22.12.11

Portugal tem um governo de classe, com agenda anti-sindical

A revisão do memorando de entendimento com a troika anuncia o maior ataque à contratação colectiva de que há memória.
Entre Maio e Dezembro, no ponto que se refere à fixação de salários foram feitas umas "pequenas" modificações:

a) o Governo renuncia a fazer qualquer portaria de extensão de um contrato colectivo até estarem definidos critérios de representatividade dos signatários;
b)  onde se lia que a definição da representatividade seria feita com critérios quantitativos e qualitativos passou a ler-se apenas critérios quantitativos;
c) Onde se acometia ao INE a tarefa de recolher informação sobre a representatividade dos parceiros sociais passou a dar-se a responsabilidade ao Governo.


O que valem estas três pequenas mexidas? Quem tenha acompanhado o debate sobre a representatividade sindical e patronal sabe que esta é uma questão extremamente sensível e promotora de conflitualidade. Quem acompanhe a evolução da contratação colectiva sabe também que a cobertura dos trabalhadores por esta tem larga dependência das portarias de extensão e dos efeitos devastadores dos "vetos de gaveta" ministeriais.
Ao anunciar que não há portarias de extensão até estar fechado o processo de medição da representatividade estar fechado, o Governo acaba de anunciar uma drástica redução da contratação colectiva por tempo indefinido. Dificilmente este processo se fechará com algum consenso em meses. Mas o governo já fez saber que não tem intenção de o ver concluído em 2012, se esta notícia tiver fundamento.
Desde o 25 de Abril o ano de maior desprotecção dos trabalhadores pela contratação colectiva foi o de Bagão Félix, a seguir à aprovação do Código do Trabalho. Mas o que se promete para 2012 fará desse ano um paraíso do diálogo social nas empresas.
Não é difícil antever que o governo espera congelar os salários do sector privado por esta via e reforçar o já elevado poder unilateral do patronato nas relações de trabalho em Portugal. Mas há mais. Como vai pôr os sindicatos em estado de necessidade na negociação da questão da representatividade, reservou para si todas as condições para manipular o debate: retirou a responsabilidade pelo apoio técnico a essa medida ao INE, que seria a única instituição pública com independência e credibilidade para o fazer; retirou dos critérios qualquer medida qualitativa, indispensável para que fosse minimamente consensual. O Governo até pode nem querer manipular os resultados do dito estudo, mas quer certamente partir a espinha a qualquer convergência na acção entre a CGTP e a UGT, forçando-as a um confronto em matérias que as dividem há muito tempo enquanto impõe a sua agenda anti-sindical na legislação laboral.
Portugal precisa de fazer reformas e podia fazê-las em diálogo ou de modo autoritário. O Governo escolheu a via autoritária.
Aquilo que na Alemanha levou anos a fazer, com negociações e compromissos, promete-se por cá em meses. A desvalorização dos salários - que sabiamnos que ia acontecer - em vez de ser moderada (os leitores sabem que nem me oponho, como a generalidade da esquerda o faz, à meia hora de trabalho) será brutal, juntando a dita meia hora, a supressão de feriados, a redução de dias de férias, a redução das indemnizações por despedimento. E, cereja em cima do bolo, pelo ataque drástico à eficácia da contratação colectiva. Simplesmente os trabalhadores vão trabalhar mais e por menos dinheiro, nem sequer é pelo mesmo, dado que haverá congelamento nominal dos salários, a menos que, unilateralmente, os patrões decidam o contrário.

Como temia quem olhasse a partir da esquerda para o uso que o PSD faria do memorando com a troika, aí está no seu esplendor total o exercício de embrulhar algumas medidas necessárias numa agenda liberal e no caso anti-sindical. Mas como não vale a pena chorar sobre leite derramado, apenas se pode extrair daqui lições para o futuro mais ou menos imediato, que se me colocam sob a forma de duas perguntas:

1. Ainda há alguém de esquerda capaz de dizer que os Governos do PS, com todos os defeitos que tenham, são iguais aos do PSD?

2. Vão as centrais sindicais cair na mesma armadilha em que caíram os partidos de esquerda há um ano ou dar-lhes-ão, pelo contrário, uma lição de sentido de responsabilidade e de capacidade de distinguir o essencial do acessório, o urgente do que pode esperar?

Acredito que 2012 será o mais importante ano de clarificação política na sociedade portuguesa desde 1976. Ou os protagonistas perceberão o que está em causa ou desaparecerão também sobre os escombros da revolta inorgânica ou da anomia.
O optimismo antropológico é uma das razões que me faz ser de esquerda.  Aproxima-se um momento em que o silêncio é demissão e a convergência é submissão. 2012 não será o ano da separação do trigo do joio, mas o da separação das águas. E, no caso do PS, convém não esquecer que os Portugueses votaram pelas reformas e não pela contra-revolução liberal, na hora de saber com o que se deve transigir e do que se deve demarcar.




2 comentários:

Francisco Clamote disse...

Obrigado, Paulo, por mais esta lição. Boas Festas.

Anónimo disse...

É urgente um sinal de cidadania activa
A partir da criação do euro em 1999 os 17 países da EU que aderiram à moeda única passaram a ter uma taxa de câmbio fixa e deixaram de controlar as suas relações de troca através do controlo cambial e da intervenção directa dos seus bancos centrais. A partir de então em conjunto a balança de transacções da Grécia, Itália Portugal e Espanha –GIPS- passou sempre a ser negativa , isto é as empresas e os Estados foram-se progressivamente endividando. Ao mesmo tempo, , a Alemanha apresentava um crescente saldo positivo nas suas trocas com o exterior, atingindo actualmente um superavite de 182 mil milhões de euros, enquanto os países referidos acumulavam um saldo negativo de 183 mil milhões*; quer dizer, a Alemanha prosperou com a moeda única e os GIPS agravaram a sua situação.
Com a crise financeira de 2009, a dívida dos GIPS cresceu muito, o que justificou que os mercados de capitais iniciassem um ataque especulativo sobre a dívida pública destes países, começando selectivamente pelos mais . Só uma intervenção rápida de um banco central poderia deter este processo.
O BCE pode emprestar dinheiro aos bancos mas está proibido de emprestar directamente aos países, o que originou benefícios para a banca tornando a manutenção da dívida insustentável em alguns países.
Ao manter o BCE incapaz de garantir os títulos de dívida dos países europeus, a Alemanha com cumplicidade da França, conseguiu por em perigo o euro e levou à supressão da democracia na Grécia "despediu" com um simples telefonema o governo de Itália, levou à queda o governo de Portugal e facilitou a vitória da direita em Espanha. Depois de espalhar uma política de medo e incerteza permanente e substituir os governos destes países, reduzem-se salários e regalias e lançam-se os países numa crise de recessão .

Sem por em causa a necessidade de pagar dividas e pôr cobro ao endividamento sistemático, a verdade é que uma saída para a crise não pode ser conseguida pela destruição da economia, optando por uma austeridade cega que inclusive reduz o produto interno e conduz à impossibilidade prática de permitir o pagamento da dívida. A solução passará por travar o ataque especulativo e a subida dos juros da dívida e equilíbrio orçamental das contas públicas num prazo realista.
Ao boicotar os ajustes necessários do BCE fazendo prevalecer os interesses dos seus bancos, sem disparar um tiro, a Alemanha está a conseguir alimentar os seus desígnios imperiais melhor do que conseguiu na primeira e segunda guerra. Assim, em menos de 100 anos a Europa tem de enfrentar a terceira calamidade provocada pela Alemanha : o avanço sobre a soberania dos estados e a sua subjugação económica configura o que entendemos por um estado de guerra.

De facto estamos a enfrentar uma situação de guerra, em que as armas até podem ser silenciosas, mas não deixam de ser devastadoras.

Perante este cenário os dirigentes políticos europeus como Passos Coelho vieram a revelar-se, não como defensores dos seus Estados, mas apenas como submissos representantes de Berlim, incapazes de negociarem condições que permitissem que a economia dos respectivos países pudesse manter a vitalidade suficiente para que efectivamente pudessem honrar os seus compromissos, mas sem destruir empresas pessoas e bens.

Neste contexto de emergência os cidadãos não podem de imediato esperar que os seus interesses sejam capazmente defendidos, pelo que só lhes resta a possibilidade de enviar directamente uma mensagem suficientemente forte para ser ouvida e atendida pela alta finança alemã: fazer baixar significativamente os lucros das suas empresas.

Sabendo-se que 60% das exportações da Alemanha se destinam à Europa é urgente que os cidadãos europeus exerçam o seu direito à resistência contra a ofensiva em curso, começando desde já por enviar uma mensagem muito clara para Berlim: deixar de comprar produtos de origem alemã.

Se concordar com esta acção de defesa do país, é favor divulgar a mensagem.

* dados Eurostat