Está em curso nas fronteiras externas dos países ricos uma guerra sem quartel aos pobres que não são "nossos". Sabemos, sem ingenuidade, que nestes movimentos populacionais se misturam dinâmicas complexas, que vão da exploração dos "viajantes" a redes de crime organizado. Mas também sabemos que muitas destas vítimas tratadas como inimigos e invasores são apenas os novos miseráveis.
Tal como fizeram a Jean Valjean, se não os conseguimos manter ao largo - quiçá deixando-os afogar - "detemo-los", isto é, prendemo-los eufemisticamente, sem que tenham outra culpa ou crime que quererem partilhar dos nossos recursos. Essas detenções podem tornar-se em prisões perpétuas em muitos contextos.
O desespero dos novos Jean Valjean refina as suas técnicas enquanto as dos nossos comissários de polícia refinam as "nossas". Há dias a deputada socialista e Ministra da Família e da Solidariedade Social de Malta contava em Portugal, num encontro informal com colegas e amigos, que um dos novos problemas do seu país são os menores desacompanhados. Isto é, crianças que os seus país fazem chegar sozinhas à "salvação" - qual depósito em convento no séc. XIX - e que, pela idade, não podem ser deportadas. Mas não falam a língua do país, as estruturas de acolhimento não estão preparadas para as receber e acabam "Internadas" mas perto de abandonadas.
Os cidadãos da Europa, Portugal incluído, preocupados com a nossa crise, estamos de olhos fechados para a tragédia que se passa aqui mesmo às nossas portas. E, silenciosos, fingimos que não existe ou atiramo-la para longe. Podemos ser assim indiferentes ao sofrimento dos nossos vizinhos (se quiserem podem chamar-lhes irmãos) que são os novos miseráveis, só porque, ao contrário dos Jean Valjean do séc. XIX, não nasceram na nossa terra, não falam a nossa língua e talvez não tenham a nossa cor de pele ou a nossa religião?
Os novos miseráveis mereciam de nós maior consciência de que nascemos todos seres humanos.
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