Tal como o Jeremias do Jorge Palma, o Bloco de Esquerda escolheu o lado de fora.
José Manuel Pureza foi designado para sintetizar a plataforma eleitoral do BE neste video. A ideia do cartoon, não sendo original, é bem conseguida e ele diz bem o texto. Está lá toda a velha retórica da extrema esquerda, agora dita em linguagem soft: os partidos do sistema, lacaios da burguesia, chamaram o FMI para ajudar os capitalistas, vender o país ao estrangeiro e lançar os portugueses na miséria. Antigamente, isto seria dito com frases agressivas, punhos erguidos e bandeiras vermelhas. Como agora fará Garcia Pereira e mais comedidamente Jerónimo de Sousa. Mas só muda a linguagem, a estética clean e a tentativa de branqueamento do fundo ideológico. O resto é igual.
Estou convencido que o Bloco fez nestas eleições a escolha do seu aparelho e da sua história e não a dos eleitores que lhe deram o crescimento dos últimos anos.
Penso que o regresso do Bloco à luta com o PCP pelo lado de fora do sistema político e da governabilidade e a ambição silenciada da revolução socialista são um recuo histórico deste partido que nasceu de uma causa pós-materialista em 1999 e em torno dela cimentou a sua plataforma de apoio popular.
Julgo que o Bloco é o partido que cometeu os maiores erros tácticos da política portuguesa em 2011. Primeiro, apresentando uma moção de censura pueril, depois colando-se à ideia de uma coligação com a CDU como alternativa e agora dedicando a campanha à assimilação do PS à direita, sem ter sequer as cautelas clássicas do PC, que ressalva sempre a diferença entre as "traidoras" cúpulas e as "saudáveis, mas enganadas" bases do PS.
Nunca acreditei que o Bloco enquanto fosse dirigido pela velha geração moldada no sectarismo da extrema-esquerda do PREC fosse além disto e esperava que mais tarde ou mais cedo os seus impasses - eles diriam as suas contradições - viessem ao de cima.
Mas essa geração aprendeu a ser prudente. Por isso escolheu para dar a cara, o católico, moderado e responsável José Manuel Pureza. Ele leu o texto com o profissionalismo de um lente de Coimbra. Tenho pena por ele, que respeito e de quem sou amigo. Preferia ver Luis Fazenda neste papel, porque este é o seu guião.
No que interessa no imediato, a coisa é simples: a plataforma do Bloco está mais perto, no conteúdo, da da sua minoria radical - a Alternativa FER - do que aparenta pelo marketing e a forma como é lida pelos intelectuais orgânicos que a podem tornar palatável.
O ressentimento do eleitorado mais à esquerda face ao PS até pode não penalizar eleitoralmente o BE tanto quanto a acumulação de erros tácticos justificaria, mas esta campanha demonstra que começou o regresso do partido à esquerda sectária, ao lado de fora, à conquista do poder na rua.
Contra os lacaios do capitalismo marcham de braço dado o Jerónimo de sempre em busca dos operários e camponeses do sul, Garcia Pereira mobilizando os bairros sociais e agora Pureza, como porta-voz de Louçã e Fazenda, mais credível no Bairro Alto e na Ribeira, agitando as massas que vão derrubar o capitalismo de cerveja em punho entre duas idas ao estádio.
O relógio do Bloco anda de novo em direcção a 1975 e deram a bala de prata ao meu amigo Pureza. Não tenho pena por eles, mas pela falta que faz ao país um partido moderno à esquerda do PS. O partido que o Bloco faz de conta que quer ser mas esta campanha demonstra que é cada vez menos.
3 comentários:
Tão grande a hipérbole que acaba por ocultar a realidade. Para os outros partidos, BE, PCP MRPP & so on, se situarem cada vez mais à esquerda do PS, na verdade nem precisam de se mover. Quem tem cavado a distância é o próprio PS.
O que faz igualmente falta é que o PS (ou alguém dentro dele) consiga reconhecer este simples aspecto: independentemente de como virá ser solucionada a crise actual que atravessa Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha, e a União Europeia em geral, a solução de uma crise económico-financeira que tem na sua causa primeira a desregulação dos mercados financeiros e da qual a maioria da população destes países não foi beneficiada mas da qual terá de pagar a conta, é por natureza anti-democrática, e devia indignar qualquer pessoa que se afirme democrática. Sem uma crítica de um ponto de vista democrático à arquitectura do sistema financeiro que motiva as escolhas políticas transpostas no plano acordado pela troika e pelo PS-PSD-CDS/PP é impossível reconhecer qualquer forma de legitimidade ao PS para falar em nome de quaisquer ideais de esquerda.
Rui
Desculpe,
por acaso viu o filme Inside Job? Não lhe assalta de forma alguma ao pensamento a ideia de que não é possível, de um ponto de vista estritamente democrático, que nada tem de extremista, sacrificar o bem comum (através da contração do Estado, de serviços públicos, da condição de vida da maior parte dos membros da nossa sociedade) para salvar o sistema bancário e financeiro? Isto é, sem reestrurar em simultâneo os mercados financeiros, é ilegítimo pedir qualquer sacrifício que seja à maioria da população portuguesa, espanhola, grega ou irlandesa. Não considera que isso é um desafio que qualquer social-democracia se tem de colocar? Por último, uma vez que a nossa sociedade é desigual, não apenas nos seus rendimentos mas inclusive na influência desigual que os seus membros têm junto ao poder político, faz todo o sentido que a mobilização social e rua de que fala com menosprezo seja o espaço provavelmente o único espaço a que boa parte da sociedade mais desfavorecida tem acesso para interpelar o poder político?
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