5.7.11

A propósito do corte do rating da Moody's: depois do mortal à frente, o choque de realidade.

A Europa, talvez tarde demais, percebeu que o ataque é mesmo ao conjunto da zona Euro e não às moedas periféricas. As agências de rating iam deixando-o escrito nas entrelinhas mas a direita europeia, com os governos socialistas a arder e risco de contágio demasiado longínquo não se preocupava. Pelo contrário, alimentava o populismo da "preguiça" do sul, mesmo contra as evidências. Em Portugal, o PSD viu nessa culpabilização a sua oportunidade e fez um mortal à frente: chumbou o PEC IV, precipitou a ajuda externa, fez campanha na base da negação da crise mundial e na culpabilização do governo, descredibilizou o memorando que assinou como insuficiente.
Agora vem o choque de realidade, para a zona Euro e para o governo português. Objectivamente, o plano francês para a reestruturação da dívida da Grécia esconde mal que é uma operação de branqueamento de activos tóxicos da banca exposta à Grécia enquanto virmos a dívida soberana grega como um problema grego. Os "mercados" não mudaram de orientação, continuam a atacar o Euro. A França e a Alemanha é que estão a mudar de discurso.
O mesmo choque de realidade sofre o governo português. O que diria há dois meses o PSD de um comunicado do Ministério das Finanças sobre um downgrade do rating em que se dissesse que a Moody's "não terá tido em devida conta (...) [o] amplo consenso político que suporta a execução das medidas acordadas com a troika" ou que "o downgrade ora anunciado revela o ambiente adverso da crise da dívida soberana e as vulnerabilidades da economia portuguesa neste contexto"? O que dirão os dois candidatos a líderes do PS?
Depois do mortal à frente do PSD e a sofrer o choque da realidade, a direita e a esquerda portuguesa ou aproveitam para se deixar de ofensivas ideológicas fracturantes como a privatização do Estado social, de retóricas populistas como a do "estado de choque" ou a do "assalto ao bolso" dos contribuintes e trabalham juntas para resolver o problema que todos reconhecem - o da retoma da competividade da economia - ou deitam, cada uma para seu lado, gasolina aos "mercados".
Do ponto e vista europeu, se Portugal caír ainda é uma peça do dominó suportável, mesmo que já se tenha percebido que não cai sózinha, mas do ponto de vista português seria uma tragédia.
Temo pela cegueira estratégica de todos. O Primeiro-Ministro ainda não deu sinal de perceber que não é tempo para os liberais se vingarem dos anos oitenta e noventa. O PCP e o BE ainda parecem sorrir ante a ideia de uma manifestação com muita participação e um par de greves gerais e vejo no PS gente muito destacada, tentando ganhar o partido, que pensa que pode trocar de papel com o PSD e pôr agora o PS a fazer de conta que não há crise internacional, apenas incapacidade da governação.
Quero estar enganado, que o PSD caia em si, que o PS não caia no populismo de esquerda e que o PCP e o BE não julguem que vem aí a melhor oportunidade de ruptura desde o PREC. Mas não vejo nada disso no horizonte.

6 comentários:

Kid Karocho disse...

"Roma não paga a traidores"
Os Laranjinhas andaram meses a ajudar os especuladores (Moody's incluida) no ataque ao Euro para derrubar o governo.
Agora têm a merecida recompensa...

A propósito de Moody's e recompensa, nem tudo são más notícias:
Anteontem a Moody's cometeu um erro fatal: meteu-se com quem não devia e, parafraseando Jorge Coelho, quem se mete com esses, leva... pela medida grande!!!

Leram aqui em 1ª mão

Não percam os próximos episódios!

tem a palavra o povo disse...

Caro Paulo Pedroso...o seu diagnóstico assenta num dos lados da realidade...o governo Sócrates/PS, não fora a vergonhosa campanha pessoal..e você sabe o que é o poder de uma campanha pessoal bem orquestrada, estava em melhores condições para enfrentar e congregar a alma Portuguesa em torno da resistência a esta ofensiva dos mercados financeiros...a forma vergonhosa como este novo governo se apresenta, confiscando, como primeira medida de fundo, parte dum mês do salário dos trabalhadores..é uma pedra de toque que abala qualquer tentativa de repor a confiança e sublimar a esperança...e sem isso, meu caro...sem povo e o seu brio...vamos ter conflitos sociais sem precedentes na nossa história...
um abraço de admiração
joão raimundo

Anónimo disse...

Concordo com a análise a nível nacional, no entanto: há ou não há deficiências estruturais a nível financeiro na UE? "Transfer union"? Portanto as agências de rating limitam-se a avaliar tais (falhas de) responsabilidades soberanas. -Rui Furtado (@komakino_rf)

Alexandre Rosa disse...

A forma como se faz politica às vezes acerta com a realidade. Embora dependa do sítio onde se está em cada momento. De repente passamos a ouvir, em tudo o que é comentador, que afinal há um problema com o euro e que a UE tem que encontrar solução para o que, até agora, era o problema da governação em Portugal.
E, para disfarçar a ruptura de discurso, sempre se vai desenterrando o discurso da tanga. Espero, como o Paulo, que saibamos encontrar os caminhos que, sem prescindirmos dos nossos pontos de vista, nos permitem que nos concentremos no essencial.Todos, em conjunto, devemos fazer o nosso trabalho de casa e erguer a voz junto da UE para quese encontre uma solução para o actual ataque ao euro. IMPÕE-SE QUE A EUROPA ACORDE.

Jorge Silva - CART 2716 disse...

Havia um complot que, articulado como um pelotão de fuzilamento, apontava em uníssono, sem dó nem piedade, ao mesmo bode expiatório.
Agora, tudo mudou de repente e a culpa já passou a ser das agências de rating.
O pelotão de fuzilamento voltou a reunir-se mas, desta feita, para apontar certeiro à Moody’s e a quem a apoiar.
Abaixo as agências de rating, que se comportam como lixo tóxico das democracias!
http://bloguejs.blogspot.c​om/2011/07/agencias-de-rat​ing-lixo-toxico-das.html

Pereira da Costa disse...

Caro Paulo Pedroso eu não tinha gasto tanto texto.
A questão é simples.
Todas as eminências sabem as razões porque as empresas de rating se comportam desta forma.
Bem podiamos estar fora destes problemas se o PEC IV tivesse sido aceite e tivessem deixado o Sócrates solucionar a dívida com os países emergentes, em condições muito mais vantajosas e sem termos a nossa indepência penhorada.
O FMI nem os usurários europeus não estariam a sugar-nos todos os tostões que nos emprestaram mais os juros que teremos de pagar. Não contentes ainda querem mais.
Mas agora já não há remédio, mas irá servir de lição a muita gente que insatisfeita e ignorante assim quiz que acontecesse.
Mas o que ira acontecer é todos vamos ser sugados para o memso buraco e o descalabro está eminente.
Quanto ao Secretário-geral deixe o António Seguro o ser pois o Assis é a pessoa ideal para o parlamento.
Oxalá que dentre em pouco não andemos a apanhar os casos.