Dentro de certos limites, todas as coligações têm tensões, divergências, dificuldades. Não há par que dance o tango sem quaisquer sobressaltos. E nessa medida, só o facto de nos termos habituado a ter governos monolíticos nos faz exigir ao actual Governo que funcione a uma só voz, como se fosse um grupo de ajudantes do chefe e não houvesse espaço para a expressão de divergências sem quebra de solidariedade.
O que surpreende na coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas é que desde o princípio que funciona na base da ostentação dessa divisão e da ausência de mecanismos de concertação que a protejam da crueza dos seus desacertos. Recorde-se que logo na abertura da legislatura Passos não nomeou Portas para o Conselho de Estado, Portas inviabilizou pelo voto a eleição de Nobre para Presidente da Assembleia da República e Passos impediu Portas de ser - como era expectável - o Nº 2 da hierarquia do Governo. O que é anormal é que ao fim de todo este tempo, a coligação que nos governa não tenha encontrado mecanismos normais de canalização - e divulgação - das diferenças de opinião e continue a não ter uma metodologia de funcionamento que lhe permita ter unidade na acção.
Ao fim de não sei quantas maratonas de Conselho de Ministros, Passos comunica solenemente ao país a sua solução para fechar a 7ª avaliação da troika. O que faz Portas? 48 horas depois diz que um elemento não menor da comunicação de Passos não pode ser adoptado porque passa os seus limites.
Não é razoável que Passos ignorasse que estava a ultrapassar os ditos limites. E não é aceitável que recue depois de Portas falar em público se não esteve pronto para o fazer antes, sob pena de ser um Primeiro-Ministro sob chantagem na praça pública (ainda que eu aplauda se ele abandonar a medida) e Portas já saber o que tem a fazer para conseguir o que quiser.
Se as descoordenações numa coligação, dentro de certa margem, são aceitáveis, a este nível e com este formato aproximam-se de descredibilizar uma instituição fundamental que dá pelo nome de Governo da República. Ao pé do que se passa entre Passos e Portas, as trapalhadas que envolviam, salvo erro, Gomes da Silva e Henrique Chaves no governo de Santana Lopes parecem episódios de total irrelevância.
Se tivéssemos um guardião eficaz do bom funcionamento das isntituições, este episódio - do vamos introduzir uma taxa, não vamos não senhor, então vamos estudar se há alternativa - a que assistimos entre Passos Coelho e Portas tinha que ter consequências.
Esta divergência não é sobre um assunto da governação corrente mas sobre um aspecto estratégico do modelo de ajustamento prosseguido pelo Governo. Nem sequer é sobre algo que se possa fazer de conta que se faz (ou que não se faz). Ou vai ou não vai haver taxa. Alguém vai perder a face na praça pública. Ou quem disse que ela era indispensável ou quem disse que ela era inaceitável. Palavras ditas, deixou de haver meio-caminho,
Até que Portas ou Passos Coelho percam a face recuando sobre posições públicas totalmente contraditórias, os portugueses não têm unidade de comando no Governo, mesmo tendo pessoas a assinar diplomas legais.
Depois de um deles recuar, seja qual for, uma democracia saudável estaria de novo sem governo até que o PSD encontrasse outro Primeiro-Ministro ou outro parceiro de coligação, ou houvesse eleições.
Se depois deste episódio tudo fica no seu lugar, fica demonstrado que a crise em Portugal tem uma faceta nova, a de crise de dignidade das instituições democráticas. E esta última está completamente nas mãos do Presidente da República evitar. Mas não há razões para ter esperança que ele o faça. Pior, às tantas ainda o vemos a tomar posição no caso da taxa, para um lado ou para outro.
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