22.9.08

Lendo o Público de domingo

A coluna do provedor do Público de ontem levanta uma luz razoável sobre as relações, a certos níveis, entre política e jornalismo. Ficamos a saber que há um canal aberto entre Belém e o jornal, que poderá explicar o exclusivo deste sobre a comunicação do Presidente ao país e a surpreendente entrevista monotemática a propósito do estatuto da Região Autónoma dos Açores. Afinal Cavaco Silva contactou o Público e impôs os termos da entrevista. O jornal aceitou a proposta. Pessoalmente, não creio que tenha violado nenhum princípio do jornalismo, embora acredite -mas é apenas uma convicção - que se tivesse recebido semelhante proposta do Primeiro-Ministro não reagiria da mesma forma e que a atitude em relação ao Presidente não joga bem com o que muitos leitores, como eu, esperariam do Público. Mas o jornal também demonstrou neste episódio as suas qualidades. O Provedor interrogou o Director sobre o critério jornalístico, teve uma resposta clara e informou os leitores. A pequena reprimenda ao Director que deixa na sua coluna, se é uma nota crítica para José Manuel Fernandes e uma informação importante sobre a relação de Anibal Cavaco Silva com os media, é também um elogio ao Público. Em quantos mais seria possível que tal crítica aparecesse tão cristalina, publicada no próprio jornal? Num país em que a auto-regulação dos media é medíocre, se admitirmos que existe, a atitude do jornal contrasta radicalmente, por exemplo, com tudo quanto, também no Público de domingo, em entrevista, José Eduardo Moniz disse sobre a "informação" da sua TVI. Foi de um cinismo atroz, de alguém que desrespeita violentamente direitos fundamentais das pessoas e ainda se orgulha de o fazer, de alguém que conta com a impunidade que o medo do seu enorme poder de retaliação provoca. Perante a capacidade de defender e banalizar o homicído cívico a sangue frio que Moniz aí ostenta, as declarações de Rangel há uns anos sobre o poder da SIC soam naives e a capacidade do Público nos informar sobre as condições em que produziu a entrevista presidencial têm um perfume de democracia e responsabilidade que o distinguem do quadro mediático nacional, por muito que se sinta que a linha editorial do jornal anda muito alinhada com um certo espaço ideológico e que nem sequer é o meu.