7.7.09

As convergências impossíveis e o paradoxo da esquerda portuguesa

Hoje, no DN, Mário Soares faz o requiem dos entendimentos à esquerda neste ciclo político.Escreve ele: Nos últimos anos, com efeito, empenhei-me em estabelecer pontes e convergências à Esquerda, que se revelaram impossíveis. A culpa não será exclusiva de ninguém. É certo. Mas cabe, maioritariamente, ao Bloco e ao PCP, que com crescente agressividade - e em competição - fustigaram quase exclusivamente o PS e, em especial, Sócrates. Para quê? Respondo: oxalá não seja para dar a vitória ao PSD ou para tornar o País dificilmente governável. Se isso vier a acontecer - espero que não - poucos meses depois, serão os primeiros a arrepender-se. Porque, ao contrário do que dizem, PS e PSD são muito diferentes no exercício do poder. Não obstante o chamado "centrão de interesses", que deploro, como socialista, mas que tem peso na política. Mário Soares tem razão, quer na conclusão, quer na repartição de responsabilidades. E o que diz tanto pode aplicar-se às eleições legislativas a nível nacional como às autárquicas em Lisboa, só para dar outro exemplo. O PS entrou a presente legislatura com excessiva sobranceria face a todos os movimentos à sua esquerda. Por sua vez, estes, e em particular o BE, não perceberam que o seu crescimento eleitoral é também uma metamorfose da sua base de apoio. Se o PS esteve errado ao tratar de modo igual a oposição à direita e à esquerda, o PCP e o BE não estão menos errados ao tratar de modo igual o PS e o PSD. Ainda é cedo para tirar a moral da história, mas encaminhamo-nos para um paradoxo curioso: o aumento da votação no conjunto dos partidos de esquerda implicar a redução da probabilidade do país (e de Lisboa) ser governado por um partido de esquerda. Ou seja, se o eleitorado se deixar conduzir pela retórica anti-PS do PCP e do BE, poderá votar à esquerda e ter como consequência prática ver o país (e Lisboa) governado pela direita. Pode parecer impossível, mas se os partidos não mudarem a sua atitude recíproca durante o Verão nem os eleitores mudarem o modo como os avaliam pode estar mais perto do que se julga. Se o paradoxo se materializar não faltará capacidade para distribuir culpas, mas veremos o país entregue por uma maioria eleitoral de esquerda ao tandem Aníbal Cavaco Silva-Manuela Ferreira Leite, com a capital entregue por outra maioria eleitoral de esquerda a Pedro Santana Lopes. Como os partidos de esquerda estão a ser irresponsáveis na relação com a questão da governabilidade do país (e de Lisboa), já só os eleitores podem impedir que tal pesadelo se verifique ainda antes do fim de 2009.

3 comentários:

Bruno Nunes (Almada) disse...

É triste vê-lo promover o voto útil com teorias pseudo-apocalípticas sobre o nosso querido País e a nossa querida cidade de Lisboa.

DVS disse...

Interessante o seu artigo. Efectivamente, os eleitores devem aperceber-se que, em situações políticas como a que vivemos actualmente, um voto pode valer mais do que singelamente aparenta.

Sobre a cobertura política feita pela imprensa convido-o a ler http://barvelho.blogspot.com/2009/07/estranha-forma-de-fazer-politica-ou.html

Cumprimentos.

Anónimo disse...

A questão essencial que impede convergências à esquerda não tem a ver com o sectarismo do PCP ou do BE (embora ele exista)mas sim com o conjunto de políticas que tem vindo a ser desenvolvido pelo PS no governo. A verdade é que a política económica e social (educação, saúde, função pública, código do trabalho, entre outros) desenvolvida pelo governo do PS em muitos aspectos é mais à direita que aquela que foi executada pelo governo de Durão Barroso (2002-2004). Só no que toca às questões de costumes é que o PS se situa à esquerda do PSD, embora mesmo aí as diferenças não sejam absolutas (vários deputados do PSD votaram a favor da lei do divórcio, por exemplo). O que acabei de afirmar pode ser comprovado por várias fontes que nada têm a ver com o PCP ou o BE. Vou dar-lhe apenas dois exemplos. Há algumas semanas, o antigo Bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice (insuspeito de simpatias pelo PCP ou pelo BE), caracterizava o PS como "um partido centrista com memória de esquerda". Não pode haver caracterização mais certeira!
Outro exemplo: Há uns meses, o politólogo André Freire publicou no Público um artigo no qual se mostrava um gráfico em que aparecia a posição relativa em termos de escala esquerda-direita de diversos partidos em vários países europeus. O PS tinha nessa tabela (feita pelos eleitores, não pelo PCP ou pelo BE)um score de 5,31 numa escala em que 10 é ser o mais à direita possível e 0 ou 1 (não sei exactamente)é ser o mais à esquerda possível. Independentemente de o centro na escala ser 5,0 ou 5,5, isso mostra que o PS é hoje um partido situado rigorosamente ao centro que já nada tem a ver com a esquerda. Julgo que os dois exemplos que dei mostram que, infelizmente, o PS hoje abandonou, provavelmente de forma irreversível, os valores e os princípios da esquerda, mesmo de uma esquerda moderada.