourenço em nome do PS.
Esse debate é urgente, porque há quem defenda a ECALMA tal qual existe sem qualquer abertura à crítica, como a CDU, quem critique, mas baixinho, como o BE e até quem defenda a extinção da empresa mas vote a favor da extensão das suas responsabilidades na àrea do estacionamento, como o PSD.
O PS acha que a empresa tem que ser fortemente reformulada para cumprir as suas atribuições e quer que essa reformulação seja discutida nos lugares próprios. Assim ficará claro quem é coerente no que defende para a política de circulação e estacionamento no concelho. Vamos, pois, ao debate.
Se quiser ler a declaração de Margarida Lourenço na íntegra, ela está disponível aqui.

A escola pública pode fazer a diferença. A partir de hoje podemos ler porquê.

27.6.10

Lembram-se da verdade a que temos direito?

"A verdade a que temos direito" era o mote do defunto O Diário, que dava a visão PCP do mundo não como um olhar mas como o olhar.
A muitos títulos o Boletim Municipal é, em Almada, um sucedâneo de péssima qualidade da dificuldade do PCP em lidar com o pluralismo. Para o Boletim, existe o mundo do PCP e é só. O resto, mesmo que exista, não devia existir, portanto apaga-se.
Ermelinda Toscano pôs o dedo na ferida a propósito de uma das "notícias" do último boletim. Escreveu ela que nele se transcreve, a propósito da novela da Loja do Cidadão, parte da Moção da CDU (aprovada apenas por maioria) como se essa fosse a única posição da Assembleia Municipal... quando houve uma outra moção, apresentada pelo Bloco de Esquerda, que colheu a unanimidade de todos os presentes.
Este "pequeno" erro de perspectiva poderia ser exemplificado de outro modo. A propósito, deixo aqui um exercício aos que se queiram dedicar à Kreminologia do Boletim. Depois de o verem de fio a pavio (nem precisam de ler), quantas fotografias encontram de:

a) membros da Assembleia Municipal do CDS, do BE, do PSD, do PS e da CDU?
b) vereadores do BE, do PSD, do PS e da CDU?

Garanto que o exercício terá um resultado absolutamente ilustrativo do pluralismo do Boletim e tem guardada uma surpresa para os que queiram perceber sem margem para dúvidas quem é que os autores do Boletim julgam ser os seus patrões.
Alguém quer fazer apostas sobre o resultado deste pequeno exercício de iconografia kremnilológica?

(Publicado também em Por Almada)

25.6.10

Simuladores agregados: um serviço público do Economia e Finanças

O Economia e Finanças disponibilizou mais um serviço público: uma página em que agrega os simuladores disponíveis, sobre impostos, prestações sociais, rentabilidades de aplicações financeiras, custos de aquisição de imóveis, de viaturas, etc.

23.6.10

Afeganistão: a jogada do general deixou o Presidente num dilema

Algo vai mal no Afeganistão. Se o principal chefe militar das tropas americanas no terreno estiver bom do juízo - e deve estar - aquilo que disse e deixou dizer nesta reportagem incrível da Rolling Stone só pode ser um passo táctico numa escalada que conduza ao seu despedimento ou agora, quando for recebido na Casa Branca ou não muito mais tarde. Contudo, como bom militar, não terá dado esses passos sem deixar o seu contendor de ocasião, no caso o seu comandante supremo, sem um dilema sério. Ou como diz a Time:

Unfortunately for Obama, the Rolling Stone story coincides with growing alarm over the situation on the ground in Afghanistan. The planned U.S.-led operation to secure Kandahar, the Taliban's spiritual capital, has been postponed, partly because of a lack of support among local Afghans for a military escalation there. And that delay and the difficulties it highlights have raised a question mark over Obama's vow to begin the drawdown of U.S. troops from Afghanistan next summer. Firing McChrystal would not improve matters, since the General handpicked by Obama to run the war has personally led much of the outreach to Afghans on which the strategy depends. "It's in the White House's interest to have a wounded McChrystal rather than a hero and a martyr," says one retired Admiral, speaking on background. "So I think he'll survive." Both Afghan President Hamid Karzai and NATO Secretary General Anders Fogh Rasmussen on Tuesday released statements of support for McChrystal.



Other senior military veterans took the opposite view. "I don't know how you serve an Administration and be loyal to them, which you have to be, when you're speaking out like this," said a former General, who also asked for anonymity.


Talvez o General só queira já lá não estar no momento em que for óbvio que a retirada militar americana ou não acontece ou deixa de novo o país no caos, repetindo o que aconteceu com os soviéticos. Nesse caso, se perder agora, sendo demitido, ganha a partida. Mas, aconteça o que acontecer ao General, começa a ficar claro para a opinião pública mundial que o Afeganistão se prepara para ser o primeiro problema a não ser resolvido pela política externa americana. É um péssimo terreno para registar a primeira grande derrota e, nós, europeus, não deviamos achar que não é nada connosco, porque iremos sofrer parte significativa das consequências.