15.6.11

PS. O aparelhismo nunca existiu

Há aparelhismo no PS?
Se entendemos por aparelhismo a existência de um corpo de funcionários políticos comandados pela direcção que separa as folhas secas dos que mantêm o partido no coração, como nos partidos leninistas, não há e nunca houve.
Já uma vez disse e repito agora, o único aparelho que há no PS é uma rede de telemóveis. E isso leva, na minha opinião, à necessidade de discutir o problema a partir de outra definição do conceito.
Se entendermos por aparelhismo a existência de uma rede de contactos que cria uma estrutura de poder que, por qualquer meio, provoca o fechamento político e asfixia a divergência de posições,  que reduz à impotência e no limite exclui os que não se revêem na posição dessa rede de poder, já a minha resposta pode mudar de natureza. Eu também chamo aparelhismo a essa forma de controlo político sobre os militantes. Por isso não concordo com as opiniões que ouvi de pessoas que respeito, dizendo que um dos candidatos a Secretário-Geral falar em aparelhismo é "estigmatizar" o adversário ou que quem no PS tem o apoio dos Presidentes das distritais de Lisboa e Porto não tem legitimidade para denunciar o aparelhismo de um contendor.
A  definição de aparelhismo não leninista que proponho é passível de um teste empírico. Podemos conceber um "aparelhómetro" e ver o resultado. Por exemplo, se uma certa estrutura tem candidaturas únicas  há mais de 4 mandatos (mais ou menos 8 anos)  ou, havendo candidaturas várias, há sempre mais de 80% dos votos num dos candidatos, não será indicador suficiente de perda de pluralismo, de condicionamento político e de aversão à divergência para considerar essa estrutura dominada pelo aparelhismo? Mas podemos tornar o critério mais exigente. Por exemplo, considerar só os casos em que haja 5 mandatos consecutivos (uma década) com candidatos únicos ou mais de 85% dos votos no candidato ganhador.
No meu "aparelhómetro" nem os Presidentes das Federações de Lisboa e Porto, que apoiam Francisco Assis, nem, por exemplo, os de Coimbra, Setúbal e Aveiro, que apoiam António José Seguro, poderiam ser confundidos com lógicas aparelhistas. Nos cinco casos, houve frequentemente mais que um candidato, houve eleições plurais e resultados divididos. No caso do Porto, Assis apoiou o adversário de Renato Sampaio que por sua vez apoia Seguro: mudança mais livre não há. Pode ter-se maior ou menor simpatia pessoal por cada um desses Presidentes, mas é inequívoco que qualquer deles ganhou o seu lugar numa disputa plural e qualquer deles se arrisca a perdê-lo na próxima contenda.
Todos terão sido, eventualmente, vulneráveis a sindicatos de voto. Todos terão, eventualmente, recebidos apoios baseados em jogos tácticos ou interesses pessoais ou locais. Mas esse fenómeno é inerente ao comportamento político. Nem o PS nem Portugal nem o mundo é uma colecção de anjos que se movem exclusivamente por ideias e interesses nobres. É, na minha opinião, um erro de análise confundir sindicatos de voto com condicionamento político do pluralismo típico do aparelhismo, dado que este último se aproxima de formas semidemocráticas de poder.
Voltando ao aparelhómetro, quais serão as distritais do PS que não passam no teste? Haverá alguma? Quem é que os seus presidentes apoiam, dos candidatos em presença? Repartem-se pelos dois candidatos ou concentram-se num e qual?
Podemos reproduzir o aparelhómetro para o nível concelhio. Para evitarmos erros de medida, podemos restringir o teste a grandes concelhias, porque nas pequenas o quase-unanimismo pode não resultar de nenhum condicionamento, mas de fenómenos de amizade, vizinhança, até de parentesco, como em todos os pequenos grupos. Restrinjamos, pois, o teste do aparelhómetro a concelhias com mais de 200 ou, se quiserem de 300 militantes. Repito as perguntas. Quantas haverá que há mais de 8 anos candidaturas únicas ou, havendo candidaturas várias, tiveram sempre mais de 80% dos votos num dos candidatos? Quantas terão mais de uma década com candidatos únicos ou mais de 85% dos votos no candidato ganhador?  Haverá alguma? Quem é que os seus presidentes apoiam, dos candidatos em presença? Repartem-se pelos dois candidatos ou concentram-se num e qual?
Não disponho dos dados necessários para responder às minhas perguntas, o que aumenta a minha liberdade para as fazer. Não sei o resultado. Mas lanço o desafio a quem os tenha ou tenha condições para os recolher de que os analise e divulgue. Se casos destes existirem, há aparelhismo no PS. Se os casos se distribuírem desproporcionalmente entre as candidaturas a Secretário-Geral, a que lhes estiver mais exposta será a mais vulnerável ao aparelhismo, tal qual se apresenta hoje.
Mas se o confronto Assis-Seguro for uma vitória de ambos sobre o aparelhismo, várias dessas estruturas sairão agora do critério e terão resultados repartidos. Se o aparelhismo vencer sobre os candidatos, o monolitismo distrital ou concelhio manter-se-á.
Tenho os meus palpites sobre o que dará o teste do aparelhómetro, mas convido os que se indignam com a referência à existência de aparelhismo a investigarem eles pelos seus meios e trazerem a evidência à discussão. Se os meus palpites estiverem errados, então um candidato estigmatizou injustamente (a estigmatização é sempre injusta)  outro e quem se referir ao aparelhismo estará a atirar pedras aos seus próprios telhados de vidro.
Já agora, oonvém relembrar que o PS tem o mérito de ser o único partido em que estas coisas se discutem abertamente. Se houver politólogos interessados no desafio, então sugiro que apliquem o mesmo aparelhómetro a todos os partidos portugueses. Descobriremos provavelmente que, se só o PCP tem o aparelhismo leninista, todos têm vulnerabilidades aparelhísticas. O que eu gostava de ver estes dados estudados para todos os partidos com representação parlamentar.

PS. Devo, no entanto, dizer que este não é, para mim, o maior risco actual de perversidade política de quem efectivamente manda no PS. Muito pior é a cultura que se gerou desde a solução do confronto Sampaio-Guterres, a que chamaria Gattopardismo, em que os que apostam em que mude sempre o necessário para que tudo fique na mesma se declaram neutros nos confrontos ou os "secam" para, pela "mão do príncipe", garantirem a perpetuação da sua cooptação. Mas o Gattopardómetro seria um instrumento diferente.

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