23.1.12

Do charme discreto de Silva Peneda (Luis Costa volta ao Banco)


Uma arreliadora avaria no avião de ligação fez com que passasse 8 horas deste domingo no aeroporto de Viena na escala para Bucareste. Tempo suficiente para, entre outras coisas, uma leitura mais aprofundada da chamada imprensa de referência de hoje, toda ela com incursões pelo mundo sindical. Sinal dos tempos, tendo em conta a recente assinatura do acordo na concertação social e a anunciada saída do Carvalho da Silva da liderança da CGTP no próximo fim de semana, passado mais de um quarto de século como grande timoneiro da maior organização social portuguesa.
O DN puxa para o escaparate a entrevista do João Proença na qual boa parte é dedicada a explicar as virtudes do acordo aos arrivistas, caluniadores e incréus e em que confirma ter recebido incentivos de dirigentes da maioria da CGTP para o  negociar, o que certamente lhe valerá nova queixa judicial por ser criminoso e reincidente… nesta incidência.
A entrevista termina com a anunciada renovação da UGT e a também já anunciada saída do João Proença dentro de pouco mais de um ano, já que mais não seja por imposição estatutária. O JN agarra no tema e já lançou a bolsa de apostas sobre quem na primavera de 2013 irá ocupar a cadeira que o João vai deixar vaga. E à cabeça lá aparece o nome da Helena André, embora fonte próxima da deputada tenha afiançado ao JN que não está nos seus planos liderar a UGT.
O Público dedica parte significativa do seu espaço a uma biografia encomiástica do Carvalho da Silva. Foram ouvidos amigo-s e outros que nem por isso - e houve quem se refugiasse no anonimato. Por junto estamos no território do elogio próprio dos momentos de jubilação ou de partida para outra vida para além desta que lhe tem ocupado avassaladoramente o tempo.  Subscrevo obviamente por baixo, em boa parte, ou não fora o meu conterrâneo e amigo Ulisses um dos principais alimentadores do  retrato de página inteira. O texto termina com um até amanhã, evitando acrescentar o camarada, talvez porque, como sublinha o Ulisses, não o vejo como um comunista alinhado. Por via das dúvidas…
Mas de tudo o que li, a minha atenção particular vai para a entrevista de Silva Peneda ao JN. O Presidente do CES faz o pleno: evidencia que a UGT prestou um grande serviço ao país, para depois passar a justificar a posição da CGTP cuja ruptura com o acordo foi feita com grande elevação e muito nível. A CGTP explicou as suas razões de forma muito serena e isso passou-se com grande elevação. O caldo só seria entornado depois…
Quanto ao comportamento do Governo, Silva Peneda diz, entre risos, escreve o JN, vai dar para as minhas memórias, para depois sublinhar: Já estive no Governo e este tipo de situações não são fáceis.
Com efeito Silva Peneda sabe do que fala. Em 1991 teve um papel relevante na assinatura por parte da CGTP dos primeiros acordos de concertação social, sobre formação profissional e segurança do trabalho. Era Ministro do Trabalho e na reunião decisisiva, em que participei na delegação da CGTP, Silva Peneda teve a frieza e o bom senso de ir desmontando os argumentos do Torres Couto que tentava a todo o custo adiar o fim do mito da não adesão a acordos por parte da central concorrente, uma das suas principais muletas do seu discurso até ali.
Sinal dos tempos, dos contextos e dos lugares, é o mesmo Torres Couto que 20 anos depois vem vergastar o João Proença pela assinatura deste acordo não augurando nada de bom e seguramente um fim trágico para a central que ajudou a fundar.
É evidente que  tem também a marca do tempo, daquele tempo, o compromisso da CGTP na concertação social em 1991. O caldo de cultura que levou a que pela primeira vez acordos acolhessem a assinatura da CGTP e desse passos em relação à filiação na CES, vai beber nas perturbações vividas internamente pela não assinatura do Acordo Económico e Social, depois de um processo de participação activa e intensa na negociação. Não é estranho às dinâmicas em curso a leste que tiveram em Agosto de 1991 um ponto de viragem com o golpe que apeou Gorbachov e que, de certa maneira, legitimaram a reunião do Hotel Roma um dos momentos mais significativos da contestação interna no Partido. Além do mais, embora não cientificamente demonstrado, havia quem afiançasse que naquele final de Julho de 1991, aquando da assinatura do acordo, o  Domingos Abrantes estava de férias… Obviamente que estamos no domínio da  intriga porque o Expresso do sábado anterior (o acordo foi assinado na terça) já afiançava que o acordo eram favas contadas.
Mas voltando a Silva Peneda razão (ou pretexto?) para estes passos em volta de um dia em grande para a mediatização do sindicalismo, da acção sindical e dos seus protagonistas mais visíveis, presentes e futuros. Serena e discretamente explica a chave do sucesso: Perceber o que os parceiros sociais querem e conseguir que tenham alguma confiança em mim.

Aeroporto de Viena, 22 de Janeiro de 2012

Luis Costa 

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