13.6.08

Oh, ingratidão

O tratado que nasceu constitucional e parece estar a morrer chamando-se de Lisboa já ganhou um lugar na história da União Europeia. Ficará no capítulo das tensões entre a dinâmica das instituições interestaduais e a da construção da cidadania europeia comum. Os esforços das diplomacias alemã e portuguesa, depois do insucesso dos referendos na França e na Holanda, concentraram-se em conseguir um Tratado que os 27 governos aprovassem e os 27 parlamentos ratificassem e deram por assumida a gratidão dos irlandeses pelo que a Europa lhes trouxe. A ideia subjacente, de que se podia derrotar os nãos nos referendos pela retirada para a dinâmica das instituições do Estado esbarrou no pormenor da imposição constitucional de referendo na Irlanda e na debilidade do sentimento de gratidão em política. Em si, este processo é pelo menos tão democrático como a ratificação por referendo. O problema é que por toda a Europa, incluindo em Portugal, foram dados sinais de que os Governos se tinham proibido reciprocamente de consultar os eleitorados e é muito pouco convincente o argumento de que num país da Europa não se pode votar algo porque o governo do país vizinho não pode correr o risco de perder um confronto eleitoral. O que quer que os Chefes de Estado e de Governo decidam fazer na próxima semana não pode ignorar que os três nãos reflectem resistências populares à imagem que este Tratado tem, de ser um cozinhado de mercearia institucional e não um passo importante para os cidadãos. Também não pode ignorar que quanto mais parecer que as instituições políticas temem os referendos, mais se aprofunda a ideia de que falta apoio popular a este passo na construção europeia. Tal como não pode ignorar que o que falta ao Tratado não são novos mecanismos institucionais sofisticados mas uma ideia de Europa mobilizadora do eleitorado. É preciso que os Chefes de Estado e de Governo não percam a percepção de que há limites para a distância entre a dinâmica política intergovernamental, dominada pelas subtilezas diplomáticas e os understatements e a dinâmica da cidadania intraeuropeia, que se guia por ideias fortes e percepções simplificadas. Na Irlanda, tal como tinha acontecido anteriormente em França e na Holanda, a ideia do que este novo passo traz de positivo para os cidadãos não passou. Agora, há que abandonar o Tratado e esperar anos ou décadas por um novo impulso político ou conseguir que o segundo round de modificações que lhe serão introduzidas esteja concentrado no que possa convencer os cidadãos das vantagens de continuar a construir a Europa. De nada vale lamentar a ingratidão dos irlandeses para com a Europa. Há que dar-lhes, a eles e aos cidadãos de todos os países dos 27, novos argumentos para que apoiem este passo na construção europeia. Ora, todo o esforço político recente tem sido concentrado em evitar os enfrentamentos eleitorais sobre a ideia de Europa e não em tentar ganhá-los.

8 comentários:

José Manuel Dias disse...

Não será uma visão muito romântica da política?
Cumps

Anónimo disse...

"a ideia do que este novo passo traz de positivo para os cidadãos não passou"

-Positivo para os cidadãos ou para os governos dos cidadãos???

"De nada vale lamentar a ingratidão dos irlandeses para com a Europa"

-Ingratidão?? Eu digo antes, lucidez. Por acaso tem dúvidas que se tivesse havido referendo em Portugal, o não também teria ganho?

Não se faça de ingénuo, porque de ingénuo o sr não tem nada.

Paulo Pedroso disse...

A posição que Rita Pereira expressa no comentário anterior é ilustrativa da tese que defendo. Acha que o Tratado é bom para os governos, sugerindo que o não seria para os povos e que o não ganharia mais referendos incluindo o português. Pergunto-me o que alimenta esta posição.
Talvez Rita Pereira seja contra a presença de Portugal na União Europeia. Nesse caso a sua posição tem todo o cabimento e apenas há que registar a discordância para além de perguntar que melhor alternativa teria para o país.
Talvez ache que a dificuldade de governar a União Europeia é um problema dos políticos e não dos cidadãos em geral. Então sugiro que pense se acha que é indiferente para os cidadãos portugueses que haja um país que não seja governável facilmente. Se acvha que não é indiferente, porque seria indiferente que assim fosse na Europa?
Mas se achar que Portugal deve estar na União Europeia, que é importante que ela seja governável e ainda assim achar que é lúcido derrotar o Tratado, então vale a pena reflectir um pouco.
Pessoalmente, não acho que quem tenha essa posição e esteja contra o Tratado esteja a pesar bem a questão, mas a verdade é que houve três nãos e, dvo dizer, aguardo com curiosidade como é que a Europa os vai encaixar.
Aposto na tentativa de realizar novo referendo com alterações sobre aspectos que colidem com a sensibilidade política dos irlandeses. E, se assim for, até acho que o não deles pode ter sido um mal que vem por bem. Dá uma lição às instituições europeias quanto a que há que ganhar os povos e não apenas que equilibrar os conflitos entre os governos.
Mas se o resultado for a Europa congelada no Tratado de Nice, os irlandeses vão arrepender-se e nós também não ficaremos lá muito bem.

Sobre a questão da suposta ingenuidade, cara Rita Pereira, passo adiante. Não é para ler frases dessas que vale a pena ter caixa de comentários, mas também não será por elas que ela se fecha. Volte sempre. Neste blogue digo o que penso com frontalidade e discuto com seriedade com quem assim quiser discutir.

Anónimo disse...

Resposta intelectual interessante e humanamente revestida de muito carácter.

Anónimo disse...

Ando muito intrigada de quais são as reflexões actuais do campo da Sociologia. Grande parte dos sociólogos, que se expressam publicamente, estão de concobinato com o poder e/ou poderes. Ora a Sociologia era por tida como uma disciplina do saber justamente do designado contra-poder.
Está de acordo com a tese de que já não existe campo de investigação para a Sociologia e esta tornou-se simplesmente uma (pseudo) disciplina que preversamente serve o poder?
É que um sociólogo que se expressa neste artigo, no caso o irlandês, da forma que se expressa é caso para o colocar no campo da "engenharia social", que como sabe radica em ideias muito perigosas para a Democracia. O mais forte, o melhor, os povos inferiores, o povo não tem razão, etc.

Gostava de ter a sua opinião.

Paulo Pedroso disse...

não percebi bem o ponto da socióloga intrigada. De que irlandês fala?
Quanto à sociologia, julgo que não é pseudociência nem subserviente (ou crítica) do poder. Faz investigação, com hipóteses e chega a reesultados que, comno dizia o velho Max Weber, só podem ser juízos de facto. Os juízos de valor, mesmo que de sociólogos, passam para o campo da política. Mas já não estão a fazer sociologia.

Anónimo disse...

O Tratado de Lisboa após reprovação no Referendo na Irlanda encontra-se agora numa fase crítica. Os Irlandeses chumbaram legitimamente o Tratado de Lisboa. De resto, já a França e a Holanda tinham chumbado o Tratado Constitucional, tal facto, foi suficiente para um grande celeuma europeu e a Constituição foi revista de modo a torná-la num Tratado Simplificado para evitar Referendos. Não é legítimo estar a fazer crer que o problema disto é a Irlanda, nem fazer desta o bode expiatório para os problemas associados ao Tratado, convenhamos a Irlanda não é um problema, é uma solução. Convém não esquecer que a Irlanda foi durante muito tempo um bom aluno da União Europeia, os indicadores de progresso e de desenvolvimento deste país falam por si. Não foi a Irlanda que causou o problema, quem criou as dificuldades foi o directório europeu ao querer instituir o Tratado a todo o custo e ao aumentar as diferenças entre os povos e nações, exactamente o inverso do que seria desejável, a maior parte dos países, como é óbvio não perdoam esta questão porque perdem legitimidade, soberania e são afastados do processo de tomada de decisão em prol de grandes países como a França e a Alemanha.

Também de Leste sopram ventos de tempestade, por exemplo, a Polónia, cujo Estado remonta a 966, tem cerca de 38,5 milhões de habitantes está tentar impedir que este Tratado avance. Com efeito, o Presidente Lech Kaczynski disse que este Tratado estava ferido de morte e após ratificação pelo seu próprio Parlamento Nacional recusa-se a assinar o seu reconhecimento.
Durão Barroso e os eurocêntricos de Bruxelas não conseguem entender a Cidadania na sua plenitude, liberdade e direitos dos povos, não estão habituados. Habituem-se porque só assim os processos são legítimos, transparentes e participativos.
Hoje inicia-se a presidência francesa da União Europeia, as grandes prioridades desta são: a energia, alterações climáticas, imigração e defesa. È uma presidência difícil, num momento particularmente complicado com as crises energéticas, alimentar, imobiliária e ambiental, espero que possam ser dados pequenos passos, mas passos seguros para melhorar a vida dos europeus e dos portugueses em particular.


in http://www.polvorosa.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

O Tratado Reformador da União Europeia foi chumbado em referendo na Irlanda. Pois não constituiu para mim uma grande surpresa porque os europeus já haviam demonstrado não querer aquele instrumento legal. Na altura, o Tratado Constitucional já havia sido reprovado em referendo na França e na Holanda, depos disso os burocratas de Bruxelas entenderam reformular alguns aspectos, mas há algumas conclusões a retirar.

A primeira que os povos querem participar e envolver-se nos processos de tomada de decisão e na construção de soluções para as nações e para a Europa.

A segunda, em tempo de crise, os povos desconfiam de alguma incapacidade dos eleitos para melhorar a situação nos aspectos económicos e sociais através de um progresso e melhoria na qualidade de vida dos europeus, cometendo o pecado de confundir alhos com bugalhos.

Em terceiro, os europeus entenderam que não basta haver um crescimento económico se este não é acompanhado por uma igualdade de rendimentos entre trabalhadores e na diminuição da pobreza e do desemprego. A Europa deve ser da segurança, não só da flexibilidade e de liberalização, não se compreende como Portugal consegue ser um país mais desigual do que os EUA e ao mesmo tempo haver políticos hipócritas a falar no modelo social europeu, só se for para outros, para os nórdicos por exemplo, no nosso país nem cheirá-lo.

Finalmente, os europeus estão fartos de ter de aturar políticos fanáticos como Barroso, Blair e Solana, para quê arranjar mais um cargo, neste caso assumiria a função de uma espécie de Ministro dos Negócios Estrangeiros, numa situação similar à invasão do Iraque podemos desconfiar de qual seria a decisão encontrada por estes ilustres... mais do mesmo? Não, obrigado.

in: http://www.polvorosa.blogs.sapo.pt