24.11.10

O inferno está é cheio de grandes teorias que nada mudaram

Atacar a moda da inovação social não é uma heresia, ao contrário do que escreve Alexandre Abreu. Todas as modas nascem, criam agendas, sofrem ataques e, muitas delas, passam. Importa-me mais o que deixam. E, do microcrédito à inovação social, passando pelo empowerment, tenho uma visão completamente diferente de Alexandre Abreu do que deixaram.
Nenhuma delas tornou o mundo pior do que era e se nenhuma delas provocou a revolução que alguns desejam, também não vejo onde integraram a ortodoxia neoliberal, que as olha da altura do poder com um misto de desdém e simpatia condescendente. Mas mudaram vidas. Poucas? Algumas. Mesmo assim, talvez milhões, um número que nunca me parece pequeno.
O equívoco está em pensar que as ideias "de moda" têm que ser as que as classes dominantes desejam. Ecoa o sentido de que as ideias dominantes são as das classes dominantes. Esse marxismo mecanicista, como diriam os próximos do próprio, leva a deitar muitas vezes o menino fora com a água do banho. Não podem os blocos sociais de transformação ganhar hegemonia, como já o defendia há quase um século o bom velho Gramsci? De qual destas modas pode um dia saír uma alternativa? Não sei. Mas sem tentar ninguém muda.
Dizer que ideias como empowerment e inovação social podem servir o actual modelo de acumulação e as "ideias neoliberais" é não dizer nada, com franqueza. Até a crítica do capitalismo por Marx e a do imperialismo por Lenine podem ter ajudado estes a reforçar-se, retroagindo criticamente sobre eles. E daí?
Mais, desprezar as experiências localizadas, tratadas como "funcionais" ao modelo actual é negar o poder das pra´ticas minoritárias e alternativas, localizadas e diferentes e, se o inferno está cheio de boas intenções, está ainda mais cheio de retóricas e grandes teorias que nunca conseguiram inspirar nenhuma acção transformadora.

1 comentário:

Emília Arroz disse...

Penso que deve ter havido uma leitura apressada do que escreveu Alexandre Abreu. O que, a meu ver, este texto pretende evidenciar é como determinados conceitos políticos são desvirtuados pela prática dos poderes dominantes. Em nenhuma parte do texto se subestima o valor de muitas intervenções sociais, nomeadamente nas suas consequências em benefício da melhoria da vida das pessoas. O que se problematiza é o objectivo último da Inovação Social: novas relações de poder em que as populações em situação de desvantagem envolvidas em intervenções sociais de empowerment e de inovação social logram alcançar mais autonomia, mais poder dentro do todo social. Outra coisa completamente diferente é falarmos em intervenções sociais, que até podem ser muito inovadoras (e muito “giras”), importantes para quem nelas directamente participa mas que não deixam lastro nem são transformadoras das relações de poder. Poderia dar aqui inúmeros exemplos de intervenções que são apontadas como de “Inovação Social” que mais não são do que boas e mediáticas acções que servem para que, no essencial, tudo fique na mesma (excepto o quotidiano de quem nelas participa e enquanto nelas participa). Significativo de conceitos e práticas inovadoras que são apropriadas pelos poderes dominantes e completamente desvirtuados da sua essência, vem na apresentação que o jornal Expresso de 20 de Novembro faz da revista “Sciences Humaines”. Nesta revista, que desenvolve o tema “L’autonomie – nouvelle utopie” conclui-se que o empowerment tem dado muitas voltas e que actualmente as sociedades (e os Estados) usam-no para se descartarem dos indivíduos “quanto mais autosuficiente for o indivíiduo, menores os encargos da sociedade, sobretudo os referentes à sua protecção” (o empowerment vs “amanha-te”). São estas transformações que o Alexandre Abreu discute.