9.10.08

Responsabilidade individual, disciplina partidária e decisões democráticas

A posição assumida pelo PS em relação às propostas do Bloco de Esquerda e de "os Verdes" sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo levantou uma discussão acerca da relação entre a responsabilidade individual e a disciplina dos grupos parlamentares. Neste ponto, a minha posição é a de que o equilibrio entre responsabilidade e disciplina depende em última instância sempre da decisão individual do deputado e que este não pode refugiar-se na disciplina para se eximir a assumir responsabilidadfes individuais. Dito isto, porque respeito a disciplina de voto imposta pelo PS se não concordo com a decisão tomada? Julgo que a questão se coloca de forma diferente consoante se trate ou não de matéria explicitamente abordada no programa eleitoral ao abrigo do qual concorreu e, no caso de ser de um partido que apoia um Governo, do Programa de Governo. Caso se trate de matéria enquadrada nesse âmbito, a disciplina partidária deve ser a regra e quebrá-la só pode ser a excepção e deve ter implicações políticas sérias. Caso assim não seja já a regra deve ser a da ponderação e responsabilização individual pelas decisões tomadas e só excepcionalmente a regra pode ser a disciplina de voto. Como sabemos, a questão concreta do casamento entre pessoas do mesmo sexo cai, por este critério, no âmbito da responsabilização individual do deputado. Por isso defendi que o Grupo Parlamentar do PS deveria dar liberdade de voto aos seus membros. Neste contexto, as declarações do Primeiro-Ministro e as orientações da direcção do Grupo Parlamentar no sentido de recusar essas iniciativas legislativas, deveriam ter sido orientações políticas, acatadas ou não por cada um segundo a sua opinião e assumindo as suas responsabilidades e não decisões vinculativas. Foi essa a posição que defendi. Acontece que o Grupo Parlamentar do PS seguiu nesta questão um procedimento democrático irrepreensível, convocando um plenário que todos sabiam ir discutir esta questão, no qual todos os que o pretenderam esgrimiram os seus argumentos e no final da qual houve uma votação livre. O resultado dessa votação foi a vitória da tese de que a disciplina de voto deveria ser imposta nesta matéria. Parece-me uma decisão errada mas não ilegítima e, tendo participado no processo, uma decisão que só pode ser acatada sob pena de transformar os processos democráticos em processos a que só reconhecemos validade quando os nossos pontos de vista triunfam. Por ter aceite que houvesse uma decisão democrática que impôs disciplina partidária numa matéria em que acho que deveria haver responsabilização individual acatarei essa decisão. Mas penso que esta decisão não se pode tornar em regra geral sob pena de reduzir os deputados a funcionários parlamentares que recebem instruções. E penso que o critério deve ser claro para que não haja imputações morais e pressões ilegítimas sobre deputados que pretendam exercer a sua liberdade em matéria supervenientes ou omissas em compromissos eleitorais. PS. Para que não haja dúvidas: amanhã à hora da votação estarei em Chaves onde faço uma intervenção sobre educação e formação ao longo a vida para a qual tinha sido convidado antes disto. Uma vez que a disciplina se imporá e a respeito entendi, por respeito para com os participantes, não se justificar cancelar a participação nesse acontecimento para estar em Lisboa num acto em que a minha participação individual nada muda. Se a minha decisão individual estivesse em causa e pudesse alterar o resultado, a hierarquia de prioridades seria obviamente diferente mas este gesto não tem outro significado político que não esse.

3 comentários:

Anónimo disse...

Do post publicado, a passagem que encerra imenso significado e merecerá alguma reflexão, designadamente dos nossos parlamentares é: "Mas penso que esta decisão não se pode tornar em regra geral sob pena de reduzir os deputados a funcionários parlamentares que recebem instruções."

Creio que a bitola que o Dr. Paulo Pedroso entende que deve ser observada para se aferir se numa determinada matéria deve haver disciplina de voto ou não - o programa eleitoral, no presente momento do PS, o programa do Governo - é a correcta, já que, os parlamentares do PS apresentaram-se a eleições sob a égide de um programa que aceitaram, pelo que a este deverão estar subrogados.

Agora, pergunto-lhe se a sua opinião se mantém numa hipotética situação em que, devido a circunstâncias excepcionais do país, uma matéria que não constava do programa do governo, mas que devido às tais circunstâncias excepcionais, se revela determinante para o "sucesso" da governação, se ainda assim, entende que neste caso, como seria uma matéria que não constava do programa do Governo se deveria "esquecer" a disciplina partidária, dessolidarizando-se do partido, e seguir a via da "Responsabilidade Individual"?


PN

Pedro Sá disse...

Paulo, a tua humildade democrática é exemplar.

Embora eu se estivesse no Parlamento sairia da sala...

Paulo Pedroso disse...

Evidentemente que, havendo circunstâncias excepcionais, um deputado do Partido que apoia o Governo tem o dever de ser solidário com ele. Mas, por definição, as excepções não fazem regra.