Hoje começa um período que o cristianismo consagrou à reflexão sobre as fragilidades humanas. Se Bento XVI se guiasse por conselhos de marketing e alguém perto dele partilhasse a minha sensibilidade para o momento ideal de uma resignação histórica, tê-lo-ia aconselhado a partilhar hoje a notícia com o mundo.
Mas o que motiva a minha reflexão sobre o Papa é apenas que, nestes dias em que os media investiram sobre ele com uma ferocidade apenas guardada para quem surpreende, renunciando ao poder, à influência, à aura de santidade, importa pensar o significado do seu gesto além da espuma da notícia.
As reflexões de Joseph Ratzinger sobre Jesus Cristo têm, até onde consigo captar o seu sentido, um princípio organizador - a negação da redução de Cristo à condição humana. A ideia do "Cristo histórico" é uma das grandes construções pós-Conciliares que este co-obreiro intelectual do Vaticano II pretendeu destruir . Vista essa análise pelo ângulo de um ateu sob influência da ideia de Karl Jaspers de que Cristo é um dos mestres da humanidade, compreende-se. O teólogo percebeu que o racionalismo contemporâneo se apropriaria dessa condição humana de Jesus, sublinhando a sua excepcionalidade mas nessa condição (o sentido humano de milagre que Hanna Arendt nele evidenciou. é bem ilustrativo do exercício), para lhe dar maior universalidade, libertando-nos da vinculação à fé na sua transcendência, mas com isso retirando-o do lugar especificamente cristão que a Igreja lhe construiu ao longo da sua história, o luger de ser Deus, filho de Deus, irmão dos homens, homem mas não homem. Redivinizar Cristo era um imperativo que, parece-me, o teólogo impôs ao filósofo Ratzinger, conduzindo o racionalista Conciliar ao místico que valoriza o terceiro segredo de Fátima.
A esta luz, a resignação de Bento XVI é um acto de máxima coerência. Em ruptura com o culto da personalidade que na Igreja Católica levou, por exemplo, a elevar o Papa à infalibilidade, Bento XVI quis fazer uma prova com a sua biografia da incomensurável distância entre a pequenez do homem e a grandeza de Deus.
Não precisamos de partilhar a fé na grandeza de Deus para compreender a mensagem sobre as fragilidades do ser humano que Bento XVI nos deu. No fundo, nas transitoriedades da vida, a mais dificil das lições a aprender é a de, cumprido um dever, saber ir em paz. Joseph Ratzinger soube. O voyeurismo social dos que pensam que o gesto se reduz à importância de ter um pacemaker não percebeu nada. Ou fui eu que não percebi. Mas, aprendendo com o significado do período em que os cristãos entram agora, também não importa. é mais importante aquilo que se revela no nosso interior.
1 comentário:
Paulo,
Parabéns pelo profundidade e clareza da tua analise. Parto de uma perspectiva de crente, mas partilho dela no essencial.
Abraço
Antonio Pinheiro
( aveiro )
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