5.11.10

Se chove, todos acabam por molhar-se

Tudo aponta para que Portugal tenha em 2011 o ano mais difícil desde 1985 e os indicadores de clima económico e de confiança em Outubro demonstram que os agentes económicos e os cidadãos se aperceberam disso.

No ano que vem, a economia portuguesa vai sofrer sincronizadamente os efeitos de vários factores adversos.
Os especuladores descobriram um buraco na concepção do sistema financeiro europeu que nos sorve diariamente milhões de Euros.
Quem governa a Europa escolheu uma política orçamental imune a qualquer veleidade Keynesiana. Na leitura que o Governo do PS fez desse diktat, houve necessidade de cortes na rede básica de protecção social (subsídio social de desemprego, RSI, prestações familiares), de redução de custos com saúde, de congelamento de pensões, de suspensão de investimento público e, mesmo, de redução nominal dos salários na administração pública.
O sistema político português encontra-se triplamente bloqueado. Não pode haver eleições legislativas. Não há soluções maioritárias de Governo. O Presidente da República não tem influência sobre os grandes partidos.
Na melhor das hipóteses teremos um Orçamento de Estado viabilizado tacticamente, em contexto de campanha eleitoral para eleições antecipadas.
Como podemos estar optimistas? Acreditando nos efeitos de arrastamento do crescimento económico da Alemanha e dos mercados emergentes e dando valor ao labor do Governo no comércio externo.
Essas boas notícias reflectir-se-ão nas empresas exportadoras e nos trabalhadores do sector privado que não percam o emprego e consigam aumentos salariais iguais ou superiores à conjugação da inflação com a subida dos impostos.
Mesmo no melhor dos cenários, haverá tantos desempregados como hoje. Os sectores mais pobres da população serão menos apoiados e os índices de pobreza subirão, nomeadamente entre as crianças e as famílias jovens activas. As elites da administração pública terão uma redução drástica de poder de compra, agravando factores de perturbação institucional e desfuncionamentos da administração.
Tanta sincronia só pode ter uma consequência. Tal como a chuva, acabará por molhar todos, embora menos os que tenham guarda-chuva e gabardina. A cereja em cima do bolo? Seis meses em crise política ou eleições no Verão sem os partidos mudarem de perspectiva sobre a governabilidade do país e nem PS nem PSD-CDS terem maioria absoluta.
Em momentos destes no século XIX havia um levantamento militar. Em 2011? Ficaremos a saber se à frente dos destinos do país temos uma geração de estadistas ou apenas um punhado de pessoas com, digamos assim, sentido de oportunidade agudo.

(publicado no Diário Económico de 29 de Outubro de 2010)

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