Mohamed Morsi foi declarado vencedor das eleições presidenciais do Egipto e com ele a Fraternidade Muçulmana. Esta, depois de vencer folgadamente as eleições parlamentares que serviram de base também à designação dos constituintes, tem claramente a legitimidade eleitoral do seu lado, pelo menos neste momento.
Mas esta não chega para que Morsi e a Fraternidade tenham para já o poder. A dissolução do Parlamento ordenada pelo Supremo Tribunal que sobreviveu da ditadura e a ausência de uma constituição tornam o poder real do Presidente completamente incerto. A estrutura militar que teoricamente assegura a transição revolucionária (o Supremo Comando das Forças Armadas) tem consigo a legitimidade da força, que já demonstrou estar disposta a usar (e já usou) bem como o controlo sobre várias àreas do poder real do país. O tempo que demorou a declarar vencedor Morsi e a declarar derrotado o último Primeiro-Ministro do regime "deposto" é indício suficiente de que há no Egipto um processo negocial em curso e um equilíbrio de poderes ainda indeterminado.
A que constrangimentos teve que submeter-se Morsi para conseguir a Presidência? O tempo dirá, mas a clara reafirmação das alianças internacionais do Egipto no discurso de posse deixa claro que é tempo de pragmatismo para a Fraternidade.
Tal pragmatismo só surpreenderá, no entanto, os mais afastados da evolução dessa força política. Tudo aponta para que a proximidade com Recep Tayyip Erdoğan não se confine às semelhanças de siglas partidárias (Partido da Justiça e da Liberdade no Egipto e Partido da Justiça e do Desenvolvimento na Turquia). Se Morsi abraçar o caminho de Erdoğan, a sua relação com os militares será tensa mas constante e do equilíbrio tenso entre negociação e confronto entre as duas forças resultará o perfil do regime futuro.
Neste jogo de cúpula, os derrotados serão provavelmente os sectores mais cosmopolitas que acreditaram na força da Praça Tahrir. Por desagradável que seja, nada que não costume acontecer na recuperação institucional de processos revolucionários. É mesmo bem possível que alguns desses sectores sejam chamados a manter-se dentro do pacto que parece desenhar-se, por exemplo integrando o Governo que há-de formar-se e que deles nasça a esquerda do novo Egipto.
O quadro pós-Primavera continua em desenvolvimento, mas nos seus traços gerais, o quadro de nova guerra fria mediterrânica sobre que escrevi em Fevereiro parecem manter-se e - inclusivé na questão síria continua a ser um desfecho provável aquele em que, como então escrevi, Egipto e Turquia fariam uma dupla hegemónica sobre a região que geraria, para o melhor e o pior, um novo parceiro político na discussão do Médio-Oriente, hegemonizado por um parceiro da NATO e suportado em dois exércitos altamente profissionalizados e com treino ocidental.
1 comentário:
O método de evolução da sociedade egipcia parece, de facto, ser copiado do método turco. Isto é, as forças armadas empenham-se na introdução e na manutenção duma atmosfera secular nas instituições do Estado.
Assim, espera-se tensão, mais ou menos visível, entre as forças armadas e o(s) partido(s) islâmico(s) no poder.
As sociedades que teem a religião de Maomé como religião maioritária teem dificuldade em adotar o figurino da sociedade ocidental. Isto é, manter as instituições do Estado estritamente laicas. Fora da influência da religião.
Embora haja camadas sociais que desejam e lutam pela laicização da sociedade egípcia, tal objetivo embora lógico e desejável nos dias de hoje, parece difícil e deve levar ainda algum tempo a consolidar-se e manter-se.
Enviar um comentário