30.9.14

Um dia, o banco corrido saiu do seu canto

O banco corrido que deu o nome a este blogue estava ao canto da mercearia de um bairro popular de Aveiro que um dia começou por ele a sua transição para a modernidade. Mais clientes, menos tempo, mais espaço, o primeiro balcão frigorifico, a primeira máquina de fatiar fiambre e enchidos, o fim das bacias com postas de bacalhau de molho, o açucar, o arroz e o feijão embalados, mudaram o comprar e o vender.
Cada um passou a ter TV e telefonia. Antes de almoço as donas-de-casa deixaram de vir por causa do Simplesmente Maria.
Discutia-se o presente e o futuro por todo o lado, abertamente. Deixou de ser preciso usar o recato do banco com os olhos do balcão para a rua, um na oposicrática e outro na porta do bufo ousimplesmente do intruso desconhecido.
Para beber um copo ou uma cerveja, os trabalhadores do fim-de-tarde mudaram-se para o Snack-bar dos retornados.
O centro da loja passou para a montra dos iogurtes e dos outros produtos de nova geração. 
O Banco, que passara a ser um impecilho, saiu de cena. Ainda foi substituído por uns banquinhos pequeninos, de formica, para os que chegavam cansados. Mas passara a ser tempo de outras conversas.

Assim como a mercearia se refez para os
primeiros dias dos novos dias, não é
Impossível que o espaço que existiu neste Banco possa reaparecer noutro lugar.

Darei notícias quando as houver.

20.9.14

Salário mínimo, hipocrisias máximas - editorial do Luís Costa


(Em memória do meu amigo António Dornelas, estudioso atento das retribuições mínimas)


O que se está a passar com o aumento do salário mínimo nacional é uma cena de fancaria indigna e imprópria, que merece denúncia e repúdio. Estão em causa os agora e depois parcos rendimentos de centenas de milhar de pessoas situadas no fim da escala do salariato, um escalão acima do trabalho negro e dos falsos recibos verdes.

Em primeira linha está em causa a superação da barreira mítica dos 500€/mês, prevista para 2011, nos termos do acordo alcançado na concertação social em 5 de Dezembro de 2006, mas que nunca viria a ser realmente assinado pelos representantes dos parceiros sociais, como se pode verificar na versão disponível na página do CES/CPCS, que não tem estampadas as assinaturas dos subscritores do ACORDO SOBRE A FIXAÇÃO E EVOLUÇÃO DA RMMG (Remuneração Mínima Mensal Garantida). Ao contrário de outros acordos não houve vinho do Porto, champanhe, nem sequer água das pedras para suavizar potenciais azias. 

Três números mágicos sustentavam este acordo: 1. A RMMG seria fixada em 403 euros em 2007; 2. Deverá atingir 450 euros em 2009 e 3. assumindo-se como objectivo de médio prazo o valor de 500 euros em 2011.

Acompanhei o processo por fora, mas conheço relativamente bem a história por dentro. Um belo dia, o meu camarada e amigo, Manuel Carvalho da Silva, entregou-me um papelinho, daqueles com que vai tomando notas para suportar posições públicas, com aqueles três números mágicos: transmite aos teus amigos socialistas que nós [CGTP] subscrevemos o Acordo sobre o salário mínimo se forem estes os valores, disse-me. Levei a carta a Garcia e eis que naquele dia 5 de Dezembro de 2006, estando presentes o Primeiro Ministro, José Sócrates, e os Presidentes ou Secretários Gerais das seis confederações patronais e sindicais, conforme reza a acta da referida reunião, todos "subscreveram" o referido Acordo.

Enquanto o PM, pré-versão animal feroz, considerava o Acordo histórico e inédito e o  SG da CGTP o definia como um indicador ao país, Francisco Lopes, então em fase ascendente e depois candidato do Partido nas últimas presidenciais, considerava que o valor para 2007 era insuficiente, mas, vá lá, um sinal muito forte do crescimento do SMN.

Os dois primeiros patamares foram atingidos em devido tempo, com maior ou menor grau de consenso, mas em 2010, na emergência dos quinhentos e com a crise a bater à porta, a situação complicou-se. O Decreto-lei nº 143/2010, publicado no último dia do ano, fixava a RMMG em 485 euros para 2011, mantendo acesa a chama de posteriormente, ao longo do ano, com duas fases de avaliação pelo meio, atingir a conta redonda. Até hoje!

Nos mais de nove meses já vencidos de 2014 o assunto é presença permanente, mas o parto revela-se difícil. Na maioria que assume a governação emergem os bonzinhos e os mauzões lavando as mãos à espera que os parceiros sociais se entendam e a coisa lá se vai arrastando. Quanto ao maior partido da oposição as posições, naturalmente, opõem-se. Seguro assobia para o lado ou, numa versão benévola, recupera a velha tradição trabalhista do partido correia de transmissão sindical, neste caso das posições da UGT. Mas, sobre o tema, não anda melhor, o candidato a candidato que espero seja capaz de fidelizar o meu voto nas próximas legislativas. Evasivo noutra temáticas relevantes, é, nesta matéria, muito preciso, em estilo quadratura do círculo: montante próximo da CGTP, produção de efeitos próximo da dominante patronal (Janeiro de 2015).

Lá fora, nas cidades e nos campos, 400 000 trabalhadores esperam um sinal de reforço do magro rendimento que continuará sempre a ser escasso seja qual for o valor a estabelecer. É preciso dinamitar a barreira dos 500, esse muro construído com cimentos provenientes de várias gentes e lugares, em nome de princípios maximalistas ou minimalistas convergentemente contribuintes para o arrastamento da situação.

O mais razoável bom senso recomenda que no próximo dia 1 de Outubro deveria haver um novo salário mínimo que traga um pouco mais de calor (sempre ténue) ao inverno do descontentamento dos homens e das mulheres que auferem a pomposamente designada remuneração mínima mensal garantida.

Recuperando uma expressão popularizada com a construção da barragem do Alqueva: Decidam-se, porra!

Continuar a encanar a perna à rã, apenas confirma a sina do (nosso) fado: tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado...

17.9.14

Confissão

Continuaria a ser amigo de Maria de Lurdes Rodrigues mesmo que ela repudiasse essa amizade.
Continuaria a ser irmão de João Pedroso mesmo que um teste de ADN demonstrasse que tal era biologicamente impossível.
Continuaria a ter orgulho em ter sido orientado em doutoramento pelo meu antigo professor Rui Pena Pires mesmo que ele destruísse o meu trabalho e renegasse as conclusões a que tivesse chegado e continuaria a escrever no Canhoto se ele, o seu fundador, não tivesse decidido parar de o fazer.
Nunca pedi a ninguém para favorecer ninguém. Tenho a certeza que Maria de Lurdes Rodrigues nunca favoreceria ninguém a pedido de ninguém. Tenho a certeza que João Pedroso nunca aceitaria ser favorecido por ninguém. Tenho a certeza que Rui Pena Pires nunca misturaria vida privada e responsabilidades públicas.
Cada um tem a experiência de vida que tem. A minha é esta.

16.9.14

Desabafo sobre a actualidade nacional: o nosso novo populismo

O velho populismo gerava líderes que procuravam representar "o povo", que mobilizavam, carismaticamente, em acontecimentos de massas. Era apanágio de políticos, militares e pregadores.
O novo populismo é muito mais difuso, vive em todo os que têm que assumir um papel institucional e se afastam da regra abstrata, da incorporação da responsabilidade própria do seu estatuto na definição da sua conduta, na fundamentação dos seus princípios, na formulação das suas decisões, para obedecerem ao que imaginam ser a vontade da "pessoa comum", que habita no consumidor dos mass media e nos resultados das sondagens.
O novo populista não procura seguidores, ambiciona seguir as maiorias silenciosas.
O novo populista não precisa de conhecer a complexidade da vida social, de ponderar os equilíbrios institucionais, de teorizar sobre a democracia ou a separação de poderes, de problematizar a sua ignorância ou perseverar na busca do conhecimento, basta-lhe a convicção de estar a seguir o juízo que o cidadão comum fará em 30 segundos de televisão ou 200 caracteres de jornal. E assim reforça esse julgamento popular ignorante e permanente.
O novo populista não argumenta, não se perde em raciocínios complexos ou ponderações elaboradas. Sabe que a pessoa comum quer sempre decisões simples e, em tempo de crise, sangue e quer ser vencedor não vítima desse mecanismo.

Infelizmente não são apenas António José Seguro, Passos Coelho e Paulo Portas que tentam protagonizar em Portugal o novo populismo. Nem sequer são só os políticos de velhos e novos partidos. Ele sente-se em Portugal no conjunto das instituições, nas políticas  como naquelas que têm legitimidade democrática que não resulta da eleição. E como o populismo corrói a democracia, mais tarde ou mais cedo vamos acabar por perceber para onde estamos a deixar ir o país.

Como sou otimista, quero acreditar que a minha geração, a dos filhos da madrugada libertadora, que vejo profundamente corroída pelo obscurantismo do novo populismo, aliás por oposição a grande parte dos protagonistas da geração anterior, dará a médio prazo lugar a uma geração mais democrática, mais cosmopolita, que lhe seja mais imune. É o meu otimismo antropológico de esquerda a comandar os meus sentimentos.

4.9.14

A semiologia, o mosquito e a mini-saia do populista

Quando era estudante de sociologia, há umas décadas, também tive o meu fascínio pela semiologia.
Agora, que acabo de ser mordido por um mosquito numa esplanada de Ankara, relembro-me de um texto de Umberto Eco, velhinho, inserido numa antologia editada em português sob o título Psicologia do Vestir em que ele metaforizava a mini-saia. Dizia ele então, por palavras diferentes, que uma menina de mini-saia em Milão estava à moda, em Nápoles na vida e em certos bares de Hamburgo nem sequer seria menina.
O mosquito que me morde emAnkara também não me preocupa enquanto o que me morde em Dili me atemoriza e o que me morde em Luanda me aterroriza.
É que, ao contrário do que a semiologia propunha, o mosquito como símbolo da malária tem uma objectividade externa e não apenas intersubjectiva. Quer a mini-saia de Eco quer o meu mosquito são mesmo diferentes na substancia em locais distintos. E o de Luanda tem mesmo probabilidade objectiva de estar infectado superior ao de Dili e este ao de Ankara. Ou seja, os símbolos têm a sua materialidade. E, se os mosquitos não escolhem o que simbolizam porque sao determinados por algo que lhes é externo, os  seres humanos  escolhem os símbolos que adoptam, ainda que estejam condicionados nessa escolha. E, sobretudo, escolhem os símbolos que recusam adoptar. 

Quem será de facto, por exemplo, o ser humano que escolhe o populismo como mini-saia para morder os eleitores?

Vida de consultor

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26.8.14

Os vivos e os mortos

A própria identidade de Gabriel esvanecia-se num mundo cinzento e palpável: o mundo sólido em que aqueles mortos outrora tinham vivido começava a dissolver-se e a desaparecer.
(James Joyce, OS MORTOS/Dublinenses)

A minha avó Leonor, mãe do meu pai, morreu em Junho de 1985, há quase 30 anos, a cinco dias de completar oitenta e cinco anos. Tinha nascido em 23 de Junho do ano 1900. O meu avô, António, morreu em Dezembro de 1984 e ela, na prática, desistiu de viver, depois de 62 anos juntos, indo ter com ele de novo, exactamente seis meses depois.
Quando eu era miúdo de escola primária, moravam no fundo do povo, no outro extremo da aldeia, vindo morar para perto de nós, no cimo do povo, para a casa que os meus pais lhes construíram. Viviam no piso de cima e em baixo era a adega, o alambique e a criação do vivo, como sói dizer-se por lá no que respeita a porcos, galinhas, coelhos e afins. E tinham sempre um(a) burro(a) para auxiliar em transportes, regas e lavragens. Esta mudança ocorreu há para aí 50 anos. Tenho uma vaga memória de quando moravam no fundo do povo e era uma festa quando ia para casa deles, a mais de um quilómetro de distância. Naquele tempo era quase o fim do mundo...
Há dias, agora em Julho, a minha avó recebeu uma notificação das finanças por causa do pagamento do IMI de 2011 e 2012 da casa de que se desfizeram há para aí meio século e nunca entrou em sucessivas habilitações de herdeiros, desde que o meu avô morreu.
Lá tivemos de ir às finanças limpar a honra da nossa avó...
Avó: onde quer que esteja fique sossegada, os seus netos já resolveram o assunto. Não vai precisar de voltar cá como aquela malta que tinha quotas em atraso...
 
(Uma crónica de LMC)

8.7.14

Agora fabricamos alfaces - sobre restruturação empresarial à japonesa

A mudança tecnológica tornou não lucrativos certos segmentos da indústria electrónica. Claro que, no Japão, muitas fábricas foram afectadas. Em Portugal também. A Siemens de Vila do Conde, por exemplo, foi higienicamente autonomizada e renomeada para não prejudicar a reputação da marca, vendida e fechada.
Mas esta notícia do Wall Street Journal dá conta da especificidade dos grupos empresariais japoneses. Várias empresas reconverteram as suas unidades electrónicas para o agro-alimentar e utilizaram os conhecimentos tecnológicos, por exemplo, na produção de alfaces, em vez de lançarem os seus trabalhadores no desemprego. Pode ser uma mudança inesperada, mas faz parte de um comportamento-padrão no Japão, que não entre nós.






2.7.14

Novo ciclo ou fim de ciclo na composição do Parlamento europeu?

A análise do Bruegel à composição do Parlamento Europeu diz que, afinal, em vez de hecatombe, a actual composição é coisa já vista. Podemos mesmo ter só tido um intervalo europeísta nas opiniões públicas europeias nas décadas do aprofundamento e do alargamento e estar a voltar ao business-as-usual.Será que o europeísmo segue dentro de momentos? Com um novo projeto mobilizador? Qual e quando?

1.7.14

Contudo, move-se... o RSI aos 18 anos

Faz hoje 18 anos iniciaram-se os primeiros projectos-piloto do Rendimento Mínimo Garantido. Então era incerto se o Estado e a sociedade civil estavam preparados para gerir a profunda transformação nas políticas de luta contra a pobreza que o lançamento desta medida poderia induzir.
Hoje, olhando para o percurso feito pelas políticas sociais, pode ver-se que a ideia frutificou em outras que dela receberam a metodologia de gestão participada de políticas (como a rede social) ou o conceito de focalização nas situações de pobreza severa (como o Complemento Solidário para Idosos). Definitivamente, o surgimento do RMG não foi um acto isolado, mas uma peça basilar na chamada "nova geração de políticas sociais", dos governos socialistas de Guterres e Sócrates.
É certo que, aos 18 anos, o hoje chamado RSI, continua longe de cumprir alguns dos seus objectivos fundadores, nomeadamente continua por cumprir o projecto de fazer dele uma medida una e dupla, isto é, uma prestação pecuniária associada geralmente a um programa de inserção. O Estado continua a não ser capaz de se activar para promover em quantidade e qualidade as medidas de inserção a que se comprometeu no texto e nno espírito da legislação que regula a medida. Mais, o Estado tem vindo a transformar-se de parceiro para a inserção dos desfavorecidos em mero polícia dos "incumpridores" e "castigador" dos fraudulentos, na sua maior parte imaginários, como no caso dos depositantes milionários.
Hoje, com o alargar da crise, o Estado divulga dados que dão o número de beneficiários do RSI como estando em queda. Com o que sabemos da situação social do país, este é um indicador seguro da asfixia administrativa a que a medida está submetida. Nesta medida, como noutras, o país orgulha-se de diminuir a cobertura das políticas sociais quando os problemas se agudizam. E todos assistimos ao lento agonizar das medidas de política social activa, na luta contra a pobreza como no desemprego.
Hoje o Estado Social Activo é um projecto que apenas se mantém vivo pelo profissionalismo de quem no terreno continua a fazer politica social, sem apoio nem sequer compreensão das hierarquias e das direcções políticas, que voltaram ao velho assistencialismo e ao lado disciplinador dos pobres do liberalismo mais destituido de sentido de solidariedade.
Aos 18 anos, o RSI está doente. Contudo, ao contrário do que muitos vaticinavam em 1996, não desapareceu nem provocou nenhum cataclismo de despesa pública. Contudo, move-se...

19.6.14

Por memória: o que se espera da Presidente do PS


Em altura de conflito aberto entre  protagonistas relevantes da acção política do PS, recorde-se este ponto dos estatutos em vigor:

"O Presidente do Partido empenha a sua magistratura moral na defesa da unidade e coesão do Partido e no respeito pelos princípios e valores da sua Declaração de Princípios e Programa do Partido"

7.6.14

Desde as europeias, o PS

Desde a noite das eleições europeias, o PS entrou finalmente em ebulição. Infelizmente, por enquanto, para dar aos portugueses todos os sinais de que a desconfiança com que olham para a sua actual direcção é justificada.
Na noite de domingo, Assis e Seguro tentaram a chico-espertice táctica de se auto-proclamarem grandes vencedores de uma contenda em que não o foram. Mas esta questão já está suficientemente analisada. Adiante.
António Costa, de seguida, teve o sobressalto cívico e a energia anímica que lhe faltaram na noite do abraço de há um ano, simplesmente proclamando como a criança da fábula que o rei vai nu. Evidentemente, ao fazê-lo, tal como a dita criança criou um problema ao rei, à corte e mesmo aos súbditos que aplaudiam e foram subitamente confrontados com essa denúncia de nudez.
A reacção de Seguro foi a pior possível. Revelou a público os traços autoritários que tinha meticulosamente protegido nestes anos, exteriorizou a raiva acumulada contra o seu adversário de décadas, expôs como nunca antes tinha feito a sua relação com as questões de regime. Numa semana, a grande vitória do PS passou a ser a expressão da grande crise do sistema político e, qual Manuel Monteiro dos velhos tempos, promete sangue contra "os políticos" ao povo. De uma só medida, nada menos que a maior redução de deputados desde 1975, uma reforma do sistema eleitoral, uma nova lei de incompatibilidades e, para o PS, um sistema de eleições primárias abertas. Todos sabemos o que Seguro pensava ainda há pouco tempo d as primárias abertas e todas as outras medidas foram já discutidas vezes sem conta dentro e fora do PS sem que houvesse a vocalização de tão profundo descontentamento e necessidade de tão radical mudança. Porquê agora?
Porque há lideranças políticas para quem princípios são a expressão conjuntural das prioridades tácticas. Seguro tem hoje três objectivos tácticos - dificultar ao limite a possibilidade de ser formalmente deposto do seu lugar de Secretário-geral, prolongar ao máximo o tempo que medeia entre o choque eleitoral da auto-proclamada vitória que demonstrou a nudez da sua liderança e a disputa da liderança do PS e colocar entre hoje e o seu confronto com António Costa momentos para recuperar o controlo ameaçado das estruturas intermédias do partido em que assenta o seu poder. É ao serviço desses objectivos que se entende a sua actuação na aberta crise do PS.
As suas propostas sobre o sistema político são uma mera manobra de diversão para tentar dar uma aparência séria à sua conversão súbita - para ganhar tempo - a umas eleições primárias que exigem um recenseamento, que carecem de um estudo de "direito comparado" que na solidez das suas convicções nunca tinha pensado em pedir e que fez questão de impor que se disputassem a quatro meses de distância, a ver se a irritação com a sua falta de capacidade de liderança democrática arrefece. Vamos a ver se nos próximos dias não surgirá a cereja em cima do bolo desta táctica com a convocação de congressos distritais para antes - repito, antes - das eleições primárias, na expectativa de colar alguns cacos partidos em certas distritais a tempo.
António Costa tem resistido estoicamente a todas as armadilhas de abertura de pretensos debates sobre a natureza do sistema político, sobre a legitimidade das manobras estatutárias, sobre o formalismo intermitente com as conveniências sobre as regras desta disputa. Mas arrefeceu o ímpeto com que apresenta novas ideias ao país, embora esteja mais que a tempo para ir concretizando as linhas estratégicas que o diferenciam de Seguro para além de todas as diferenças de estilo, de personalidade e de concepção da vida política que todos sabemos que o distinguem.
Com o PS afundado pelas manobras da sua direcção num crise que será prolongada em vez de rápida, como deveria ser; com as fragilidades políticas do seu líder, exposta pelas suas performances televisivas em período de maior exposição; coma mediocridade dos principais dirigentes actuais visibilizada  pela sua súbita aparição e em algum casos pelas suas patéticas declarações e ameaças, o PS desce nas sondagens.
Os portugueses descobrem que o rei vai nu e este, em vez de olhar as suas vestes, indigna-se com quem diz em voz alta que o vai e o risco que é para o PS, o país e a democracia não o apear. Uma volta esta manhã pelas páginas de Facebook dos dirigentes do PS não deixará margem para dúvidas. António José Seguro e a sua corte não percebem o que estão a fazer à credibilidade do PS e acreditam na teoria do inimigo interno. Felizmente não têm os instrumentos que outros cultivadore dessa teoria tinha. E também felizmente mesmo com quatro meses arrastando este circo pelos média, o povo socialista vai acabar com esta tragédia antes que se torne farsa. 
A alternativa da esquerda democrática para Portugal segue dentro de momentos. pedimos desculpa por esta interrupção.

31.5.14

Não se "meio-refresca" uma legitimidade

O pior que podia acontecer hoje ao PS era uma solução confusa para o seu problema de liderança. Seguro, ao anunciar que convoca primárias para Primeiro-Ministro e até se prontificar a rever estatutos para isso, reconheceu que a necessidade de relegitimar a liderança da oposição é real. As tentativas de dizer "o Partido sou eu" nestas circunstâncias são patéticas e  prejudicam o Partido sem sequer salvar a liderança ameaçada.
Se a crise narcísica do líder ameaçado não for contrariada plea força do PS como instituição; se ninguém convencer Seguro de que se colocou num beco sem saída ao não deixar por em causa que é lider enquanto se pōe em causa que sirva para governar o país, preparem-se para a primeira grande recomposição do sistema partidário desde o pacto MFA-partidos.
Todos sabemos que é impossível Costa ser candidato a Primeiro-Ministro e Seguro lider do PS ao mesmo tempo. Com ou contra o líder actual do PS, as duas questões resumem-se hoje à mesma e Seguro, assim, ou ganha ou sai desnecessariamente, humilhado.

28.5.14

Amigos do PS, será alguma vez oportuno defrontar Seguro?

Há um ano a maioria dos meus amigos socialistas achava que a eventual candidatura de António Costa a Secretário-Geral contra António José Seguro em ano de eleições autárquicas era "inoportuna" e "dividia" o partido num momento em que era fundamental mantê-lo "unido".
Parece que agora, que já passaram as últimas eleições antes das legislativas, é outra vez, para alguns desses amigos, "inoportuno" e causador de "divisão" que haja eleição  para Secretário-geral.
António José Seguro faz mal em não convocar Congresso Extraordinário entrincheirando-se no poder interno quando o PS precisa de ser arrojado para conquistar o país. 
Os que convenceram Costa a retirar-se em nome da "unidade" há um ano nem uniram nem reforçaram o PS na sociedade portuguesa.  Se o PS escolher fugir de novo ao debate interno não chegará a eleições mais credível nem mais forte do que agora. 
Seguro pode não arriscar a reconfirmação do seu poder interno, mas ao fazê-lo estará a alimentar a fragmentação do sistema partidário português que já está em movimento. E esse será o erro histórico que ficará para sempre ligado à sua liderança do PS.


26.5.14

Os portugueses quiseram abanar o sistema político. Vamos a ver se isso foi entendido.

Escrevi aqui o que  teria acontecido no Domingo se os resultados eleitorais acertassem nas sondagens, com aquela ponta de cepticismo de quem sabe que em eleições europeias as sondagens acertam relativamente pouco nos resultados. Agora, que já sabemos os resultados, podemos concentrar-nos na parte do que aconteceu que as sondagens não previam. Ou seja:

1. Os partidos ditos do arco da governabilidade (PS, PSD e CDS) tiveram em conjunto um péssimo resultado, que obriga a reequacionar as condições de governabilidade do país e abre a porta à fragmentação do sistema político. Se a lógica de resultados de domingo se transferisse para legislativas, PS, PSD e CDS, por exemplo, não teriam poder para fazer uma revisão constitucional sem um outro aliado, que poderia ter que ser Marinho Pinto, fazendo desse aliado o novo guardião da adaptação do regime a novos circunstancialismos.

2. A crise do sistema político que se veio juntar à crise económica e social e que varreu a Europa não provocou nenhum sismo em Portugal, mas gerou ventos fortes, criando duas novas forças políticas, ainda que ambas atravessadas por sérios problemas por resolver. Como irá Marinho Pinto gerir a sua entrada na política pela via da mais desprestigiada das instituições parlamentares e da mais conotada com a inutilidade dos políticos contra a qual fez discurso? Como irá o MPT gerir a sua transformação de partido ecologista em barriga de aluger de um Marinho Pinto tão nutrido de votos? Como irá o Livre digerir a sua derrota, ainda que dando-lhe a possibilidade de aspirar a eleger deputados nas eleições legislativas? Caminhará para o desaparecimento e reabsorção (como aconteceu recentemente com o MEP) ou encontrará um discurso que lhe permita solidificar-se e crescer?

3. O PSD e o CDS parecem estar a caminho de uma derrota anunciada que os apeará pelo menos da liderança do país. Mas é patético que o PS pense que pode, a partir desta base e neste contexto, fazer uma campanha assente na reivindicação de uma maioria absoluta para a qual os portugueses definitivamente o não quiseram lançar. Que plataforma oferecerá agora o PS aos portugueses? O discurso moderado que todos percebem que antecipa o Bloco Central? A tentativa de um governo solitário e fraco? A ultrapassagem do Rubicão que implicaria uma parceria táctica com o PCP? A reabsorção amigável ou hostil de Marinho Pinto? (O Livre, para já, não tem força para ser variável significativa nesta questão).

4. Na minha leitura,  os portugueses rejeitaram no domingo não apenas o PSD e o CDS mas também o governo de bloco central que seafigura ainda o cenário mais provável (que não o que eu desejo) para manter o país governável. Pode agora defender-se "outro" bloco central, mais alargado, como aquele movimento que uniu Bagão Félix, Ferreira Leite e João Cravinho no manifesto pela restruturação da dívida. Ou pode ignorar-se que o PS perdeu no domingo o referendo ao seu rumo táctico na gestão da crise e seguir em frente.

5. Se o PS mantiver o rumo, parece-me que nasceu no domingo para Marinho Pinto e o Livre a oportunidade para se afirmarem que o PCP e o BE desperdiçaram na gestão da crise, atirando o país para os braços de Passos Coelho. Basta-lhes afirmar-se europeístas, mas contra a terapia da troika e o Pacto Orçamental e posicionarem-se para querer ajudar um governo liderado pelo PS, mas contra o bloco central e os vícios aparelhistas do partido que o conduziram a este imbatível poder interno sem força exterior. Ou não foi isto que os portugueses disseram no domingo aos actores fundamentais do seu sistema político?

23.5.14

A Rua Sésamo e as políticas publicas

Os apóstolos do mercado gostam de dizer que a intervenção do Estado na cultura é desnecessária, mesmo perniciosa, e se deve deixar todo o espaço à livre iniciativa. Quando a Rua Sésamo atingiu 44 anos de emissão, vale a pena lembrar-lhes que é filha de um programa de acção pública para a igualdade de oportunidades, de uma iniciativa pública das muitas daquele que foi talvez o último Presidente americano que abraçou grandes causas sociais e atacou a sério o problema da desigualdade, Lyndon B. Johnson.  Este artigo do Washington Post conta a história e relembra com alguns vídeos os momentos marcantes da série.

22.5.14

Se os resultados de Domingo acertarem nas sondagens

Se os resultados de domingo acertarem nas sondagens divulgadas teremos que:

1. Os portugueses não terão votado com os pés, abstendo-se a um nível histórico. Pelo contrário, poderão até abster-se menos do que nas ultimas eleições europeias. O que dirá que a crise mobiliza pelo menos alguns segmentos eleitorais.

2. O sistema político português terá mostrado grande resiliência, com os partidos "do sistema" a trocarem votos entre si mas sem transferências massivas para os partidos de protesto, populistas ou representativos de novas clivagens políticas.

3. A coligação governamental terá resistido melhor a esta crise do que o governo PSD-CDS resistiu nas eleições europeias de 2004, em que a lista do PS liderada pelo falecido em campanha Sousa Franco atingiu uma percentagem de votos que antecipava a maioria absoluta nas legislativas que o PS veio a atingir um ano depois.

4. Miguel Portas receberá no além a notícia de que a sua pessoa fazia a diferença, ou pelo menos, de que a estratégia do BE na gestão da crise europeia e seu impacto em Portugal foi tão desastrosa que o partido começa a arriscar voltar aos níveis eleitorais de PSR+UDP.

5. O povo terá demonstrado que a esquerda à esquerda do PS em Portugal é soberanista, anti-UE, etc, etc, fazendo do PCP de novo a grande força desse espaço político e dizendo, portanto, que a governabilidade do país pela esquerda continua bloqueada.

6. O Livre e Marinho Pinto ter-se-ão juntado à longa lista de pessoas e forças que apostam lançar-se em eleições europeias e perdem a aposta. Uma lista que já inclui gente tão diversa como Miguel Esteves Cardoso, o MEP e Laurinda Alves e até a primeira candidatura de Miguel Portas. Ficaremos na dúvida se o Livre será o novo MEP, nascido para morrer, ou encontrará no futuro o espaço que os portugueses lhe terão negado agora.

Ou seja, se os resultados de domingo acertarem nas sondagens, estas eleições dirão que a situação política em Portugal é estável, a crise não criou nenhum extremismo nem sequer nenhum factor político novo de relevo. Seguro nem se levantou nem caiu, Passos Coelho não foi esmagado e o país terá que escolher daqui a um ano entre Seguro e Coelho-Portas (ou juntar os três). Mas, claro, os resultados de domingo podem não acertar nas sondagens e pode ser que não fique tudo como dantes.

20.5.14

Entre 2008 e 2013 a factura da austeridade em Portugal foi passada de modo desproporcional aos mais pobres

Entre 2008 e 2013, a variação dos impostos e das transferências sociais (a tax-benefit policy) em Portugal fez, só por si, com que o rendimento disponível das famílias descesse 7%.
 O estudo que apurou estes dados cobriu 15 países da UE (Alemanha, Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Itália, Letónia, Lituânia, Portugal, Roménia e reino Unido).
A redução induzida pelo binómio impostos-transferências sociais em Portugal foi a terceira maior dos países abrangidos, a seguir à Irlanda e à Grécia, que tiveram reduções de 16% e 14%.
A repartição dos sacrifícios em Portugal (e Espanha), ao contrário da generalidade dos países, incidiu mais pesadamente sobre os 10% mais pobres do que sobre os grupos de rendimentos mais elevados. Isto é, se as perdas de rendimento são progressivas a partir do terceiro decil - quem mais tem, perde parte maior do rendimento disponível - não é assim para o 1º decil - os 10% mais pobres do país - que perderam uma percentagem maior do seu rendimento disponível que os outros grupos de rendimento.
Portugal teve perante a crise uma combinação de política fiscal e social que reduziu o rendimento disponível das famílias mais intensamente que em boa parte dos outros países optou por penalizar os mais pobres mais severamente que as classes médias e mesmo os grupos de rendimentos elevados.
É verdade que não estamos sozinhos. O gráfico abaixo demonstra uma tendência para penalizar os 10% mais pobres que atravessa a Europa.
O Estado passou a factura da austeridade aos mais pobres de modo desproporcional aos seus rendimentos. No nosso caso, o país, que já era muito desigual, vai voltar a precisar de olhar para os 10% que os governos castigaram a pretexto da crise económica internacional.




Os dados citados e o gráfico reproduzido provêm do seguinte estudo, publicado no início de Maio de 2014:
Agostini, Paola De, Alari Paulus, Holly Sutherland, and Iva Tasseva. 2014. The Effect of Tax-Benefit Changes on the Income Distribution in EU Countries since the Beginning of the Economic Crisis. Retrieved (https://www.iser.essex.ac.uk/publications/working-papers/euromod/em9-14.pdf).

14.5.14

O que falhou, Engº Moedas? A confiança na maioria que o elegeu.

“Não sou sociólogo, não consigo dizer exactamente o que é que falhou”(Carlos Moedas, ontem na SIC, segundo uma fonte fidedigna) 

 Bom, eu sou sociólogo. E acho que posso dizer que o que falhou foi principalmente a política económica,a qual a sociologia só explica enquanto ciência que explica os comportamentos dos actores sociais. E uma das linhas fortes da explicação sociológica é que o que as pessoas pensam sobre a realidade faz parte dela. Ora, Carlos Moedas faz parte de um conjunto de pessoas que pensam que Portugal devia aderir definitivamente ao modelo social liberal e que a crise é uma excelente oportunidade para fazer avançar o seu programa. Para as pessoas que pensam assim nada falhou a não ser pelo facto de que ainda se está a progredir no seu caminho. Queriam destruir o que pudessem na regulação do mercado de trabalho, agir para a descredibilização da protecção social pública, ir em direcção à redução do papel do Estado na Educação e na Saúde. Procuraram focalizar-se na redução das políticas sociais e nas privatizações, no aumento de impostos que incidem essencialmente sobre rendimentos do trabalho, consumo e pensões, sem restruturar monopólios e rendas, sem atacar privilégios e poderes avassaladores de mercado, suportando o sector bancário até ao limite das suas possibilidades com muito mais recursos do que os que cortaram noutras funções do Estado. Para eles há sectores demasiado importantes para que falhem e sectores demasiado irrelevantes para que funcionem. 
Para quem tenha dúvidas de que o aumento da TSU é um marco no caminho fica apenas a pergunta de qual é a racionalidade de descer a contribuição dos empregadores aumentando a dos trabalhadores. É simples, parte do diagnóstico de que os salários líquidos são demasiado altos e os lucros demasiado baixos em Portugal. Será Portugal um país em que a parte do capital no rendimento é baixa? Parece que não. 
Como as convicções de Carlos Moedas fazem parte do agravamento do problema português, o que falhou, sociologicamente, é que o povo elegeu quem tinha estas ideias para gerir o país em tempo de crise, quando parecia - o povo - ter ideias opostas sobre qual o caminho a seguir. Bem,em rigor, nem isso falhou. Na verdade, o que o grupo a Carlos Moedas andou a fazer foi a dissimular mentiras em truques de prestidigitação, como o da culpa de Sócrates pela crise mundial. Ou seja, o que falhou? Em última instância, a confiança eleitoral num grupo de gente que pretendia fazer o contrário que dizia. E, antes disso, a coligação informal que permitiu que se gerassem as condições para que essa confiança eleitoral chegasse a existir. A história apurará que parte nessa falha teve cada um dos grandes protagonistas desta crise. Por mim, acho que poderá ter alguns resultados surpreendentes face à percepção contemporânea dos acontecimentos. 
Se não estou errado, aproxima-se o momento em que Moedas irá poder reflectir em paz sobre o que falhou. É, contudo, necessário que seja substituido por quem tenha terapia alternativa e não apenas crítica desta terapia.

13.5.14

A minha narrativa sobre a crise

Escrevi aqui em tempos que também tinha uma narrativa sobre a crise. Estava a escrever o relatório sobre Portugal para um projecto da Fundação Friedrich Ebert sobre a crise no sul da Europa que acaba de ser publicado e está disponível aqui.
Em síntese, a minha narrativa é esta (em inglês, como na sinopse do relatório):

Successive Portuguese governments have followed the orientations of the European institutions regarding the response to the emerging challenges, since the international financial crisis. The new conservative government (elected in 2011) took advantage of the situation of »limited sovereignty« and made a radical political shift.
The new policy aims at a fundamental change in socio-economic power relations by deregulation and challenges the institutions of social dialogue created during the past 40 years.
„„The austerity imposed by the Memorandum of Understanding (2011) launched the country into a deep recession that had devastating impacts on some sectors of the economy. The young and precarious workers were particularly affected, with youth unemployment rising to 37.7% (2012 and 2013). More poverty, more unemployed with less benefits, substantial cuts in old age pensions and the national health service in cost contention: Austerity and recession bring growing social problems while reducing public responses to these problems.
„„Meanwhile public debt is skyrocketing, despite of recent signs of economic recovery and some success in reducing the current public deficit. The risk is that the therapy will destroy the social equilibrium the country had achieved during the past four decades without curing the disease of the unbearable public debt.

(Pedroso, Paulo
Portugal and the global crisis : the impact of austerity on the economy, the social model and the performance of the state / Paulo Pedroso. - Berlin : Friedrich-Ebert-Stiftung, Internationale Politikanalyse, 2014. - 36 S. = 4,8 MB PDF-File. - (Study / Friedrich-Ebert-Stiftung)
Electronic ed.: Berlin : FES, 2014
ISBN 978-3-86498-840-0.

25.4.14

O mágico que escrevia ao som dos boleros do pequeno gigante

(Uma crónica do LMC)
La vida no es la que uno vivió,
sino la que uno recuerda y como la recuerda para contarla
Gabriel García Márquez, Vivir para contarla (2002)


Já quase tudo foi dito. Muitos rancores ficaram (temporariamente) congelados nas gavetas, ao longo destes dias. A quase unanimidade dói. Soa a falso.
Sou suspeito. Li quase tudo o que foi dado à estampa do jovem Gabito ao velhoGabo, de seu nome completo Gabriel José de la Concordia García Márquez, nascido na Colômbia, sabe-se lá se em 1927 ou 1928, sendo apenas um dos dezasseis filhos do telegrafista de Aracataca.

Na minha estante, tudo devidamente alinhado e sempre ao alcance da mão, corresponde a quase meio metro, só superado em extensão e quantidade, no panorama hispano/latino-americano, pelo Manuel Vásquez Montalbán. Encostados à direita do Gabo está uma boa dúzia de livros do Mario Vargas Llosa que me dá gozo ler, com muito orgulho, mas, como não sou hipócrita, com algum preconceito.

Tenho e li grande parte na edição castelhana. Prefiro. Sem desprimor, por exemplo, para a soberba tradução que o saudoso Fernando Assis Pacheco -  companheiro ocasional, com a Edite Esteves e o Afonso Praça, nos cafés da Rodrigues Sampaio onde todos faziamos pela vidinha no primeiro quartel da década de oitenta do século passado - fez para a primeira edição portuguesa daCrónica de uma Morte Anunciada,editada por O Jornal, em Julho de 1983 (o original é de 1981) e me custou a módica quantia de 340 escudos (lembram-se?).

Mas o que aqui me traz agora é algo que pensei partilhar no início deste ano da graça de 2014, mas que, vá lá saber-se porquê, acabei por deixar cair na voracidade dos tempos e, ora, em tempos de mortes confirmadas, recupero.

No dia 5 de Janeiro deste ano morreu no Brasil, vítima também de problemas respiratórios, o pequeno grande cantor e compositor de charme Nelson Ned. Sofrendo de nanismo atingiu na idade adulta apenas 1,12 metros, mas tinha um vozeirão daqueles. Nessa ocasião foi tornado público que o grande GGM escrevia ao som da voz do cantor romântico, depois brega e nos últimos anos de inspiração e feição evangélica de onde se destacam, entre outros êxitos, Se eu pudesse falar com Deus, Quando eu falo com Jesus Oração do Aflito. Em 45 anos de edições discográficas, Nelson Ned vendeu 45 milhões de cópias, o equivalente a um milhão por ano.

   
O bolero é a vida, Gabo disse um dia, confessando que escrevia muitas vezes ao som da música de Nelson Ned. Embora não me lembre de escrever ao som de Nelson Ned (tenho como banda sonora de fundo os discursos esta manhã na AR...), ele também faz parte da minha vida e do meu território afecto-auditivo. Eu tinha 16 ou 17 anos quando surgiram os primeiros êxitos, a começar pelo Tudo Passará (Mas tudo passa, tudo passará/E nada fica, nada ficará/Só se encontra a felicidade/Quando se entrega o coração), passando pelo Se as flores pudessem falar (Hoje eu lhe mando essas flores/Que eu colhi de um jardim/Na esperança de que você se lembre/Um pouquinho de mim), sem esquecer esse magistral bolero Domingo à tarde que saltava das cornetas das aparelhagens sonoras das festas e romarias das nossas aldeias beirãs. Quem seria capaz de resistir à voz arrebatadora do pequeno gigante da canção (título da sua biografia), sublinhando letra a letra verso a verso, de forma límpida e cristalina: O que é que você vai fazer domingo à tarde/Pois eu quero convidar você para sair comigo/Passear por aí numa rua qualquer da cidade/Vou dizer pra você tanta coisa que a ninguém digo....

Nós éramos jovens viçosos, borbulhantes, sinais exteriores de penugem, a dar os primeiros passos no faça você mesmo, ainda não conhecíamos o Gabo, mas conhecíamos de cor e salteado os trauteantes boleros que tanto o inspiraram. Não líamos Gabito, mas devorávamos toda a magia da velha colecção Emílio  Salgari e outras coisas mais arrojadas, sob a superior recomendação do José Ferreira Monte (poeta nobre da paixão e luta, autor da letra de duas das famosas canções heróicas do Coro do Lopes Graça) na sua tribuna da biblioteca itinerante da Gulbenkian que regularmente passava lá pela terra.

Da corneta sonora do aparato televisivo, Cavaco aconselha que é tempo de abandonar as políticas de vistas curtas...depois, toca o hino.

Volto a Gabo. Na imprensa deste fim de semana, os últimos textos, as última homenagens. Tal como Nelson Ned, Gabo começa agora a ficar em paz. Tudo passa, tudo passará, mas algo fica... ficará?


  O quarto ficou submerso numa atmosfera silenciosa, dentro da qual não se ouvia nada a não ser o lento e sereno esvoaçar da morte (...) 
(GGM, A Revoada).

Saravá, Nelson! Hasta siempre, Gabo!

LMC

17.4.14

Quero ir para Macondo

Como acontece com todos os escritores que verdadeiramente importam, cada um de nós terá, por razões que só a gramática da reçepcão de uma obra pode explicar, as suas obras favoritas de Garcia Marquez. Quero ir para Macondo, mas a sua obra dá a cada um de nós a sua versão dela.
Bem sei quais são as obras consideradas primas, mas, a mim, as que continuam a tocar-me especialmente talvez não sejam as que a generalidade dos leitores preferem.

Se reconheço a genialidade da construção dos Cem Anos de Solidão, continuo a colocar no pedestal a novela sobre a espera, a ansiedade e o sentimento de abandono de Ninguém Escreve ao Coronel. Se me rendo ao fantástico lado mágico da obra de Gabo, continuo a sentir emoções muito fortes no retrato profundamente realista de Notícia de um Sequestro. Se acho fascinante a ideia de uma paixão para a vida que só a queda de uma escada pode destruir em Amor Nos Tempos de Cólera, acho que o relativamente menor O General no Seu Labirinto é uma poderosa metáfora da América Latina que veio por aí. (E não esqueço o marinheiro náufrago do navio sobrecarregado de contrabando).
No dia da sua morte, apenas posso dizer que mal-aventurados os pobres de espírito que tenham recusado o contágio lírico, histórico e político da sua obra. 

Uma experiência na Toyota: os humanos de volta ao trabalho perdido, com os robots como aprendizes

"To be master of the machine you have to have the skills and knowledge to teach the machine" (Mitsuru Kawai, reponsável de projeto na Toyota)

Há um século que o mundo do trabalho é atravessado pelo processo da automação, intensificado nas últimas décadas. A generalização do recurso aos robots em várias fazes dos processos de produção industrial como "mão-de-obra" que executa directamente as tarefas sob supervisão humana marca o estádio corrente de desenvolvimento da grande indústria.
A notícia é a necessidade de reflectir sobre a interacção entre o humano e o robot e sobre como, se os saberes das antigas aristocracias operárias se poerderem, será possível "ensinar" os robots a executar o seu trabalho. O projeto em curso na Toyota de recriação de ateliers de trabalho manual para que os saberes operários (re)floresçam é um sinal de que a interacção entre humano e robot não é apenas um processo de substituição do primeiro pelo segundo mas, de aprendizagem que permita extraír as vantagens das capacidades de um e outro.
A Toyota quer que os humanos que dominam os saberes profissionais das tarefas que os robots executam "na vida real" possam continuar a deter o saber que permita melhorar a performance das máquinas. O raciocínio do tipo"se-não-sei-fazer-como-posso-ensinar?" levou a empresa a recuperar 100 ateliers "humanos", intensivos em trabalho.
Com o que os humanos que sabem o que fazem porque fazem puderam ensinar os robots a fazer, diz-se que numa fábrica japonesa se eliminou 10% do desperdício de material. Ou seja, a história da relação do homem com a máquina em tarefas de produção pode não ter terminado na sua substituição.

Este exemplo fez-me pensar na padaria que Richard Sennett descreve em A Corrosão do Carácter. Também lá a substituição dos saberes artesanais dos padeiros pela manipulação indiferenciada de máquinas levava ao aumento de produto defeituoso, no caso de pães que tinham que ser rejeitados.

Se a ideia da Toyota for seguida, uma nova fase da relação entre trabalho humano e robotizado pode emergir, na qual os humanos fazem trabalho real mas não orientado principalmente para produzir, antes orientado para melhorar a produção dos robots.

16.4.14

Em que ranking estão o Lesotho, a Mongólia e Cabo Verde em melhor posição que Portugal?

Em que ranking do World Economic Forum estão o Lesotho, a Mongólia e Cabo Verde em melhor posição que Portugal? Neste, de igualdade de género, em que aparecemos em 51º entre 136 países.
Mesmo não sendo fanático de rankings, nem aceitando necessariamente a relevância de todos os indicadores escolhidos e do peso com que contribuam para o índice, não se pode ignorar que, ao contrário do que por vezes parece emergir emc ertos sectores da sociedade, o problema da igualdade de género em Portugal permanece e merece a atenção necessária para perceber porque num país com tantas garantias formais de gualdade de género há tanta desigualdade real.

Reler A Grande Transformação aos 70 anos

"More humanist than materialist, Polanyi did not believe in iron laws. His hope was that democratic leaders might learn from history and not repeat the calamitous mistakes of the 19th and early 20th centuries. Polanyi lived long enough to see his wish fulfilled for a few decades. In hindsight, however, the brief period between the book’s publication and Polanyi’s demise is looking like a respite in the socially destructive tendencies of rampant markets. In seeking to understand the dynamics of our own time, we can do no better than to revisit Polanyi."

Um convite irrecusável na The American Prospect. (Re)ler A Grande Transformação no mês em que celebra os 70 anos e pensar em quão importante seria sermos liderados por gente que a tivesse lido e compreendesse o seu sentido.

15.4.14

É mesmo? Já?

A.R. deu conta da notícia da maior actualidade. Eu fiquei a pensar nos efeitos que tem para a confiança na justiça um cidadão ter que recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça para ver reconhecido que, em Portugal, em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico.

14.4.14

O difícil convívio da educação com a democratização e o trabalho

A educação conviveu mal com a democratização. São populares, mesmo nas elites sociais, as conceções neoelitistas que associam as estratégias reais de democratização a dois termos fortemente pejorativos: o “eduquês” e o “facilitismo”, para desvalorizar as pedagogias, estigmatizar a inovação no desenvolvimento curricular e na avaliação das aprendizagens.
Portugal geriu mal, também, a relação entre a educação e o trabalho. A evolução tecnológica, as transformações organizacionais e o desenvolvimento da sociedade conhecimento requerem da escola que participe ativamente da socialização para o trabalho de todos e para todos os tipos de trabalho. A boa escola educa para o trabalho, educa pelo trabalho e prepara para a profissão.
O trabalho é uma atividade – de produção de um bem, de prestação de um serviço ou de desempenho de uma função – com utilidade social e valor económico, desempenhado com recursos a uma tecnologia e num contexto organizacional determinado.
Educar para o trabalho é educar todos para os requisitos de um desempenho profissional, nas atitudes, no domínio das tecnologias e na socialização para os contextos organizacionais em que ocorre, o que implica, conhecer hierarquias, colocar-se em relações verticais e horizontais em processos colaborativos.
Educar pelo trabalho é educar todos pela criação de atividades que se finalizem na produção de algo com utilidade social e valor económico. Implica aprender que essa finalização com sucesso, num tempo preciso e com qualidade adequada, é condição de sucesso.
Aprender uma profissão corresponde a obter as competências necessárias ao desempenho de uma atividade específica. Cada um terá que, numa sequência de aprendizagem adequada,  no nível educativo próprio, aprender a sua ou as suas profissões.
A escola democrática devia incorporar essas três dimensões. Mas aquilo que o neoelitismo nos propõe é a redução da relação entre educação e trabalho à aprendizagem de certas profissões e o reforço da relação entre ensino vocacional e percursos de insucesso educativo, apostando agora num ensino vocacional básico e secundário e num ensino superior de curta duração, que propagam a ideia de que aprender uma profissão é destino de quem “não aprende”.

Quem hoje comanda a educação parece não ter aprendido nada com os desafios que o século XX trouxe quer a esta quer ao trabalho.

(contributo para uma tertúlia das Inquietações Pedagógicas, publicado no Jornal de Letras, Artes e Ideias, Março de 2014) 

10.4.14

Joschka Fischer sobre como Putin deve acordar a Europa para os perigos que enfrenta

"For far too long, the West has harbored illusions about Vladimir Putin’s Russia – illusions that have now been shattered on the Crimean peninsula. The West could (and should) have known better: Ever since his first term in office as Russian president, Putin’s strategic objective has been to rebuild Russia’s status as a global power.
(...)
Europeans have reason to be worried, and they now have to face the fact that the EU is not just a common market – a mere economic community – but a global player, a cohesive political unit with shared values and common security interests. Europe’s strategic and normative interests have thus re-emerged with a vengeance; in fact, Putin has managed, almost singlehandedly, to invigorate NATO with a new sense of purpose.
(...)
The EU peace project – the original impetus for European integration – may have worked too well; after more than six decades of success, it had come to be considered hopelessly outdated. Putin has provided a reality check. The question of peace in Europe has returned, and it must be answered by a strong and united EU."

Leia na íntegra: http://www.project-syndicate.org/commentary/joschka-fischer-argues-that-the-eu-is-now-in-a-fundamental-strategic-struggle-with-russia#ytdZaq8YJtFDBA9z.99

30.3.14

Há 40 anos revolucionários e sectários, hoje respeitáveis e frios?

Quando fui com os amigos do CIDAC, onde na altura pertencia ao Grupo de Solidariedade com a América Latina, ao funeral de José Afonso, uma amiga de todos os que por esse colectivo passaram, a nossa Mimi, contou-me, a mim, que era o único que não tinha idade para lá ter estado, de um grande canto livre no Coliseu, pouco antes do 25 de Abril, em que "o Zeca" só estava autorizado pela censura a cantar o "Milho Verde" e a "Grândola Vila Morena".
A sua descrição era fascinante para um antifascista que era criança quando o fascismo morreu. Contou-me emocionada da existência de bufos na sala, do receio de carga policial e de como, mesmo assim, nada afectava a energia revolucionária lá dentro. Disse-me que o público tentava que "o Zeca" cantasse as outras, "aquelas" canções e que ele respondia atacando o refrão do "Milho Verde".
Hoje um amigo fez-me cair no mail a sua versão desse mesmo concerto, muito mais abrangente, pois a Mimi apenas queria nesse dia falar da sua grande perda.
Das duas histórias que assim recebo, retenho quanto o entusiasmo é simultaneamente generoso e cruel. Fico a saber que a Grândola como senha para o 25 de Abril pode ter nascido ali, no mesmo dia em que Ary era vítima de homofobia e Tordo e Paulo de Carvalho quase vistos como colaboracionistas. Como, amigos, depois da Tourada e Depois do Adeus?
A história tem sempre os seus românticos, os seus romances e as coisas que mais tarde os seus protagonistas gostavam que tivesse sido diferente.
Mas, da história da Mimi do GSAL e do relato do LMC não me sobram dúvidas. A ditadura tinha dificuldade em conter aquela gente, podia era estar convencida que eles nada representavam. Comparando mal, é como se hoje alguém enchesse o pavilhão antigamente chamado atlântico para cantar uma alternativa e achássemos que isso nada queria dizer. Mas a Arena Meo só enche para quem não contesta e não é preciso polícia por fora nem por dentro e somos livres. talvez por isso também menos sedentos de alternativas e, ao que me diz quem lá foi, com plena vontade de evocar o que nos resta da energia revolucionária, o concerto celebrando os 40 anos desse original, tenha sido muito mais como a nossa democracia, respeitável e frio.

PS. Irene Pimentel publicou no Jugular o registo histórico desse concerto de 29 de Março de 1974.

23.3.14

In memoriam Adolfo Suarez

Espanha não teve revolução. O ditador sonhou ser sucedido por um rei educado por si e nos seus valores e que o sistema político não fizesse o aggiornamento com o fim-de-século que se aproximava. Franco, felizmente, errou na parte do seu raciocínio que dependia de terceiros. Juan Carlos revelou-se um rei com vontade de conviver com uma democracia plena e Adolfo Suarez construiu-a. 
A história não produz contra-prova, mas, se Marcelo Caetano tivesse a fibra de Adolfo Suarez, Portugal teria chegado à democracia antes de ou pelo menos com o Portugal e o Futuro. É certo que Suarez não tinha pela frente uma guerra colonial tão tragicamente apelativa do imaginário da direita nacionalista. mas seguramente teve a coragem que faltou a Caetano e um rei muito mais capaz de o auxiliar que o Presidente Américo Tomás. 
A revolução não fez mal a Portugal, antes pelo contrário. mas os homens de coragem merecem que se sublinhe o que fazem na história. Adolfo Suarez merece um lugar nesse panteão.

21.3.14

Bauman: " a política não tem poder e o poder não tem controlo político"

"Poder es la capacidad de hacer cosas, política es la capacidad de decidir qué cosas hacer, de elegir. Los gobiernos tienen políticas, programas, pero no el poder para aplicarlos. Antes, los gobiernos tenían el poder y hacían política. Eso ya se acabó porque el poder emigró y es global, pero la política sigue siendo tan local como hace 400 años. La política no tiene poder y el poder no tiene control político. En esa situación, las clases medias cada vez influyen menos, y eso es un peligro mayor para la democracia." (Leia a entrevista de Zygmunt Bauman ao El Tiempo, em castelhano, aqui ou no blogue Sociologos Plebeyos, onde a encontrei.

19.3.14

A "aceitação" da Crimeia na Rússia deve fazer tocar o despertador daEuropa

A Rússia tem interesses e força suficientes para "aceitar" a integração da Crimeia sem que a comunidade internacional possa fazer algo mais do que gestos inconsequentes e dirigidos à opinião pública no curto prazo para o evitar. Sem orejuízo das sanções que se imporão - e que como escreve o think-tank Brueghel - têm que ser vistas também pelo seu impacto nos países que a imporão, há que pensar a resposta a este acto na perspectiva de médio e longo prazo.
Com este conflito por resolver, a integração da Ucrânia na NATO - que já não ocorreu porque os parceiros europeus reconheciam como legítimos os interesses de segurança russos no país - fica definitivamente excluída por muito tempo. 
Mas é a altura de saber se a União Europeia pode ser o embrião de uma nova potência política de nível mundial. A íntegração da Ucrânia na União Europeia é a única forma de impedir que o país volte com maior ou menos conflitualidade para a esfera de influência russa. Mas a União Europeia tal como existe não poderá absorver este país. Como dificilmente poderá incluir a maior parte dos países do sudeste europeu ou a Turquia.
Se a este puzzle acrescentarmos a dificuldade de o Reino Unido conviver com o a profundamente federalista da União, a crise ucraniana pode ser a nossa wake-up call. A Europa de geometria flexível, com um anel alargado de menor exigência de integração que o actual pode ser o único caminho para evitar o regresso à confrontação entre o eixo atlântico e a Rússia com fronteiras a mover-se como placas tectónicas entre o centro e o leste da Europa.
Para preparar a Europa para integrar a Ucrânia, a Turquia, os Balcãs orientais e para não perder o Reino Unido, é necessário preparar uma reforma institucional de sentido oposto às que tivemos nas últimas décadas, que crie uma forma de participação, real e mitigada, de escolha dos países que queiram ser "regiões especiais" da União.
É a hora de pensar a Europa como projecto de paz que transcende a paz entre a França e a Alemanha. Ou, se preferirem, de acolher uma segunda geração de país fundadores. desde que surjam os protagonistas com essa visão. Ou, senão, não teremos resposta para os movimentos da placatectónica  geopolítica que atravessa de sul para Norte o eixo mar negro-Báltico.


15.3.14

Até o beijo no cinema Thomas Edison inventou

Não é seguramente o mais cinemático beijo da história do cinema, nem os seus protagonistas brilhariam pelos padrões estéticos contemporâneos, mas este é o primeiro beijo da história do cinema, filmado em 1896. Até o beijo holliwoodesco Thomas Edison criou.

14.3.14

O Corpo Expedicionário Português na 1ª Guerra Mundial: uma refeição quente nas trincheiras

O corpo expedicionário português levou consigo um fotógrafo, Arnaldo Garcez. Carlos Silveira escreve que os arquivos das forças armadas portuguesas têm mais de 2000 fotografias desse pioneiro da fotografia de guerra. Mas essas imagens não estão, ou eu não as consegui ver, online e disponíveis no contributo português para a Europeana 1914-1918, o que, se não é erro meu, é de lamentar. Nesta exposição virtual há, contudo, fotografias do Corpo Expedicionário Português, da autoria de John Warwick Brooke, fotógrafo militar inglês. Esta, retratando uma refeição nas trincheiras, é uma das que estão online e integram a colecção dos Museus de Guerra britânicos.


THE PORTUGUESE EXPEDITIONARY CORPS ON THE WESTERN FRONT, 1917-1918
 
THE PORTUGUESE EXPEDITIONARY CORPS ON THE WESTERN FRONT, 1917-1918© IWM (Q 5566)
Pas-de-Calais, 25 de Junho de 1917
Fotografia de John Warwick Brooke
Colecção: Imperial war Museums, via Europeana 1914-1918


13.3.14

7 razões para apoiar o Manifesto dos 70

1. A nossa dívida cresceu de forma descontrolada por causa da crise económica internacional e da incapacidade de resposta adequada à nova situação por parte da Europa em geral e da zona Euro em particular, com especiais responsabilidades da parte do governo alemão na gestão errada do processo.

2. A estratégia assente na austeridade está a criar dificuldades adicionais ao país e não a contribuir para a resolução dos seus problemas. Não apenas depende de tornar permanentes medidas que se anunciaram como transitórias como exigirá recorrentemente medidas mais restritivas e asfixiará o investimento público e privado, retirando oxigénio à economia no presente e potencial ao seu crescimento no futuro. Mais, degradará os serviços públicos, já em risco progressivo de paralisia e baixará persistentemente o nível de vida dos portugueses em geral e da classes médias em particular, ao mesmo tempo que aumenta a precariedade social de diversos estratos sociais vulneráveis à acção ou omissão de acção por parte do Estado.

3. Os problemas estruturais do país não se resolvem sem uma nova estratégia económica e sem a canalização de recursos para um novo perfil de investimento, que mude os factores em que somos internacionalmente competitivos. Essa canalização de recursos é impossível se o Estado estiver duradouramente em contenção e o crédito for persistentemente escasso e caro. Voltar a investir é uma prioridade urgente para Portugal.

4. Não haverá recursos para alimentar um novo ciclo de investimento sem abaixamento dos juros, prolongamento dos prazos de amortização da dívida e todas as outras medidas que sejam necessárias para a redução do esforço nacional com encargos da dívida a um patamar comportável e sustentável no médio prazo.

5. As medidas a tomar para a gestão da dívida devem ser coordenadas no espaço europeu e entre países da zona Euro. É neste espaço que deve ser encontrado o mecanismo institucional de gestão do risco da dívida pública. E é urgente que sejam adoptados os mecanismos adequados ao bom funcionamento, em todas as suas dimensões, vários dos quais continuam a faltar, a ser insuficientes ou a estar mal orientados.

6. Entre esses mecanismos avulta a necessidade de adoptar um processo especial de restruturação das dívidas públicas dos países do Euro que se encontraram sobreendividados pela conjugação da crise económica internacional com a resposta europeia a ela e cuja margem de acção em matéria de política económica está circunscrita pela pertença ao Euro.

7. Não é cedo para gritar que o rei vai nu, conceber estratégias alternativas e lutar para que sejam adoptadas. A dimensão do processo institucional a desencadear implicará tempo de efectivação e discussão transparente. As tentativas europeias de gerir a crise pelo silêncio, pela calada da noite e ao fim-de-semana, para evitar os mercados e as opiniões públicas, trouxe-nos aqui. Não é credível que os mercados não saibam já que as dívidas têm que ser reestruturadas. E parece racional que considerem que a criação de um clima europeu para a sua reestruturação ordenada e no quadro institucional da União Económica e Monetária dá mais garantias de mitigação de riscos do que a entrega à agonia dos países atingidos pela crise internacional e a incapacidade de resposta adequada europeia.

11.3.14

Um manifesto mais moderado do que parecia

Li no Expresso online o manifesto das 70 personalidades. Pareceu-me muito mais moderado do que as primeiras notícias sugeriam, situado no quadro das opções possíveis para o Euro sem rupturas institucionais, nem sequer abertamente desafiador do Tratado Orçamental, em linha com reflexões em curso no "bloco central" realista e na tecnocracia europeia. Fiquei a perguntar-me porque o hostilizará Pedro Passos Coelho e dele se distanciará a direcção do PS. Há sempre aquela dúvida aborrecida: terão os que se distanciam e alguns dos que o assinam lido o manifesto ou apenas reagido por instinto a um posicionamento simbólico? 

A maioria pode ser um estado de espírito

File:La majorite.jpg
La majorité, c'est vous. Vous voulez. Vous choisirez, fotografia de René Maltête, 1960


Bem sei que a evocação desta fotografia conduzirá muitos para a leitura imediata da relação entre os eleitorados e a política. E é tão fácil que assim seja, no actual momento do país, em que uma parte de nós se sente entre o abandonado e o agredido por um poder legitimamente criado pela maioria eleitoral que o criou.
Mas a reflexão que gostaria de partilhar transcende essa primeira leitura. Estar na maioria é sempre o gesto mais fácil. Aquele que parece óbvio e é seguramente mais confortável. É fazer parte de uma dinâmica que parece fútil contrariar.
Nos mais diversos ambientes, das microrelações sociais aos macropoderes, a "maria vai com as outras" ajuda-nos a reduzir a nossa liberdade por omissão da solidão, da responsabilidade, do risco, da escolha. De facto, todos escolhemos. E escolhermos a maioria não é mais nem menos que uma escolha. Não é um gesto natural, ao contrário do que pressinto que cada vez mais entre nós, se julga. A maioria pode ser um estado de espírito.


5.3.14

Quando a sátira é a tipificação. De Washington a Lisboa.

Sempre que me esqueço que há (muitas?) situações na política que são tipificadas e não satirizadas quando descritas como o fez Gore Vidal em Washington D.C ou o faz, por estes dias, a série de TV House of Cards, acontece algo que me traz de volta à terra. Desta vez foi esta observação de Valupi

                                                           

4.3.14

Cristalina como água, diz desta lei um amigo

Caiu-me no mail a Lei No 23/2013, enviada pelo LMC. Não resisto. E se caírem sob a alçada da dita, não invoquem desconhecimento, que ele prontificou-se a ajudar os amigos a interpretá-la e tem um coração do tamanho do mundo. Segue reprodução da mensagem original.



Para conhecimento de todos os meus amigos, dou-vos cópia apenas doArtigo 1º da Lei nº 23/2013, de 5 de Marçopois sem esse conhecimentopoderemos todos vir a sofrer num futuro próximo.
Estou pronto a colaborar convosco se  alguma dúvida surgir na interpretação desta Lei, apesar da mesma ser cristalina como água.

«A presente lei aprova o regime jurídico do processo de inventário, altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, e alterado pelos Decretos -Leis n.os 67/75, de 19 de fevereiro, 201/75, de 15 de abril, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20 de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200 -C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de setembro, pelos Decretos -Leis n.os 381 -B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º 24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 321 -B/90, de 15 de outubro, 257/91, de18 de julho, 423/91, de 30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de julho, pela Lei n.º 84/95, de31 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 329 -A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6 de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto -Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pelas Leis n.os 59/99, de 30 de junho, e 16/2001, de 22 de junho, pelos Decretos--Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 199/2003, de 10 de setembro, e 59/2004, de 19 de março, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo Decreto -Lei n.º 263 -A/2007, de 23 de julho, pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pelas Leis n.os 61/2008, de 31 de outubro, e 14/2009, de 1 de abril, pelo Decreto -Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, e pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de11 de setembro, 9/2010, de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, de 14 de agosto, o Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 224/84, de 6 de julho, e alterado pelos Decretos -Leis n.os 355/85, de 2 de setembro, 60/90, de 14 de fevereiro, 80/92, de 7 de maio, 30/93, de 12 de fevereiro, 255/93, de 15 de julho, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, 67/96, de 31 de maio, 375 -A/99, de 20 de setembro, 533/99, de 11 de dezembro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de8 de março, e 194/2003, de 23 de agosto, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 263 -A/2007, de 23 de julho, 34/2008, de 26 de fevereiro, 116/2008, de 4 de julho, e 122/2009, de 21 de maio, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, e pelos Decretos -Leis n.os 185/2009, de 12 de agosto, e 209/2012, de 19 de setembro, o Código do Registo Civil, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 131/95, de 6 de junho, com as alterações introduzidas pelos Decretos--Leis n.os 36/97, de 31 de janeiro, 120/98, de 8 de maio, 375 -A/99, de 20 de setembro, 228/2001, de 20 de agosto, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, 113/2002, de 20 de abril, 194/2003, de 23 de agosto, e 53/2004, de 18 de março, pela Lei n.º 29/2007, de 2 de agosto, pelo Decreto -Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, pelos Decretos -Leis n.os 247 -B/2008, de 30 de dezembro, e 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, e 7/2011, de 15 de março, e pelo Decreto -Lei n.º 209/2012, de 19 de setembro, e o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, e alterado pelo Decreto -Lei n.º 47 690, de 11 de maio de 1967, pela Lei n.º 2140, de 14 de março de 1969, pelo Decreto -Lei n.º 323/70, de 11 de julho, pelas Portarias n.os 642/73, de 27 de setembro, e 439/74, de 10 de julho, pelos Decretos -Leis n.os 261/75, de 27 de maio, 165/76, de 1 de março, 201/76, de 19 de março, 366/76, de 15 de maio, 605/76, de 24 de julho, 738/76, de 16 de outubro, 368/77, de 3 de setembro, e 533/77, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 21/78, de 3 de maio, pelos Decretos -Leis n.os 513 -X/79, de 27 de dezembro, 207/80, de 1 de julho, 457/80, de 10 de outubro, 224/82, de 8 de junho, e 400/82, de 23 de setembro, pela Lei n.º 3/83, de 26 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 128/83, de 12 de março, 242/85, de 9 de julho, 381 -A/85, de 28 de setembro, e 177/86, de 2 de julho, pela Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, pelos Decretos -Leis n.os 92/88, de 17 de março, 321 -B/90, de 15 de outubro, 211/91, de14 de junho, 132/93, de 23 de abril, 227/94, de 8 de setembro, 39/95, de 15 de fevereiro, e 329 -A/95, de 12 de dezembro, pela Lei n.º 6/96, de 29 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 180/96, de 25 de setembro, 125/98, de 12 de maio, 269/98, de 1 de setembro, e 315/98, de 20 de outubro, pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, pelos Decretos -Leis n.os 375 -A/99, de 20 de setembro, e 183/2000, de 10 de agosto, pela Lei n.º 30 -D/2000, de 20 de dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, e 323/2001, de 17 de dezembro, pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, pelos Decretos -Leis n.os 38/2003, de 8 de março, 199/2003, de10 de setembro, 324/2003, de 27 de dezembro, e 53/2004, de 18 de março, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelo Decreto -Lei n.º 76 -A/2006, de 29 de março, pelas Leis n.os 14/2006, de 26 de abril, e 53 -A/2006, de 29 de dezembro, pelos Decretos -Leis n.os 8/2007, de 17 de janeiro, 303/2007, de 24 de agosto, 34/2008, de 26 de fevereiro, e 116/2008, de 4 de julho, pelas Leis n.os 52/2008, de 28 de agosto, e 61/2008, de 31 de outubro, pelo Decreto -Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, pelos Decretos -Leis n.os 35/2010, de 15 de abril, e 52/2011, de 13 de abril, e pelas Leis n.os 63/2011, de 14 de dezembro, 31/2012, de 14 de agosto, e 60/2012, de 9 de Novembro».