31.5.14

Não se "meio-refresca" uma legitimidade

O pior que podia acontecer hoje ao PS era uma solução confusa para o seu problema de liderança. Seguro, ao anunciar que convoca primárias para Primeiro-Ministro e até se prontificar a rever estatutos para isso, reconheceu que a necessidade de relegitimar a liderança da oposição é real. As tentativas de dizer "o Partido sou eu" nestas circunstâncias são patéticas e  prejudicam o Partido sem sequer salvar a liderança ameaçada.
Se a crise narcísica do líder ameaçado não for contrariada plea força do PS como instituição; se ninguém convencer Seguro de que se colocou num beco sem saída ao não deixar por em causa que é lider enquanto se pōe em causa que sirva para governar o país, preparem-se para a primeira grande recomposição do sistema partidário desde o pacto MFA-partidos.
Todos sabemos que é impossível Costa ser candidato a Primeiro-Ministro e Seguro lider do PS ao mesmo tempo. Com ou contra o líder actual do PS, as duas questões resumem-se hoje à mesma e Seguro, assim, ou ganha ou sai desnecessariamente, humilhado.

28.5.14

Amigos do PS, será alguma vez oportuno defrontar Seguro?

Há um ano a maioria dos meus amigos socialistas achava que a eventual candidatura de António Costa a Secretário-Geral contra António José Seguro em ano de eleições autárquicas era "inoportuna" e "dividia" o partido num momento em que era fundamental mantê-lo "unido".
Parece que agora, que já passaram as últimas eleições antes das legislativas, é outra vez, para alguns desses amigos, "inoportuno" e causador de "divisão" que haja eleição  para Secretário-geral.
António José Seguro faz mal em não convocar Congresso Extraordinário entrincheirando-se no poder interno quando o PS precisa de ser arrojado para conquistar o país. 
Os que convenceram Costa a retirar-se em nome da "unidade" há um ano nem uniram nem reforçaram o PS na sociedade portuguesa.  Se o PS escolher fugir de novo ao debate interno não chegará a eleições mais credível nem mais forte do que agora. 
Seguro pode não arriscar a reconfirmação do seu poder interno, mas ao fazê-lo estará a alimentar a fragmentação do sistema partidário português que já está em movimento. E esse será o erro histórico que ficará para sempre ligado à sua liderança do PS.


26.5.14

Os portugueses quiseram abanar o sistema político. Vamos a ver se isso foi entendido.

Escrevi aqui o que  teria acontecido no Domingo se os resultados eleitorais acertassem nas sondagens, com aquela ponta de cepticismo de quem sabe que em eleições europeias as sondagens acertam relativamente pouco nos resultados. Agora, que já sabemos os resultados, podemos concentrar-nos na parte do que aconteceu que as sondagens não previam. Ou seja:

1. Os partidos ditos do arco da governabilidade (PS, PSD e CDS) tiveram em conjunto um péssimo resultado, que obriga a reequacionar as condições de governabilidade do país e abre a porta à fragmentação do sistema político. Se a lógica de resultados de domingo se transferisse para legislativas, PS, PSD e CDS, por exemplo, não teriam poder para fazer uma revisão constitucional sem um outro aliado, que poderia ter que ser Marinho Pinto, fazendo desse aliado o novo guardião da adaptação do regime a novos circunstancialismos.

2. A crise do sistema político que se veio juntar à crise económica e social e que varreu a Europa não provocou nenhum sismo em Portugal, mas gerou ventos fortes, criando duas novas forças políticas, ainda que ambas atravessadas por sérios problemas por resolver. Como irá Marinho Pinto gerir a sua entrada na política pela via da mais desprestigiada das instituições parlamentares e da mais conotada com a inutilidade dos políticos contra a qual fez discurso? Como irá o MPT gerir a sua transformação de partido ecologista em barriga de aluger de um Marinho Pinto tão nutrido de votos? Como irá o Livre digerir a sua derrota, ainda que dando-lhe a possibilidade de aspirar a eleger deputados nas eleições legislativas? Caminhará para o desaparecimento e reabsorção (como aconteceu recentemente com o MEP) ou encontrará um discurso que lhe permita solidificar-se e crescer?

3. O PSD e o CDS parecem estar a caminho de uma derrota anunciada que os apeará pelo menos da liderança do país. Mas é patético que o PS pense que pode, a partir desta base e neste contexto, fazer uma campanha assente na reivindicação de uma maioria absoluta para a qual os portugueses definitivamente o não quiseram lançar. Que plataforma oferecerá agora o PS aos portugueses? O discurso moderado que todos percebem que antecipa o Bloco Central? A tentativa de um governo solitário e fraco? A ultrapassagem do Rubicão que implicaria uma parceria táctica com o PCP? A reabsorção amigável ou hostil de Marinho Pinto? (O Livre, para já, não tem força para ser variável significativa nesta questão).

4. Na minha leitura,  os portugueses rejeitaram no domingo não apenas o PSD e o CDS mas também o governo de bloco central que seafigura ainda o cenário mais provável (que não o que eu desejo) para manter o país governável. Pode agora defender-se "outro" bloco central, mais alargado, como aquele movimento que uniu Bagão Félix, Ferreira Leite e João Cravinho no manifesto pela restruturação da dívida. Ou pode ignorar-se que o PS perdeu no domingo o referendo ao seu rumo táctico na gestão da crise e seguir em frente.

5. Se o PS mantiver o rumo, parece-me que nasceu no domingo para Marinho Pinto e o Livre a oportunidade para se afirmarem que o PCP e o BE desperdiçaram na gestão da crise, atirando o país para os braços de Passos Coelho. Basta-lhes afirmar-se europeístas, mas contra a terapia da troika e o Pacto Orçamental e posicionarem-se para querer ajudar um governo liderado pelo PS, mas contra o bloco central e os vícios aparelhistas do partido que o conduziram a este imbatível poder interno sem força exterior. Ou não foi isto que os portugueses disseram no domingo aos actores fundamentais do seu sistema político?

23.5.14

A Rua Sésamo e as políticas publicas

Os apóstolos do mercado gostam de dizer que a intervenção do Estado na cultura é desnecessária, mesmo perniciosa, e se deve deixar todo o espaço à livre iniciativa. Quando a Rua Sésamo atingiu 44 anos de emissão, vale a pena lembrar-lhes que é filha de um programa de acção pública para a igualdade de oportunidades, de uma iniciativa pública das muitas daquele que foi talvez o último Presidente americano que abraçou grandes causas sociais e atacou a sério o problema da desigualdade, Lyndon B. Johnson.  Este artigo do Washington Post conta a história e relembra com alguns vídeos os momentos marcantes da série.

22.5.14

Se os resultados de Domingo acertarem nas sondagens

Se os resultados de domingo acertarem nas sondagens divulgadas teremos que:

1. Os portugueses não terão votado com os pés, abstendo-se a um nível histórico. Pelo contrário, poderão até abster-se menos do que nas ultimas eleições europeias. O que dirá que a crise mobiliza pelo menos alguns segmentos eleitorais.

2. O sistema político português terá mostrado grande resiliência, com os partidos "do sistema" a trocarem votos entre si mas sem transferências massivas para os partidos de protesto, populistas ou representativos de novas clivagens políticas.

3. A coligação governamental terá resistido melhor a esta crise do que o governo PSD-CDS resistiu nas eleições europeias de 2004, em que a lista do PS liderada pelo falecido em campanha Sousa Franco atingiu uma percentagem de votos que antecipava a maioria absoluta nas legislativas que o PS veio a atingir um ano depois.

4. Miguel Portas receberá no além a notícia de que a sua pessoa fazia a diferença, ou pelo menos, de que a estratégia do BE na gestão da crise europeia e seu impacto em Portugal foi tão desastrosa que o partido começa a arriscar voltar aos níveis eleitorais de PSR+UDP.

5. O povo terá demonstrado que a esquerda à esquerda do PS em Portugal é soberanista, anti-UE, etc, etc, fazendo do PCP de novo a grande força desse espaço político e dizendo, portanto, que a governabilidade do país pela esquerda continua bloqueada.

6. O Livre e Marinho Pinto ter-se-ão juntado à longa lista de pessoas e forças que apostam lançar-se em eleições europeias e perdem a aposta. Uma lista que já inclui gente tão diversa como Miguel Esteves Cardoso, o MEP e Laurinda Alves e até a primeira candidatura de Miguel Portas. Ficaremos na dúvida se o Livre será o novo MEP, nascido para morrer, ou encontrará no futuro o espaço que os portugueses lhe terão negado agora.

Ou seja, se os resultados de domingo acertarem nas sondagens, estas eleições dirão que a situação política em Portugal é estável, a crise não criou nenhum extremismo nem sequer nenhum factor político novo de relevo. Seguro nem se levantou nem caiu, Passos Coelho não foi esmagado e o país terá que escolher daqui a um ano entre Seguro e Coelho-Portas (ou juntar os três). Mas, claro, os resultados de domingo podem não acertar nas sondagens e pode ser que não fique tudo como dantes.

20.5.14

Entre 2008 e 2013 a factura da austeridade em Portugal foi passada de modo desproporcional aos mais pobres

Entre 2008 e 2013, a variação dos impostos e das transferências sociais (a tax-benefit policy) em Portugal fez, só por si, com que o rendimento disponível das famílias descesse 7%.
 O estudo que apurou estes dados cobriu 15 países da UE (Alemanha, Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Itália, Letónia, Lituânia, Portugal, Roménia e reino Unido).
A redução induzida pelo binómio impostos-transferências sociais em Portugal foi a terceira maior dos países abrangidos, a seguir à Irlanda e à Grécia, que tiveram reduções de 16% e 14%.
A repartição dos sacrifícios em Portugal (e Espanha), ao contrário da generalidade dos países, incidiu mais pesadamente sobre os 10% mais pobres do que sobre os grupos de rendimentos mais elevados. Isto é, se as perdas de rendimento são progressivas a partir do terceiro decil - quem mais tem, perde parte maior do rendimento disponível - não é assim para o 1º decil - os 10% mais pobres do país - que perderam uma percentagem maior do seu rendimento disponível que os outros grupos de rendimento.
Portugal teve perante a crise uma combinação de política fiscal e social que reduziu o rendimento disponível das famílias mais intensamente que em boa parte dos outros países optou por penalizar os mais pobres mais severamente que as classes médias e mesmo os grupos de rendimentos elevados.
É verdade que não estamos sozinhos. O gráfico abaixo demonstra uma tendência para penalizar os 10% mais pobres que atravessa a Europa.
O Estado passou a factura da austeridade aos mais pobres de modo desproporcional aos seus rendimentos. No nosso caso, o país, que já era muito desigual, vai voltar a precisar de olhar para os 10% que os governos castigaram a pretexto da crise económica internacional.




Os dados citados e o gráfico reproduzido provêm do seguinte estudo, publicado no início de Maio de 2014:
Agostini, Paola De, Alari Paulus, Holly Sutherland, and Iva Tasseva. 2014. The Effect of Tax-Benefit Changes on the Income Distribution in EU Countries since the Beginning of the Economic Crisis. Retrieved (https://www.iser.essex.ac.uk/publications/working-papers/euromod/em9-14.pdf).

14.5.14

O que falhou, Engº Moedas? A confiança na maioria que o elegeu.

“Não sou sociólogo, não consigo dizer exactamente o que é que falhou”(Carlos Moedas, ontem na SIC, segundo uma fonte fidedigna) 

 Bom, eu sou sociólogo. E acho que posso dizer que o que falhou foi principalmente a política económica,a qual a sociologia só explica enquanto ciência que explica os comportamentos dos actores sociais. E uma das linhas fortes da explicação sociológica é que o que as pessoas pensam sobre a realidade faz parte dela. Ora, Carlos Moedas faz parte de um conjunto de pessoas que pensam que Portugal devia aderir definitivamente ao modelo social liberal e que a crise é uma excelente oportunidade para fazer avançar o seu programa. Para as pessoas que pensam assim nada falhou a não ser pelo facto de que ainda se está a progredir no seu caminho. Queriam destruir o que pudessem na regulação do mercado de trabalho, agir para a descredibilização da protecção social pública, ir em direcção à redução do papel do Estado na Educação e na Saúde. Procuraram focalizar-se na redução das políticas sociais e nas privatizações, no aumento de impostos que incidem essencialmente sobre rendimentos do trabalho, consumo e pensões, sem restruturar monopólios e rendas, sem atacar privilégios e poderes avassaladores de mercado, suportando o sector bancário até ao limite das suas possibilidades com muito mais recursos do que os que cortaram noutras funções do Estado. Para eles há sectores demasiado importantes para que falhem e sectores demasiado irrelevantes para que funcionem. 
Para quem tenha dúvidas de que o aumento da TSU é um marco no caminho fica apenas a pergunta de qual é a racionalidade de descer a contribuição dos empregadores aumentando a dos trabalhadores. É simples, parte do diagnóstico de que os salários líquidos são demasiado altos e os lucros demasiado baixos em Portugal. Será Portugal um país em que a parte do capital no rendimento é baixa? Parece que não. 
Como as convicções de Carlos Moedas fazem parte do agravamento do problema português, o que falhou, sociologicamente, é que o povo elegeu quem tinha estas ideias para gerir o país em tempo de crise, quando parecia - o povo - ter ideias opostas sobre qual o caminho a seguir. Bem,em rigor, nem isso falhou. Na verdade, o que o grupo a Carlos Moedas andou a fazer foi a dissimular mentiras em truques de prestidigitação, como o da culpa de Sócrates pela crise mundial. Ou seja, o que falhou? Em última instância, a confiança eleitoral num grupo de gente que pretendia fazer o contrário que dizia. E, antes disso, a coligação informal que permitiu que se gerassem as condições para que essa confiança eleitoral chegasse a existir. A história apurará que parte nessa falha teve cada um dos grandes protagonistas desta crise. Por mim, acho que poderá ter alguns resultados surpreendentes face à percepção contemporânea dos acontecimentos. 
Se não estou errado, aproxima-se o momento em que Moedas irá poder reflectir em paz sobre o que falhou. É, contudo, necessário que seja substituido por quem tenha terapia alternativa e não apenas crítica desta terapia.

13.5.14

A minha narrativa sobre a crise

Escrevi aqui em tempos que também tinha uma narrativa sobre a crise. Estava a escrever o relatório sobre Portugal para um projecto da Fundação Friedrich Ebert sobre a crise no sul da Europa que acaba de ser publicado e está disponível aqui.
Em síntese, a minha narrativa é esta (em inglês, como na sinopse do relatório):

Successive Portuguese governments have followed the orientations of the European institutions regarding the response to the emerging challenges, since the international financial crisis. The new conservative government (elected in 2011) took advantage of the situation of »limited sovereignty« and made a radical political shift.
The new policy aims at a fundamental change in socio-economic power relations by deregulation and challenges the institutions of social dialogue created during the past 40 years.
„„The austerity imposed by the Memorandum of Understanding (2011) launched the country into a deep recession that had devastating impacts on some sectors of the economy. The young and precarious workers were particularly affected, with youth unemployment rising to 37.7% (2012 and 2013). More poverty, more unemployed with less benefits, substantial cuts in old age pensions and the national health service in cost contention: Austerity and recession bring growing social problems while reducing public responses to these problems.
„„Meanwhile public debt is skyrocketing, despite of recent signs of economic recovery and some success in reducing the current public deficit. The risk is that the therapy will destroy the social equilibrium the country had achieved during the past four decades without curing the disease of the unbearable public debt.

(Pedroso, Paulo
Portugal and the global crisis : the impact of austerity on the economy, the social model and the performance of the state / Paulo Pedroso. - Berlin : Friedrich-Ebert-Stiftung, Internationale Politikanalyse, 2014. - 36 S. = 4,8 MB PDF-File. - (Study / Friedrich-Ebert-Stiftung)
Electronic ed.: Berlin : FES, 2014
ISBN 978-3-86498-840-0.