27.3.13

Sócrates na RTP: metamorfose ou regresso?

José Sócrates, o comentador, regressa com uma entrevista ao ex-Primeiro-Ministro. Quem definiu este perfil deve ter ganho a liderança das audiências hoje, mas também contribuiu para a confusão sobre o estatuto do regressado.
Dizem que o comentador José Sócrates não vai ser remunerado. Acho mal. O comentário político é um trabalho. Tem utilidade social e valor económico. Como não há almoços grátis e José Sócrates não vai comunicar no âmbito de uma responsabilidade inerente a funções públicas ou de uma causa que defenda, mas prestar um serviço de análise, ele e a RTP deixam ficar implícito que vai ser pago em promoção da sua marca pessoal, a qual, em Portugal, tem essencialmente valor político.
Tenho curiosidade sobre o que o ex-Primeiro-Ministro tem a dizer sobre o actual estado do país e sobre o que o ex-Secretário-Geral do PS tem a dizer sobre a dinâmica do seu partido sob a liderança do seu sucessor. Mas, recordo uma resposta de António Costa na Quadratura do Círculo quando o pressionavam a falar sobre a sua então protocandidatura a Secretário-Geral do PS. Disse algo como 'não sou comentador para me comentar a mim mesmo'. 
Terá Sócrates a mesma sageza então demonstrada por Costa e deixarão as circunstâncias que a pratique? O setting montado pela RTP, o alarido das petições online e a enormidade do envolvimento do parlamento na questão por mão do CDS apontam em sentido contrário. Se Sócrates quiser surpreender, comentar-se-à a si mesmo hoje, mas não nos comentários posteriores, e vincá-lo-á logo a abrir a entrevista. Se não o fizer, independentemente do sucesso político e pessoal que venha a ter ser inferior ou superior ao que teve com os debates com Santana Lopes, presta um mau serviço à definição da fronteira conceptual entre política activa e comentário político. Uma fronteira tão necessária,  quanto está completamente esbatida no país dos ex-lideres que usam a televisão como estaleiro para os sonhos de regresso ao mar alto.
Se hoje houver regresso e não metamorfose, os que gostam dos combates políticos ganham um tema de conversa, mas a relação entre os media e a política, não perdendo grande coisa, não ganha nada.