24.3.11

O pecado capital dos intelectuais

António Barreto tem uma dimensão intelectual e um passado político que o devia preservar da febre momentânea e da cegueira. Dizer que os socialistas gostam de bater nos fracos, nos frágeis não é apenas uma mentira histórica, que a análise das grandes etapas da formação do Estado social desmentem, é uma cedência à tentação de dizer o que os amigos querem ouvir, que é o pecado capital dos intelectuais. Tenho pena de ver um homem com a sua dimensão redzido a algo entre intelectual orgânico do PSD e empregado de um grande grupo económico que não gosta de Sócrates. Não havia necessidade e ele merece melhor estatuto do que estas frases banais, infelizes e falsas.

15.3.11

Um pilar do sindicalismo vai a votos com dois candidatos socialistas

Acabo de saber que os bancários se preparam para ir a votos com dois candidatos à liderança saídos das fileiras dos sindicalistas socialistas.
O sindicalismo no sector bancário não é apenas um pilar da UGT, é também seguramente o que tem 
maior representatividade na economia privada. Até porque hoje a CGTP é cada vez mais uma central de funcionários públicos (o STAL é o seu maior contribuinte). 
O futuro do sindicalismo bancário pode bem ser um teste ao futuro do sindicalismo como organização de trabalhadores do sector privado da economia. Vale a pena ter atenção ao que se vai passar.

10.3.11

Contra o populismo, com Pacheco Pereira, o próprio.

O Correio da Manhã vem de há uns tempos editando uma página saída da mais genuína pulsão populista, a pretexto do enriquecimento ilícito.
Tenho visto com pena pessoas que quero acreditar que estão bem intencionadas, algumas com vasto currículo na defesa dos direitos humanos juntar-se a esta pugna por uma investigação criminal atentatória de direitos fundamentais, que parte da presunção de culpa e da negação do direito à não auto-incriminação. Uma delas, para meu desgosto, é a minha amiga Ana Gomes , que não quer ver que também nesta causa os fins não justificam os meios, ela que tão genuína e corajosamente o viu e combateu noutras matérias.
Nesta questão tenho que dar razão a alguém de que discordo muitas vezes, mas que aqui pensa intransigentemente contra o populismo e a demagogia: José Pacheco Pereira. (obrigado, Câmara Corporativa, por ter dado conta do texto).
Como sempre acontece, esta iniciativa populista manipula um problema real. Também eu acredito acredito que o enriquecimento ilícito deve ser combatido eficazmente, também eu o acho inaceitável e também eu quero  que Portugal se livre da corrupção. Mas o combate ao crime, no estado de direito, faz-se com os meios aceites de respeito pela dignidade humana e pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Se não aceito que se prenda em Guantanamo um terrorista sem provas, também não posso aceitar que se prenda em Portugal alguém apenas porque não justifica a origem do seu património, ou seja, sem provas.
Há, contudo, como eu próprio e José Vera Jardim defendemos numa declaração de voto na Assembleia, instrumentos de controlo do património e fiscais que podem ser muito melhorados.
Há, também, mecanismos eficazes no direito fiscal que podem ser convocados e são menos perigosos que os do direito penal. Se alguém não pode ou não quer provar a origem de um bem, cobre-se uma elevadíssima taxa de imposto, no limite, confisque-se. Mas, por essa pessoa não justificar a origem desse bem, não pode ser preso sem provas. Acho auto-evidente que a propriedade deve ter garantias menos rígidas do que a liberdade.

Bethânia recita o cântico negro de Régio. (É tempo de cada um saber por onde não vai).

As palavras do Presidente da ditosa pátria, nossa amada

No discurso de posse, Cavaco Silva definiu pelo uso que deu às palavras a sua visão do mandato que aqui inicia. Disse 56 vezes Portug(al/ueses), 41 vezes econ(omia/económico), 30 vezes soci(edade/al), 19 vezes empres(arial,ário), 18 vezes invest(imento,ir), polític(a,o,as,os) e jov(em, ens).
No tinteiro ficaram a a Europ(a, União Europeia, etc), dita 5 vezes, a crise (4 vezes), e o trab(alho, trabalhador), também com 4 referências, uma apenas com toda a palavra “trabalhador”.
Ou seja, há Portugal, os seus problemas económicos, os empresários, os jovens de circunstância e a necessidade de investir. Mas crise mundial, qual quê? Responsabilidades europeias partilhadas? Problemas da zona Euro? Cavaco falou como se nada se passasse fora das fronteiras da paróquia. 
Sobre cooperação entre órgãos de soberania foi muito claro o seu avaro silêncio. Proferiu 9 vezes a Palavra “assembleia”, 6 das quais para se dirigir protocolarmente ao seu Presidente nos intervalos entre parágrafos dos discursos em que se costuma beberricar goles de água ou esperar que os aplausos terminem. Parlam(ento,entar) foram palavas banidas. Mesmo assim os ditos parlamentares aplaudiram, alguns de pé.

O Primeiro-Minsitro teve direito ao primeiro cumprimento da tarde e à não menos protocolar referência ao dever de cooperação, nem mais nem menos. Cavaco ainda disse 7 vezes “gov”, 1 das quais para cumprimentar os membros do governo, outra para referir elogiosamente o Governador do banco de Portugal e outra ainda para acusar os políticos de os jovens não se reverem na política. Cereja em cima do bolo: referências ao “exec”(utivo, poder executivo), tantas como ao parlamento.
Sobre poder judicial, nada. Em rigor, uma referência à morosidade da jsutiça e outra à sua importância económica, mas como se não soubesse o b-a-ba dos órgãos de soberania da República e a existência de um deles chamado tribunais. Sobre as forças armadas, de que é comandante supremo, silêncio total, como se compreende, porque os submarinos são alheios ao défice e à dívida pública. Pouco importa que haja militares no estrangeiro em missões difíceis para a festa da posse do Professor.
Cavaco esteve demasiado ocupado no seu último de muitos discursos de posse de cargos políticos a insuflar um conveniente conflito geracional que nada tem que ver com o fim de semana que se avizinha para perder tempo com ninharias institucionais, questões de soberania ou a evolução do mundo em que nos movemos.
Assim falou o Presidente da ditosa pátria, nossa amada.

PS. O primeiro Presidente da República eleito depois do centenário da dita, não teve na sua posse uma palavra para a sua implantação. Valha-nos Deus que também não louvou a monarquia!

9.3.11

Se houvesse uma internacional oportunista, o PSD teria lugar de destaque

O Helder Ribeiro acha que esta frase de Paulo Rangel credibiliza a sua tese de que o PSD poderia fazer parte da Internacional Socialista, tese que, em diálogo no twitter, considerei um excesso descredibilizador.
Mas a comparação do delírio planificador de Rangel em matéria de postos de gasolina com os discursos sobre trabalho, educação ou saúde, ou ainda os flic-flacs sobre funcionários públicos e professores apenas assinalam que o PSD cabia numa internacional diferente em cada dia da semana. Terá, portanto, até os seus dias comunistas, que talvez tenham sido a inspiração da grande coligação PSD-CDS-PCP proposta por Bagão Félix, treinador político da mesma extracção socialista de Paulo Rangel.
Este PSD parece cada vez mais ter lugar assegurado numa internacional por nascer. Se houvesse uma internacional oportunista, teria lá lugar de destaque. Mas devia ter aprendido com o ciclo político da tanga que esse é um caminho de desgaste rápido. Pode dar uns golos espectaculares agora, mas quem joga assim acaba como os joelhos do Mantorras.

8.3.11

Crise da dívida na Europa: afinal quem foram os (ir)responsáveis?

Até aqui tem-se visto na chamada crise das dívidas soberanas o resultado de três irresponsabilidades da periferia europeia: os governos endividaram-se demais para financiarem os seus défices; os particulares consumiram demais e pediram demasiado dinheiro aos bancos; os bancos, para surfarem esta onda de irresponsabilidade, endividaram-se excessivamente nos mercados interbancários.
Felizmente aumenta o número dos que recordam que, sem prejuízo destes fenómenos terem existido, eles só foram possíveis porque havia bancos do centro da Europa a escoar liquidez para a periferia, lucrando sem sobreaquecer as suas economias de origem, alimentando as borbulhas imobiliárias, as pressões inflacionistas e, consequentemente, a perda de competitividade interna da periferia em relação ao centro da Europa. Tivessem esses bancos emprestado responsavelmente fora, lucrado menos ou produzido esse crédito irresponsável em casa  e os preços relativos teriam subido aí, não perdendo a periferia tanta competitividade como perdeu.
Ou seja, enquanto os particulares, os bancos e os Estados europeus periféricos absorveram liquidez da banca, por exemplo alemã, a Alemanha ganhou competitividade por ver desvalorizado o preço relativo dos seus produtos e a banca alemã obteve lucros especulativos desse crédito fácil. O Banco Central Europeu fechou os olhos a esses excessos do crédito e tudo esteve bem. Hoje, a Alemanha é mais competitiva no mercado interno e os seus bancos podem até beneficiar das altas taxas de juro das dívidas soberanas, neste novo ciclo.
Dir-me-ão que os governos da periferia falharam e não o nego. Mas falharam igualmente os do centro que fecharam os olhos e lucraram com a situação e as instituições europeias que nada fizeram pelo bem comum da Europa.
John Bruton, homem da direita europeia, ex-Primeiro-Ministro irlandês e ex-embaixador da UE nos EUA recorda que o sistema bancário europeu tem hoje um volume igual a três vezes e meia o PIB europeu enquanto o americano se queda pelos 80% do PIB e que isto não teria acontecido com uma supervisão bancária eficaz.
 Na periferia da Europa está-se, tal como aconteceu às famílias mais pobres dos EUA, a custear a irresponsabilidade bancária, os erros de supervisão e a falta de governo bancário europeu. Se esses empréstimos "predatórios" da banca inglesa, alemã, belga e francesa não tivessem ocorrido, o centro da Europa não teria lucrado tanto e os cidadãos da periferia não teriam que pagar agora os efeitos das irresponsabilidades partilhadas por cidadãos, governos e bancos de toda a Europa.
Na hora de assumir responsabilidades e pagar os custos, a Alemanha pode querer fazer de conta que nada tem que ver com isso, ou que as medidas a tomar têm que ver com a atribuição de sacrifícios acrescidos aos povos mais pobres da Europa.
Os países periféricos podem não ter alternativa à submissão ao diktat alemão, mas, se soubermos fazer força das nossas fraquezas, também temos que exigir a quem permitiu aos bancos alemães tais lucros predatórios e a quem beneficiou deste desequilíbrio  que assuma a sua quota parte de responsabilidade e a sua parte na conta da resolução dos problemas. A menos que, a Europa tal como os EUA de Bush, seja afinal escrava da irresponsabilidade da banca, protegida pelo poder central disfarçado de desregulação.
Se assim for, só nos resta esperar anos de privações, enquanto os alemães gozam os lucros da irresponsabilidade que foi também sua.

1.3.11

Desculpa de mau promulgador

A Constituição obrigou Cavaco Silva a promulgar o diploma sobre "o procedimento da mudança de sexo e de nome póprio", ainda que contrariado. Mas de quem deve queixar-se o Presidente? Da maioria absoluta de deputados que confirmou a lei em que se revê ou da minoria que nem quando a espicaçou com o seu veto fez um gesto para mostrar como se poderiam suprir as "graves deficiências de natureza técnico-jurídica" que invoca?
A direita parlamentar, não tendo apresentado numhuma proposta que consubstanciasse uma resposta ao apelo do primeiro veto, fez com que fosse a Assembleia toda a deixar o Presidente a falar sózinho. Os deputados bem sabiam que a discussão é ideológica e que a argumentação tecnico-jurídica é uma desculpa de mau promulgador.