8.2.09

A teologia política de Obama: pós-secularismo ecuménico

Após um século de debates na política entre laicos, por vezes ateus e religiosos, têm vindo a surgir cada vez mais figuras que passam ao lado dessa questão, manifestando-se crentes, mas prontas a usar politicamente de uma relação de proximidade-distância com a fé que não faz delas ateus nem representantes de nenhuma igreja particular, ainda que se revelem publicamente vinculados a ela. Talvez Tony Blair tenha sido até agora quem melhor encarnou essa posição. Obama revelou-se na semana que passou como uma figura a incluir nesse movimento. Já sabiamos que era cristão e, como é hábito nos EUA, nunca protegeu a sua fé de uma dimensão pública. Não é essa a novidade. Na semana passada, aproveitou a sua participação no Pequeno-almoço nacional de oração (National Prayer Breakfast) para reformular, mas manter, um grupo que Bush havia criado na Casa Branca, o White House Office of Faith-Based and Neighborhood Partnership. Nesse pequeno-almoço, politicamente correcto, invocou em pé de igualdade a mensagem de amor de todas as religiões do Livro, mencionou as das outras grandes religiões do mundo e recuperou a retórica quase universalista dos filhos de Abraão. Nem fez o uso maniqueísta de Deus que Bush fazia nem procurou separar a religião da política, como os laicos. Pelo contrário, renovou a aliança entre Estado e Igrejas que este gabinete presidencial personifica. A teologia política de Obama, porque disso se trata, é completamente diferente da de Bush. Obama, ao que tudo indica, não quer invocar Deus para a política externa, mas procura mantê-lo como instrumento de política interna. Não quer invocar nenhuma Igreja que se julgue detentora da verdade sobre Ele, mas aliar-se a todas as Igrejas que lho permitam. Esta política joga muito bem com a estratégia de renascimento religioso ensaiada por todas as grandes Igrejas nos anos 70, quando transferiram o primeiro passo da sua evangelização da catequese para a educação e as obras sociais. A aliança entre esta estratégia de evangelização e a política pós-secular é duradoura e tem sido profícua. O Estado encontrou parceiros e intermediários fortes. A Igreja encontrou um modo de convivência com a política sem discussão sobre Deus e o Estado. O Estado não pede aos prestadores de serviços sociais que não endoutrinem. As Igrejas co-financiam o Estado e chegam aos locais onde ele não consegue ou não tenta chegar. Obama não é, de perto nem de longe, o primeiro a fazer esta aposta. Até em Portugal a fizemos há duas décadas. O que é curioso é que a sua própria fé seja já o resultado da estratégia das Igrejas a que Gilles Kepel chamou "a vingança de Deus". Nas suas próprias palavras, Obama converteu-se já adulto, não pela catequese ou por revelação, mas pelo contacto com as obras sociais das Igrejas de Chicago: I didn’t become a Christian until many years later, when I moved to the South Side of Chicago after college. It happened not because of indoctrination or a sudden revelation, but because I spent month after month working with church folks who simply wanted to help neighbors who were down on their luck – no matter what they looked like, or where they came from, or who they prayed to. It was on those streets, in those neighborhoods, that I first heard God’s spirit beckon me. It was there that I felt called to a higher purpose – His purpose. Esta maneira de chegar à fé pode ser superifcial e até poderia ter feito dele crente de outras religiões, se tivesse vivido noutros bairros doutras cidades, mas facilita imenso a sua teologia política. O seu pós-secularismo ecuménico permite-lhe acabar o discurso no pequeno-almoço da oração com um "God bless the USA" em que todos podem facilmente sentir que está incluido o seu Deus e não necessariamente aquele em que o cidadão Barack Obama acredita. E isso é satisfatório para todos, incluindo os que não acreditam em nenhum.

1 comentário:

jose albergaria disse...

Caro Paulo Pedroso,
Só para lhe dizer o quanto apreciei este seu poste.
Faz tempo em que montei arraiais na tolerância, civica, politica, moral e, naturalmente, na das religiões.
O seu texto é "perfeito", naquele sentido que cada um de nós lhe pode atribuir: "gostava de o ter escrito".
Vou pois, se não vir inconveniente, fazer um link dele lá para a minha rua.
Boa campanha,
JA